Apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter barrado o congelamento de aposentadorias e pensões e ter ameaçado dar “cartão vermelho” a quem propôs a medida, a ideia é um sonho antigo do ministro da Economia, Paulo Guedes. Desde a campanha presidencial ele defende mudanças estruturais no Orçamento público, embaladas num pacote que chama de "DDD" ou "três Ds", e tentou emplacar a ideia no fim do ano passado, durante a discussão do Pacto Federativo, mas recuou em cima da hora após pedido do próprio presidente.
A segunda tentativa foi feita agora, indiretamente, através do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior. Ele confirmou em entrevistas à imprensa que a equipe econômica estudava desindexar o piso previdenciário para poder congelar aposentadorias e pensões por até dois anos, liberando cerca de R$ 59 bilhões para viabilizar o programa social Renda Brasil. Bolsonaro ficou furioso com o fato de a ideia ter vindo a público e barrou a medida pela segunda vez.
A primeira vez – só que com bem menos barulho – foi em novembro de 2019, quando a equipe econômica apresentou o chamado Plano Mais Brasil. Era um pacote pós-reforma da Previdência que continha três propostas de emenda à Constituição (PECs): do Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos Públicos. Todas foram apresentadas ao Senado e ainda estão em tramitação.
Na época, Guedes admitiu que seu plano era propor a desindexação de todo o Orçamento na PEC do Pacto Federativo, incluindo salário mínimo e aposentadorias, mas que não fez porque Bolsonaro não permitiu. "Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários [na PEC do Pacto Federativo] a pedido do presidente Bolsonaro", afirmou o ministro em coletiva de apresentação das propostas, no dia 5 de novembro.
“O presidente Bolsonaro é um homem de enorme intuição política. Ele disse: 'Você acaba de fazer a reforma da Previdência e você ainda quer desindexar o dinheiro dos velhinhos? Que história é essa?' É verdade, está certo, é muito cedo", completou, lembrando que a reforma da Previdência fazia um mês que tinha sido aprovada pelo Congresso e nem tinha entrado em vigor ainda.
Além de desindexar todo o Orçamento, Guedes queria desvincular, acabando com os pisos constitucionais de investimento em saúde e educação. Na última hora, a equipe econômica cedeu e decidiu propor na PEC do Pacto Federativo apenas a unificação dos pisos, para que os gestores públicos pudessem decidir se o ano demandaria mais investimentos em saúde ou educação.
"Nós não somos revolucionários, somos evolucionistas. O Brasil não estaria pronto para desindexar, desobrigar e desvincular tudo de uma vez”, admitiu Guedes lá em novembro de 2019.
O que são os três Ds de Guedes?
O ministro Paulo Guedes sempre defendeu o que chamava de DDD ou três Ds: desvincular (sem recursos carimbados), desindexar (sem reajustes automáticos) e desobrigar (sem mínimos constitucionais) as despesas e receitas do Orçamento.
Primeiro, a ideia foi aventada como um “plano B” caso a reforma da Previdência não passasse no Congresso. Como o texto foi aprovado, Guedes decidiu propor os três Ds na PEC do Pacto Federativo, mas numa versão bem mais reduzida, já que Bolsonaro não deixou desvincular e desindexar praticamente nada.
A nova tentativa de implementar os três Ds foi agora, tentando atrelá-los à viabilização do Renda Brasil. O movimento, contudo, foi novamente barrado pelo presidente.
Por que Bolsonaro é contra os três Ds?
Bolsonaro sempre tem ficado contra os três Ds ou pelo menos parte deles por causa do caráter impopular. Tecnicamente, parece adequado quando o ministro propõe desengessar o Orçamento e devolver à classe política o poder de decisão sobre as contas públicas. Mas quando se traduz o que significa na prática cada um dos Ds, nota-se que há muitas ações polêmicas.
Ao falar em desindexar o Orçamento, por exemplo, Guedes está dizendo na prática que defende acabar com todas as correções automáticas de despesas, o que abre brecha para congelamentos. Segundo o Tesouro, 67% das despesas primárias são corrigidas, por força de lei, por indexadores. Isso representa cerca de R$ 700 bilhões em despesas.
O salário mínimo é corrigido anualmente pela inflação medida pelo INPC. O piso dos benefícios previdenciários e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) são vinculados ao salário mínimo e, com isso, acabam sendo corrigidos também pela inflação. Os mínimos constitucionais para a saúde e a educação e as emendas parlamentares acompanham a inflação oficial, o IPCA. E o Fundo Constitucional do Distrito Federal é indexado pela receita corrente líquida.
Ou seja, ao falar em desindexar despesas do Orçamento, o ministro da Economia acaba mexendo em pontos que são sensíveis politicamente. A mesma coisa quando fala em desobrigar. Significa desde acabar com os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES até pôr fim aos mínimos constitucionais para saúde e educação.
Ao propor desvincular o Orçamento, Guedes está defendendo que nenhuma receita pública já tinha destino certo, como órgãos, fundos ou despesas, como acontece hoje.
Por que Guedes não desiste dos três Ds?
Guedes não desiste da desindexação, da desobrigação e da desvinculação porque entende que o Orçamento público é muito engessado e os gestores públicos não têm poder de decidir livremente em que área os recursos serão investidos. Ao implementar os três Ds, o ministro afirma que devolveria à classe política o poder de decidir como gerir parte das receitas e despesas.
“O que acontece no Brasil é que a classe política não tem um controle efetivo sobre as despesas públicas. O Brasil é gerido por um software: 96% do dinheiro tá carimbado [para pagar despesas obrigatórias]. O presidente não tem poder de gastar nas direções que ele considera mais importantes. O mesmo acontece com prefeitos e governadores”, explicou Guedes em exposição no painel TeleBrasil2020, em 15 de setembro.
O ministro acrescenta que as amarras do Orçamento passam uma falsa impressão de proteção. “Eu vou dar um exemplo importante. O que vocês acham que vai proteger mais a educação: dar 1,6% de IPCA, que é a indexação dos gastos com educação, ou ter feito o Fundeb, que é 130% de aumento? É claro que a educação tá muito melhor protegida com a aprovação do Fundeb, isso foi muito melhor que dar a indexação, que é uma falsa proteção”, exemplificou o ministro.
“Nós estamos envolvidos numa mudança que podia ser histórica, inclusive, que é essa de desvinculação, desindexação e desobrigação das despesas públicas”, lamentou.
Parte das suas ideias, porém, ainda pode voltar dentro da PEC do Pacto Federativo, que será relatada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC). O senador promete apresentar o relatório no próxima semana. Ele é favorável aos três Ds de Guedes, mas só vai mantê-los se houver apoio do presidente e dos líderes do Congresso.
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