Quando o deputado texano Joe Barton cumprimentou Jack Dorsey em uma audiência no Congresso, no início de setembro, parecia desconcertado. “Não sei qual a aparência que o executivo-chefe do Twitter deve ter, mas você não se parece com o que um executivo-chefe do Twitter deve ser”, disse Barton.
O congressista tinha razão. Dorsey – piercing no nariz, camisa com colarinho levantado e uma barba bíblica – parecia mais um hipster do que um ícone da tecnologia. Ainda mais impressionante do que sua aparência foi sua atitude em relação aos legisladores céticos.
Confrontado com perguntas difíceis, ele não montou uma defesa agressiva da empresa e sua tecnologia, que normalmente existe na geração anterior de líderes do setor; em vez disso, hesitou, admitiu erros e entrou em um colóquio cheio de nuances e aparentemente sincero sobre as dificuldades da gestão tecnológica em um mundo complexo. Mesmo em resposta ao comentário de Barton sobre sua aparência, Dorsey foi solícito. “Minha mãe concorda com o senhor”, disse ele.
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O depoimento gerou perguntas sobre o que esperamos dos líderes tecnológicos de hoje – e o quanto nossas expectativas vêm sendo frustradas nos últimos anos. Desde a década de 1980, um arquétipo de liderança paira sobre o setor de tecnologia: Steve Jobs e Bill Gates. Às vezes, inconscientemente ou mesmo deliberadamente, uma geração de líderes tentou copiar o carisma dos fundadores da Apple e da Microsoft, além de suas peculiaridades, seu estilo e, acima de tudo, sua grande autoconfiança, para não dizer arrogância.
Dorsey – que, como Jobs, voltou à empresa que ajudou a criar para salvá-la – há muito é comparado com o fundador da Apple. No entanto, o testemunho no Congresso marcou uma surpreendente mudança retórica. Em vez de Jobs, Dorsey soou mais como Tim Cook, o discreto gerente de operações que o substituiu.
Isto é, Dorsey pareceu menos um visionário que pode ver além do horizonte e mais como o que ele realmente é e deveria ser: apesar da barba e do piercing, o tipo de gerente enfadonho, pensativo, acessível e transparente de uma empresa séria, cujas decisões têm consequências que podem mudar o mundo.
Quando se trata de executivos de tecnologia, a monotonia é o novo padrão. Sob o escrutínio global, a ousadia e o espírito vencedor que tanto definiram a indústria tecnológica nas últimas duas décadas vêm passando por uma metamorfose completa.
Mark Zuckerberg, o chefe do Facebook que já foi o símbolo de algo rápido e revolucionário, agora se senta com jornalistas para elaborar dissertações longas e cheias de nuances sobre suas falhas. No ano passado, o Uber substituiu seu controverso fundador, Travis Kalanick, por Dara Khosrowshahi, de quem quase ninguém fora do setor tinha ouvido falar antes, fato que a companhia considerou uma vantagem, não uma inconveniência.
O Google já exibiu os truques nerds de seus fundadores, mas agora os líderes da empresa são figuras quase não identificáveis. Larry Page, que dirige a Alphabet, a empresa-mãe do Google, tornou-se um recluso, e até mesmo o simpático Sundar Pichai se recusou a aparecer nas audiências do Congresso em setembro.
Jeff Bezos, chefe da Amazon e homem mais rico do mundo, vem se arriscando com um estilo de moda mais ousado, mas a liderança sempre foi marcada pela paciência e pela expansão deliberada, bem o tipo de sensibilidade monótona agora em voga.
Ah, e eu estava quase me esquecendo de Satya Nadella, o CEO da Microsoft. Em minha defesa, todos se esquecem dele.
Não é nenhum mistério o motivo pelo qual os líderes da tecnologia estão se resguardando. “O setor é muito grande e dominante agora. A mentalidade do vamos-ver-no-que-vai-dar não é viável quando você tem uma capitalização de mercado de trilhões de dólares ou mais influência do que muitos governos ao redor do mundo”, disse Joshua Reeves, o fundador orgulhosamente monótono e executivo-chefe da Gusto, startup que faz software de recursos humanos.
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Reeves notou que não são apenas os executivos das grandes empresas que estão ficando entediantes. Algumas das startups mais bem-sucedidas – desde o Lyft até o Airbnb e o Pinterest – são comandadas por gente modesta que de visionária não tem muita coisa, e que busca a competência funcional em vez do excesso de vendas.
“Uma startup que tem cinco milhões de usuários é café pequeno para o Vale Do Silício, mas afeta um número enorme de pessoas, ou seja, tem uma grande responsabilidade no mundo”, disse Reeves.
A imprensa de tecnologia também ficou mais exigente. Antigamente, a novidade por si só merecia cobertura, mas na era da mídia social, mesmo o menor deslize pode ser desastroso. Tornou-se crucial ter um líder que não fale de modo imprudente.
Há uma exceção óbvia à minha tese da monotonia: o executivo-chefe da Tesla e da SpaceX, cuja sequência de tuítes precipitados, insultos e outros escândalos recentes, foram tudo, menos entediantes.
No início deste mês, durante uma entrevista com o podcaster Joe Rogan, Musk fumou maconha e detalhou extensivamente o que vê como possibilidades apocalípticas da inteligência artificial. A entrevista, combinada com a notícia da saída de outros executivos, ajudou a derrubar ainda mais as ações da Tesla.
O comportamento estranho de Musk evidencia as tensões que surgem quando o estilo inconsequente toma conta do setor de tecnologia. Há uma razão para que a personalidade à la Steve Jobs já tenha sido tão valorizada: essas empresas são apostas. No início, existem na obscuridade, e é muitas vezes apenas através da força da personalidade de um fundador que os investidores, funcionários e os meios de comunicação as notam. Os mais amados possuem um gênio estranho para vender ao mundo ideias que parecem inúteis, desnecessárias ou impossíveis, antes que todos percebam que não podemos viver sem elas.
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Musk sempre foi assim, com todas as suas falhas. Em 2006, postou um “plano de mestre” para a Tesla que mais parecia uma armadilha do coiote para pegar o papa-léguas: “1) Construir carros esporte; 2) Usar esse dinheiro para construir um carro acessível; 3) Usar esse dinheiro para construir um carro ainda mais acessível. Além disso, também fornecer opções de geração de energia elétrica sem emissões. Não conte a ninguém.”
Embora tenha alcançado algumas dessas metas, postar o plano era parte de um estratagema para gerar publicidade para o que parecia ser uma ideia bizarra. Funcionou, e desde então Musk aproveita seu status cada vez maior de celebridade como se fosse uma moeda de troca.
A cada poucos meses, ele faz novas promessas sobre essa ou aquela coisa que chegará em breve – e toda vez consegue mais atenção e financiamento para, no fim, construir carros reais que são vendidos para pessoas reais. Dessa forma, sua personalidade se tornou um elemento-chave não apenas das marcas de suas empresas, mas de seus modelos de negócios.
Mas esse é um jogo complicado, de alto risco. Para começo de conversa, Musk tem que cumprir suas promessas. Mais recentemente, outro problema minou essa estratégia: o futuro está ficando menos obviamente maravilhoso, por isso é difícil aceitar as garantias de qualquer líder de tecnologia de que sua novidade será realmente tão grande para o mundo quanto dizem.
Na época de Jobs, a tecnologia era relativamente descomplicada; quando o grande homem veio com um novo tocador de música, não era preciso se perguntar se poderia ajudar um governo estrangeiro a fraudar uma eleição. Agora, depois de tudo o que temos visto recentemente, você tem que se preocupar com o que o futuro pode trazer. Até Musk está preocupado.
“Tentei convencer o pessoal a ir devagar com a inteligência artificial. Tudo em vão. Tentei muitos anos. Ninguém me ouviu; ninguém”, ele disse a Rogan.
Daí tamanha tensão: Musk quer que acreditemos que tudo o que está construindo vai acabar sendo uma maravilha. Mas também nos diz para ficarmos assustados, o que soa como uma contradição, mas em sua admissão de dúvida e complexidade, é realmente uma imagem muito boa do futuro.
Não admira que ele pareça louco. E que os outros estejam ficando monótonos.
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