Meses atrás, a Receita Federal lavrou autos de infração fiscal em bloco contra os senadores de Pindorama, exigindo-lhes vultoso crédito tributário decorrente da omissão de rendimentos constatada nas suas declarações do Imposto de Renda.
A malha fiscal descobriu que o 14º e o 15º salários foram pagos nos últimos anos aos 81 senadores sem a devida retenção do IR na fonte, como ocorre com o décimo terceiro salário de qualquer súdito. Os números exatos dos vultosos tributos que deixaram de ser recolhidos às burras oficiais não são conhecidos, mas, considerando o valor real desses salários, com os acréscimos de variadas gratificações, pode-se imaginar o rombo milionário causado ao erário público pelos nobres integrantes daquela casa de leis.
Diante da repercussão negativa que o assunto ganhou, alguns parlamentares, entre os quais a senadora gaúcha Ana Amélia, reconheceram o erro, que teria sido causado pelo sistema da folha de pagamento do Senado. Por isso, manifestaram a disposição de pagar o imposto, isto é, de dar a César o que de César.
Todavia, paralelamente a esse gesto individual de grandeza cívica, aquela casa legislativa, fonte pagadora dos rendimentos, anunciou que estudava uma alternativa para livrar os senadores do pagamento do tributo em questão, abrindo os cofres da Casa para quitar a obrigação tributária a cargo de seus membros.
Sobre essa iniciativa, comentamos em uma de nossas colunas que, se assim o fizesse o Senado Federal, não resta dúvida de que o escândalo ganharia novas proporções. Primeiro, porque, como o Senado não é propriedade particular, o pagador final dessa conta seria cada um de nós, míseros e indefesos contribuintes. Por outro lado, se o erro decorreu exclusivamente do sistema da folha de pagamento, nem por isso é razoável admitir que um senador da República tenha o direito de alegar ignorância das leis para cuja aprovação ele contribuiu. Afinal, ninguém do povo tem esse direito.
Em outras palavras, pode-se afirmar que, moral e legalmente, sequer as multas, menos ainda o imposto corrigido, oriundos dessa inaceitável e inusitada infração fiscal, devem ser arcadas pelos súditos, sejam eles carvoeiros, colocadores de paralelepípedos, frentistas, comerciários, industriários, aposentados, pensionistas, sanfoneiros, barnabé ou outros profissionais quaisquer entre os milhões de eleitores e contribuintes.
Dito e feito
Agora, as notícias dão conta de que o imposto devido pelos senhores senadores será mesmo, em definitivo, pago pela Casa de Ruy Barbosa. Para se ter uma idéia de quão atentatória revela-se essa deliberação às nossas leis, veja-se o que diz o artigo 121 do Código Tributário nacional:
"Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador."
Em outras palavras, o Senado, com esse "ato cooperativo", acaba de anunciar o cometimento de outro atentado, desta feita compreendendo o princípio que orienta a colaboração de todos no pagamento da gastança do Leviatã. Sem ter praticado fato gerador do Imposto de Renda, vai pagar com dinheiro público o imposto devido por 81 contribuintes cuja capacidade contributiva é notória. Como diz conhecido locutor, "isso é uma vergonha!"
Fiquemos hoje com Ruy:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."