Ouça este conteúdo
Pelo menos três propostas são discutidas para ajudar o governo federal a lidar com os precatórios no ano que vem. As dívidas que a Justiça mandou o governo federal pagar – após trânsito em todas as instâncias – saltaram de R$ 55,5 bilhões em 2021 para R$ 89,1 bilhões no ano que vem, um aumento de 60%.
As propostas envolvem os três Poderes: uma é de autoria do Executivo, outra vinha sendo negociada entre governo e Judiciário e a mais recente partiu do Legislativo.
Até o momento, a que mais tem chance de prosperar, na visão de alguns interlocutores, é a proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria do Executivo que prevê o parcelamento das dívidas em até dez anos, e que deve ser votada em outubro no Congresso.
Ouvido pela Gazeta do Povo, o deputado Darci de Matos (PSD-SC), relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, afirma que há maioria no Parlamento para a aprovação da proposta. Mas a medida ainda encontra resistências na Casa.
Por outro lado, uma solução que vinha sendo construída em conjunto pelo poder Judiciário e Executivo acabou esfriando após as declarações de Jair Bolsonaro (sem partido) durante as manifestações do 7 de Setembro.
Na semana passada surgiu uma nova alternativa: um deputado pôs no papel uma sugestão que começou a correr desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, começou a falar em "meteoro" dos precatórios: a retirada do pagamento dessas dívidas do teto de gastos.
Embora o Orçamento de 2022 que o governo enviou ao Congresso preveja o pagamento integral dos precatórios, interessa ao Executivo uma solução que libere ao menos parte desses recursos para outros gastos no ano eleitoral. O principal objetivo é fortalecer o Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda do governo, que na peça orçamentária aparece com verba ligeiramente menor que a do Bolsa Família.
Confira a seguir detalhes dessas propostas:
1. PEC de autoria do Executivo propõe dois modelos de parcelamento
A PEC n.º 23/2021, enviada pelo governo federal ao Congresso em agosto, prevê o parcelamento dos R$ 89,1 bilhões em dívidas da União.
Conforme a PEC, o governo teria duas regras para o parcelamento, uma chamada "temporária" e a outra, "permanente".
No primeiro caso, cuja vigência terminaria em 2029, há a previsão de parcelamento de dívidas cuja soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida (RCL) dos 12 meses anteriores. A PEC prevê o pagamento inicial de 15% do valor e o parcelamento do restante em nove anos.
A segunda regra, de caráter permanente, prevê o parcelamento de todo precatório que for superior a R$ 66 milhões. Da mesma forma que na regra temporária, 15% do valor seria pago à vista e o restante, em nove prestações. Ainda pela proposta, as sentenças consideradas de pequeno valor, de até R$ 66 mil, serão pagas na íntegra, sem parcelamento.
Ainda segundo o que define a PEC 23, um novo indexador seria utilizado para pagamento dos precatórios. Isso é, as dívidas seriam corrigidas exclusivamente pela taxa básica de juros (Selic). Atualmente, os débitos também podem ser atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 6% ao ano.
O governo também quer criar um fundo de liquidação de passivos, de propriedade exclusiva da União, para bancar os precatórios parcelados e dívidas ativas fora do teto de gastos. Isso consta do documento apresentado ao Congresso.
O fundo estará sujeito às regras de controle da administração pública. Também deve haver dentro do fundo uma espécie de "mecanismo de encontro de contas", em que será possível quitar ou negociar passivos entre União e estados.
Os recursos que vão compor a cesta, segundo o governo, devem vir da "alienação de imóveis da União, da alienação de participação societária de empresas, dividendos recebidos de empresas estatais deduzidas as despesas de empresas estatais dependentes, da outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo e da arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários".
2. Negociação via CNJ fixaria limite para o pagamento
Uma outra solução que vinha sendo costurada entre o Poder Judiciário e o Executivo perdeu força após as declarações do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações de 7 de Setembro.
Entre outras coisas, o presidente dirigiu críticas ao Supremo Tribunal Federal e principalmente ao ministro Alexandre de Moraes, e disse que cabe ao chefe do Judiciário – no caso, Luiz Fux, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – enquadrar o colega "ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".
A proposta sugerida ao CNJ pelo vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, previa limitar o pagamento de precatórios à mesma regra de correção usada no teto de gastos. Ou seja, a inflação medida pela correção do IPCA acumulada em 12 meses até junho.
Dessa forma, seriam quitados em 2022 apenas R$ 37,8 bilhões dos R$ 89,1 bilhões em precatórios emitidos para o ano. Nos anos seguintes, seriam somados ao "saldo devedor" parte dos novos precatórios emitidos, que também seriam parcelados.
3. Vice-presidente da Câmara sugere tirar precatórios do teto de gastos
Uma terceira alternativa que ganhou peso nos últimos dias foi sugerida pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM). Ele propõe, por meio de PEC, retirar a rubrica dos precatórios do teto de gastos – a regra que impede as despesas federais de crescer acima da inflação.
Ramos sugere a alteração do artigo 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para "retirar da base de cálculo e dos limites do Novo Regime Fiscal as despesas com pagamento de condenações judiciais".
Segundo o parlamentar, a natureza jurídica dos precatórios é a mesma dos repasses obrigatórios para estados e municípios e a mesma dos gastos com a Justiça Eleitoral. E, portanto, a despesa não deveria estar dentro da regra do teto.
"No caso das dívidas judiciais decorrentes de condenações do Judiciário, são obrigações cujo pagamento não está sujeito a qualquer ingerência do Executivo, ou do Congresso. Devem ser pagas aos credores que aguardam o recebimento e, por consequência, não deveriam estar sujeitas à regra do teto, que tem por objetivo nortear a melhor gestão, a gestão possível, dos custos da máquina", diz o vice-presidente da Câmara na justificativa da PEC.