Companhias aéreas e até representantes do governo estão preocupados com o decreto sobre porte de armas assinado há duas semanas pelo presidente Jair Bolsonaro. Eles entendem que o presidente pretende permitir o embarque de pessoas armadas a bordo de aeronaves comerciais, o que poderá levar companhias aéreas estrangeiras a cancelarem voos para o Brasil, aumentando os preços das passagens.
Técnicos do governo dizem que foram surpreendidos pelo decreto e que tentam encontrar uma saída para evitar o rebaixamento do Brasil na auditoria que será feita pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI ) na semana que vem. Na hipótese de isso ocorrer, mesmo que temporariamente, até que a questão fosse regulamentada, poderia haver cancelamentos de voos de empresas estrangeiras para o Brasil.
Na inspeção da entidade, serão analisados documentos e a aplicação das normas de segurança internacional nos aeroportos. Técnicos ouvidos pela reportagem disseram que a OACI pode emitir um alerta para os quase 200 estados-membros informando riscos eventualmente identificados.
Hoje, a nota do Brasil para "segurança contra atos de interferência ilícita" é de 97% e cabe à Anac definir todos os processos de segurança nos aeroportos.
O artigo 41 do decreto retira da agência esta competência, transferindo-a para os Ministérios da Defesa e da Justiça. A lei só passará a valer depois que as duas pastas regulamentarem o decreto definindo as regras de embarque de passageiros armados.
Será preciso mudar formas de fiscalização
Os ministérios vão estabelecer normas de segurança para controlar o embarque de pessoas armadas, regulamentar situações em que policiais federais, civis e militares, além de integrantes das Forças Armadas e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) poderão portar arma de fogo a bordo, além de estabelecer procedimentos de restrição e condução de armas por pessoas com porte.
Com esta mudança, os técnicos dizem acreditar que o Brasil sofrerá, inevitavelmente, um rebaixamento.
No ano passado, a Anac emitiu uma resolução que endureceu as regras para embarque de pessoas armadas. Até então, o embarque armado era permitido em razão da prerrogativa de função. Para policiais federais, por exemplo. Técnicos da agência ponderam que o texto foi baseado na regulamentação americana e canadense e que a revisão foi motivada pela necessidade de se adequar à regulação internacional.
As notas de segurança são um critério importante para a definição das rotas das companhias aéreas estrangeiras.
Um eventual rebaixamento do Brasil pode tornar o país inseguro, fazendo-o deixar de atender critérios de empresas internacionais. Esses protocolos são parecidos com o das regras de governança de bancos que não emprestaram dinheiro para empresas saudáveis, mas que se envolveram na operação Lava Jato.
Enquanto elas não se enquadraram aos padrões internacionais, não tiveram a torneira do crédito reaberta. Caso os voos sejam cancelados, os preços podem aumentar por causa do desequilíbrio entre oferta e demanda.
O presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), Eduardo Sanovicz, defende que, como previsto em lei, apenas a Anac tenha poderes para tratar de temas relacionados à segurança de voo.
"Na atual regra, transportamos por ano dezenas de milhares de armas trancadas em cofres a bordo, embarcadas e entregues atendendo demandas das forças de segurança", afirma Sanovicz. "Somos radicalmente contrários a qualquer alteração dessas regras porque elas estão alinhadas a práticas internacionais. Qualquer alteração que cause diferenças entre o Brasil e o resto do mundo são prejudiciais ao nosso mercado e à aviação".
Embarque armada é uma reivindicação de Eduardo Bolsonaro
A flexibilização para embarque armado é reivindicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente da República.
Em 2018, ele apresentou um projeto de lei que institui a possibilidade de embarque armado em aeronaves civis ao detentor de porte de arma de fogo. O projeto está na comissão de Segurança Pública da Câmara. Em vídeo publicado por ele em agosto do ano passado, antes da eleição do pai, Eduardo reclamou dos procedimentos adotados à época pela Anac para embarque de pessoas armadas.
"É uma aberração, algo feito por pessoas que não entendem nada de armas. E, se entendem, se são policiais metidos neste meio, [são] pessoas frouxas, que não têm a coragem de matar no peito para garantir aos seus colegas policiais o direito do embarque armado", disse o deputado no vídeo gravado no aeroporto Santos Dumont, no Rio.
"Juro que, em 2019, vou voltar todas as minhas forças com um novo governo, buscar um acesso ao novo ministro da Justiça, ao ministro da Defesa, quem sabe até ao presidente da República, para mudar esta realidade. Podem contar comigo porque eu vou encher o saco para a gente mudar esta cultura de covarde, de frouxo, de cordeiro que a gente tem aqui no Brasil", afirmou o parlamentar.
A Anac diz que ainda está analisando o decreto e não comenta o assunto. No entanto, representantes da agência têm procurado parlamentares para tentar reverter as alterações.
"Este artigo coloca o Brasil em uma lista negra do mercado da aviação internacional", diz o líder da Minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que já apresentou no Congresso um decreto legislativo para cancelar do decreto de Bolsonaro.
Pareceres emitidos por técnicos da Câmara e do Senado não mencionam este artigo, mas apontam que o decreto excede limites legais. Em outra frente, está no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da Rede.
O partido argumenta que o decreto do presidente é inconstitucional porque viola o princípio da separação dos Poderes, adentrando em escolhas reservadas ao Legislativo.
Na sexta-feira (10), a ministra Rosa Weber deu prazo de cinco dias para Bolsonaro e o ministro Sergio Moro (Justiça) apresentarem informações sobre o decreto das armas.
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