O Ministério da Defesa preparou um plano de negócios para tornar a Imbel – fabricante de matérias bélicos – uma estatal não dependente de recursos da União. A ação tem dois objetivos: retirar a empresa do Plano Nacional de Desestatização (PND), para evitar que ela seja privatizada; e retirá-la das amarras do teto de gastos, para que invista mais.
Mas, para dar vida ao plano, a pasta cobra a fatura do próprio governo: uma conta de R$ 1,106 bilhão, entre capitalização, nova rubrica orçamentária e acesso a recursos gerados pela empresa que estão na Conta Única do Tesouro.
Os documentos com os pedidos foram entregues ao Ministério da Economia neste mês e foram obtidos pela Gazeta do Povo com fontes a par do assunto.
Em ofício endereçado ao secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, o secretário-geral substituto do Ministério da Defesa, Franselmo Araújo Costa, diz que a pasta é favorável à iniciativa do Comando do Exército de passar a Imbel para situação de empresa pública não dependente da União.
"Este Ministério é favorável à proposta de transformação da Imbel em empresa estatal não dependente, nos moldes apresentados [no ‘Plano de negócios Imbel não dependente’], a fim de permitir melhores condições para cumprir seus objetivos estratégicos de alcançar sustentabilidade financeira e de contribuir para o fortalecimento da infraestrutura industrial de defesa", diz Costa em ofício datado de 15 de outubro.
Em troca, ele reforça a necessidade de retirada da Imbel do PND "em virtude da sua importância estratégica para as Forças Armadas e para a Base Industrial de Defesa brasileiras”. O governo já não cogitava privatizar a empresa, mas o Ministério da Defesa quer essa garantia retirando-a do PND. Somente podem ser privatizadas as estatais incluídas no plano.
O plano da Defesa para a Imbel
Para que a Imbel deixe de ser dependente de recursos da União, o Ministério da Defesa e o Comando do Exército pedem dinheiro para o próprio governo. Eles querem que a estatal seja capitalizada em R$ 586 milhões, divididos da seguinte forma:
- R$ 140 milhões para pagamento de passivos judiciais;
- R$ 240 milhões para cobrir as despesas fixas por dois anos e possíveis riscos operacionais;
- R$ 180 milhões para melhoria e atualização das fábricas; e
- R$ 26 milhões para pagamento de dividendos à União.
Além da capitalização, a Defesa afirma ser necessária a manutenção no Orçamento dos cerca de R$ 220 milhões que a União gasta em média, por ano, para manter a estatal. Para isso, sugere que seja criada a rubrica “Manutenção de Capacidade Estratégica da Imbel”, que hoje não existe no Orçamento. Essa rubrica seria obrigatória e executada pelo Exército, a quem a estatal está vinculada.
O terceiro pedido da Defesa é a autorização para que a estatal acesse os chamados Recursos Gerados pela Empresa (RGE), disponíveis na Conta Única do Tesouro, no valor de R$ 300 milhões. Atualmente, esses recursos ficam retidos na Conta Única, já que a Imbel é dependente da União.
Segundo o plano de negócios, a estatal só deixará de ser dependente caso o governo atenda a essas três solicitações. A Defesa alega que garantirá, num curto espaço de tempo, a sustentabilidade financeira da estatal, com incremento da oferta de produtos e das exportações.
O prazo seria de três anos, a partir da aplicação do plano. A previsão é que as receitas da empresa atinjam R$ 455 milhões no terceiro ano, com lucro estimado em R$ 40,1 milhões. Novas subvenções do Tesouro não seriam mais necessárias.
O plano acrescenta, ainda, que a União sairia ganhando, já que economizaria R$ 1,6 bilhão até 2026, dinheiro que o Tesouro teria que gastar com a estatal, segundo projeções do Comando do Exército e da própria Imbel.
“A situação de não dependência irá permitir atingir de forma efetiva a sustentabilidade financeira da Imbel, em curto espaço de tempo, com uma economia ao Tesouro Nacional de até R$ 1,6 bilhão e um incremento da oferta de Produtos de Defesa e Segurança, com impacto no fortalecimento da operacionalidade da Força Terrestre, em consequência da renúncia orçamentária mencionada anteriormente no contexto da citada proposição. Permitirá, ainda, maior agressividade comercial nos segmentos duais e de exportação”, diz o documento.
A manutenção da condição de dependência orçamentária, por outro lado, conduz a empresa à “situação de estagnação na produção e comercialização de produtos de defesa e segurança”, argumenta a Defesa.
Além de evitar privatização, Defesa quer mais investimentos na Imbel
Além de evitar a privatização, o Ministério da Defesa planeja que a estatal volte a investir. Por ser uma estatal dependente, o seu Orçamento é limitado, pois entra dentro da regra do teto de gastos, mecanismo que limita o crescimento das despesas da União à inflação.
Em artigo que acompanha o plano de negócios, o general de Exército Décio Luís Schons, presidente do Conselho de Administração da Imbel, faz críticas ao teto de gastos imposto à Imbel.
Segundo ele, a estatal vinha trilhando o caminho para passar à situação de não dependência de forma não traumática em 2026, mas que o teto limitou o Orçamento de tal forma que a empresa não consegue produzir. Ele alega que a estatal vem perdendo sua capacidade estratégica e que suas linhas de produção estão sendo depreciadas.
“A Emenda Constitucional Nº 95/2016, que limitou o teto dos gastos públicos, afetou os limites orçamentários destinados à produção e trouxe fatos novos e necessidade de providências que estão fora da alçada do Conselho de Administração da Imbel. Na situação atual, a empresa não consegue produzir, apesar de ter demanda e a despeito de ter numerário na conta única do Tesouro Nacional, pois lhe falta espaço orçamentário para adquirir insumos e pagar impostos”, escreve o general Schons.
O general também se manifestou contrário a privatização. “Privatizar a Imbel seria conduzir o Brasil a abster-se em definitivo de qualquer protagonismo na cena internacional, já que todos sabemos, segundo o ensinamento cristalino do Barão de Rio Branco, que mesmo a diplomacia mais eficiente não pode prescindir do respaldo proporcionado pelo poder militar”, escreve. “Não se pode esquecer que a Imbel foi criada a partir da renúncia do Exército Brasileiro a dispor de fábricas próprias em proveito do fortalecimento da Base Industrial de Defesa”, completa.
Caso a empresa vire não dependente, ela passará a ter gerência própria sobre seu orçamento. Também pode vir a ser capitalizada pelo governo, a depender das suas necessidades de investimento e disponibilidade orçamentária da União.
A capitalização de estatais não dependentes não entra da regra do teto de gastos. É uma exceção à regra, que foi criada lá atrás, em 2016, pelo Congresso Nacional. A Emgepron, estatal que produz navios, foi beneficiada por essa exceção no ano passado: ela recebeu R$ 7,6 bilhões para construir corvetas, tipo de navio usado pela Marinha.
Pedido será analisado pelo Ministério da Economia
O pedido do Ministério da Defesa e do Comando do Exército será analisado pelo Ministério da Economia. Uma fonte a par do assunto comentou que a equipe econômica ainda não tem uma posição oficial, pois os documentos começaram a tramitar neste mês na pasta, mas que já havia sido aberta uma linha de negociação para que a Imbel não fosse privatizada e deixasse de ser dependente.
Segundo dados do Tesouro Nacional e da Secretaria de Orçamento Federal, o governo gastou R$ 889 milhões para manter a Imbel entre 2014 e 2019. Neste ano, a previsão é gastar R$ 221,8 milhões.
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