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Ameaça virtual

Delegacias especializadas, lei defasada

"Há um monte de delegacias em que a viatura não tem nem gasolina. Imagina se eles têm treinamento para lidar com crimes eletrônicos." Wanderson Castilho, perito | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
"Há um monte de delegacias em que a viatura não tem nem gasolina. Imagina se eles têm treinamento para lidar com crimes eletrônicos." Wanderson Castilho, perito (Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo)

A pilha de processos e o vaivém de escrivães, policiais e delegados em nada diferem de uma de­­legacia comum. Mas é ali, nos fundos de um corredor no se­­gun­­do andar do prédio do De­­par­­tamento de Investigações so­­bre Crime Organizado, na zo­­na norte de São Paulo, que são so­­lucionados alguns dos maiores crimes em meios eletrônicos do estado. "A gente que está aqui só vê o lado ruim da internet", diz o investigador Álvaro Ribeiro.

Recentemente, uma mãe de­­nunciou que a filha de 15 anos era vítima de um pedófilo via MSN. A delegacia foi acionada, a mãe depôs, o inquérito foi instaurado e começou a investigação. Foi marcado um en­­contro com o suspeito, com oi­­to policiais de prontidão. Mas ele não foi.

Começava assim um cerco que ultrapassou a web – a polícia achou o perfil dele no Orkut (ele se exibia com uma arma na mão) e seu endereço. "Ficamos dois dias na porta da casa dele", conta Ribeiro. Enquanto a polícia cercava a casa, a mãe da garota se passava por ela no MSN pa­­ra falar com o criminoso. O objetivo era pegá-lo em flagrante – no meio do papo com a garota. Quando ele acessou o programa a mãe avisou os policiais e o suspeito foi preso.

Entre denúncia e prisão se pas­­sou um mês – prazo curto para a média da resolução dos processos por ali. "A maior dificuldade é a burocracia", reclama Ribeiro. É que para conseguir que provedores (como Google, Yahoo, Microsoft) en­­viem dados de usuários é preciso ordem judicial. "Há um atravanco burocrático. Crimes virtuais exigem resposta rápida", diz o advogado especializado em tecnologia da informação Omar Kaminski.

Na 4.ª Delegacia de Meios Ele­­­­trô­nicos, trabalham 20 in­­ves­­tigadores e cinco escrivães. No mês passado foram instaurados aproximadamente 50 in­­qué­­ritos. "Hoje, 70% dos crimes passam pela rede", diz Ri­­beiro. A maioria das queixas pode ser resolvida sem inquérito. "O que vem de louco aqui, vo­­cê não tem ideia", diz o in­­vestigador. Um dia apareceu uma pessoa dizendo que um chip havia sido implantado ne­­la para espioná-la. Outras li­­gam para reclamar que o computador pifou. Casos de pedofilia são prioritários, mas não são maioria – estelionato e crimes contra a honra formam a maior parte das queixas.

O país tem hoje 11 delegacias especializadas em crimes eletrônicos. Embora a vítima possa ir a delegacias comuns, nelas encontrará policiais treinados para esse tipo de caso. Mas por causa da demora e da escassez de especialistas, muitas pessoas optam pela via particular. "Além da falta de servidores especializados, há uma extrema morosidade. Esses ca­­sos exigem resposta rápida. A qualquer momento o criminoso pode tirar o conteúdo do ar, migrar de plataforma. Uma que­­bra que demoraria dois anos numa delegacia leva 15 dias em um procedimento particular", diz José Antônio Mila­gre, perito e advogado especialista em direito digital.

"Há um monte de delegacias em que a viatura não tem nem ga­­solina. Imagina se eles têm treinamento para lidar com crimes eletrônicos", diz o perito Wanderson Castilho, autor do livro Manual do Detetive Vir­tual. O trabalho desses detetives é descobrir – com técnicas como rastreamento de IPs e quebra de senhas – a autoria de um crime. Eles também dependem de autorização judicial – se a vítima tiver advogado, é ainda mais ligeiro.

Antigo

Todo o trabalho é feito baseado no Código Penal, da década de 1940. A polícia reclama do vazio legislativo e pede que a lei au­­mente o poder dos delegados. "De repente está todo mundo doido para pegar um pedófilo, mas aí tem que encaminhar um ofício e demoramos três meses para chegar nele", diz Antonio Lambert, o titular da 4.ª Dele­ga­cia de Meios Eletrônicos.

A Lei 9.296, que determina a interceptação telefônica, diz que não pode haver quebra de sigilo em casos de crimes contra a honra e dano, por exemplo. Mas o PL 84/99, a Lei Azeredo, em discussão na Câmara e com previsão de ser votado no dia 10 de agosto, pode mudar isso. "Temo pela re­­lativização dos mecanismos de identificação dos usuários, onde a privacidade passe a ser a exceção e não a regra", diz Kaminski. "O criminoso digital é levado a praticar o crime não só pela falsa sensação de anonimato, mas porque sabe que a lei é defasada", diz Milagre. "É preciso um ama­­durecimento para que a ideia de terra sem lei seja deixada de la­­do", diz Kaminski.

Serviço:

O Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber) de Curitiba fica na Rua José Loureiro, 376, 1º an­­dar, sala 1. As denúncias precisam ser feitas pessoalmente e o horário de atendimento é das 8h30 às 12 h e das 13h30 às 18 h. Informações pelos telefones (41) 3323 9448, 3322-2545 e 3232-5865 ou pelo e-mail cibercrimes@pc.pr.gov.br.

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