A pilha de processos e o vaivém de escrivães, policiais e delegados em nada diferem de uma delegacia comum. Mas é ali, nos fundos de um corredor no segundo andar do prédio do Departamento de Investigações sobre Crime Organizado, na zona norte de São Paulo, que são solucionados alguns dos maiores crimes em meios eletrônicos do estado. "A gente que está aqui só vê o lado ruim da internet", diz o investigador Álvaro Ribeiro.
Recentemente, uma mãe denunciou que a filha de 15 anos era vítima de um pedófilo via MSN. A delegacia foi acionada, a mãe depôs, o inquérito foi instaurado e começou a investigação. Foi marcado um encontro com o suspeito, com oito policiais de prontidão. Mas ele não foi.
Começava assim um cerco que ultrapassou a web a polícia achou o perfil dele no Orkut (ele se exibia com uma arma na mão) e seu endereço. "Ficamos dois dias na porta da casa dele", conta Ribeiro. Enquanto a polícia cercava a casa, a mãe da garota se passava por ela no MSN para falar com o criminoso. O objetivo era pegá-lo em flagrante no meio do papo com a garota. Quando ele acessou o programa a mãe avisou os policiais e o suspeito foi preso.
Entre denúncia e prisão se passou um mês prazo curto para a média da resolução dos processos por ali. "A maior dificuldade é a burocracia", reclama Ribeiro. É que para conseguir que provedores (como Google, Yahoo, Microsoft) enviem dados de usuários é preciso ordem judicial. "Há um atravanco burocrático. Crimes virtuais exigem resposta rápida", diz o advogado especializado em tecnologia da informação Omar Kaminski.
Na 4.ª Delegacia de Meios Eletrônicos, trabalham 20 investigadores e cinco escrivães. No mês passado foram instaurados aproximadamente 50 inquéritos. "Hoje, 70% dos crimes passam pela rede", diz Ribeiro. A maioria das queixas pode ser resolvida sem inquérito. "O que vem de louco aqui, você não tem ideia", diz o investigador. Um dia apareceu uma pessoa dizendo que um chip havia sido implantado nela para espioná-la. Outras ligam para reclamar que o computador pifou. Casos de pedofilia são prioritários, mas não são maioria estelionato e crimes contra a honra formam a maior parte das queixas.
O país tem hoje 11 delegacias especializadas em crimes eletrônicos. Embora a vítima possa ir a delegacias comuns, nelas encontrará policiais treinados para esse tipo de caso. Mas por causa da demora e da escassez de especialistas, muitas pessoas optam pela via particular. "Além da falta de servidores especializados, há uma extrema morosidade. Esses casos exigem resposta rápida. A qualquer momento o criminoso pode tirar o conteúdo do ar, migrar de plataforma. Uma quebra que demoraria dois anos numa delegacia leva 15 dias em um procedimento particular", diz José Antônio Milagre, perito e advogado especialista em direito digital.
"Há um monte de delegacias em que a viatura não tem nem gasolina. Imagina se eles têm treinamento para lidar com crimes eletrônicos", diz o perito Wanderson Castilho, autor do livro Manual do Detetive Virtual. O trabalho desses detetives é descobrir com técnicas como rastreamento de IPs e quebra de senhas a autoria de um crime. Eles também dependem de autorização judicial se a vítima tiver advogado, é ainda mais ligeiro.
Antigo
Todo o trabalho é feito baseado no Código Penal, da década de 1940. A polícia reclama do vazio legislativo e pede que a lei aumente o poder dos delegados. "De repente está todo mundo doido para pegar um pedófilo, mas aí tem que encaminhar um ofício e demoramos três meses para chegar nele", diz Antonio Lambert, o titular da 4.ª Delegacia de Meios Eletrônicos.
A Lei 9.296, que determina a interceptação telefônica, diz que não pode haver quebra de sigilo em casos de crimes contra a honra e dano, por exemplo. Mas o PL 84/99, a Lei Azeredo, em discussão na Câmara e com previsão de ser votado no dia 10 de agosto, pode mudar isso. "Temo pela relativização dos mecanismos de identificação dos usuários, onde a privacidade passe a ser a exceção e não a regra", diz Kaminski. "O criminoso digital é levado a praticar o crime não só pela falsa sensação de anonimato, mas porque sabe que a lei é defasada", diz Milagre. "É preciso um amadurecimento para que a ideia de terra sem lei seja deixada de lado", diz Kaminski.
Serviço:
O Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber) de Curitiba fica na Rua José Loureiro, 376, 1º andar, sala 1. As denúncias precisam ser feitas pessoalmente e o horário de atendimento é das 8h30 às 12 h e das 13h30 às 18 h. Informações pelos telefones (41) 3323 9448, 3322-2545 e 3232-5865 ou pelo e-mail cibercrimes@pc.pr.gov.br.
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