A recente alta do dólar beneficia a indústria nacional e dá sobrevida à economia brasileira, ao levar à troca de produtos importados por locais, mas o crescimento adiante depende do sucesso dos leilões de infraestrutura no país, avalia o economista e ex-ministro Antonio Delfim Netto. "A indústria está murcha e é o único setor onde você ainda tem, talvez, recursos para expandir um pouco a produção, porque você durante anos substituiu a produção industrial por importações", disse Delfim nesta segunda-feira (15).
Ele acredita que o dólar mais forte --a divisa norte-americana acumula alta acima de 13 por cento sobre o real desde maio-- não vai ter grande efeito sobre as exportações, já que a renda do mundo está caindo ou estagnada. Mas é possível esperar substituição de importados, "o que daria um certo alento para o crescimento industrial e se reproduziria nos outros setores".
A balança comercial brasileira acumula déficit de 3,5 bilhões de dólares no ano até a segunda semana de julho, ante superávit de 7,8 bilhões de dólares no mesmo período do ano passado. O rombo se deve ao aumento de 8,5% nas importações, enquanto as exportações recuaram 0,9% no mesmo período. "Você tem que começar a pôr fogo na fogueira, daí você tem uma coisa imediata, digamos em seis meses. Agora, o grosso do investimento só vai acontecer se os leilões de concessões forem um sucesso", afirmou Delfim, um conselheiro próximo da presidente Dilma Rousseff.
O governo federal aposta numa série de licitações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos para acelerar a economia, em projetos com investimentos totais de mais de 200 bilhões de reais. Para Delfim, o governo peca ao querer fixar a qualidade dos projetos de logística e também a taxa de retorno dos investidores privados nesses leilões. "Leilão não é coisa para amador, é coisa para profissional. Eu acho que o governo ainda continua com um certo amadorismo nesse sistema", disse, acrescentando que o governo "está aprendendo" sobre o assunto.
Apesar disso, Delfim está "relativamente" otimista com a situação atual do Brasil. Ele estima que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá entre 2 e 2,5 por cento neste ano e, dependendo do resultado dos leilões de concessões, de 3 a 3,5 por cento em 2014. "Se tivermos sucesso nos leilões, é óbvio que vai melhorar (a atividade econômica) e melhorar muito mais depressa do que parece. O mundo também vai melhorar, e o Brasil é parte do mundo", destacou, citando progresso nos Estados Unidos e estagnação da crise na Europa.
No longo prazo, Delfim avalia que uma expansão do Brasil de 4 a 5 por cento ao ano seja possível.
Política fiscal
Crítico à atual política fiscal do governo, Delfim defende mais transparência e clareza nos objetivos que estão sendo perseguidos. Para ele, seria importante olhar com mais atenção para a dívida bruta, já que há tantos "detalhes na dívida líquida que ela não significa mais nada".
Segundo dados do Banco Central, a dívida bruta do país fechou maio a 59,61 por cento do PIB, depois de iniciar 2011 na casa de 54 por cento. "O Brasil não tem mais grau de liberdade na política fiscal", afirmou o ex-ministro.
Para ele, em três ou quatro anos o país poderia ir em busca do déficit nominal --receitas menos despesas, incluindo pagamento de juros-- zero. "Não que vá continuar com déficit fiscal zero a vida inteira, mas eu fixo um horizonte no qual eu devolvo clareza e transparência para readquirir confiança."
Para Delfim, tanto o mercado quanto o atual governo "se ignoram", deixando claro que há divergências entre as partes. Mas ele acredita que Dilma tem credibilidade e defende que ela faça ajustes fiscais, independentemente do cenário eleitoral do próximo ano. "Essa ideia de que você precisa fazer uma bobagem fiscal para se reeleger não é verdade."
Inflação
Para Delfim, o quadro fiscal expansionista tornou ainda mais penoso o trabalho do BC para domar a inflação. Ele avalia que o presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini, fará tudo --inclusive retornar a taxa básica de juro aos dois dígitos, se necessário-- para trazer as expectativas de inflação de volta para o centro da meta, de 4,5 por cento pelo IPCA. "Tenho maior respeito pelo Tombini. Tombini é um profissional de altíssima qualidade que durante dois anos e meio, na verdade, submeteu-se a uma espécie de dominação fiscal... Eu acho que ele decidiu o seguinte: eu não tenho nenhuma ajuda do setor fiscal, portanto vou cumprir a minha missão", afirmou o ex-ministro, para quem a inflação neste momento já é inercial.
"O incômodo do mercado com a inflação é muito curioso. A inflação está namorando com o teto há sete ou oito anos. Por que ninguém reclamava? Porque a taxa de juros real era de 10 por cento e hoje ela é de 1,5 por cento. Ganhar a vida honestamente é muito mais difícil", provocou.
Em meio a especulações no mercado sobre alterações na equipe econômica de Dilma diante do fraco crescimento, Delfim defende sua manutenção. "A situação é delicada não só aqui, mas no mundo... Há um ajuste geral. Todos os emergentes estão reduzindo seu crescimento, e o Brasil é parte desse processo com algumas características próprias", afirmou.
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