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Delírios de grandeza

O então presidente Lula na Repar, em 2006, ao anunciar o HBio, uma variante do biodiesel | Valterci Santos / Arquivo / Gazeta do Povo
O então presidente Lula na Repar, em 2006, ao anunciar o HBio, uma variante do biodiesel (Foto: Valterci Santos / Arquivo / Gazeta do Povo)

Um país autossuficiente em petróleo, maior produtor e exportador de combustíveis renováveis. Que fabrica aparelhos de última geração em uma "cidade inteligente" com 100 mil empregados, entre eles 20 mil engenheiros. E dono de um moderno sistema de transportes, simbolizado pelo trem de alta velocidade que liga seus dois maiores centros urbanos. Este seria o Brasil de 2014 se uma série de anúncios que o governo fez ao longo dos últimos dez anos tivesse se tornado realidade.

As promessas tinham em comum a intenção de afirmar a todo custo o protagonismo econômico do país. Algumas não tinham qualquer base na realidade. Outras até tinham fundamento, mas depois se mostraram inviáveis ou, pior, foram prejudicadas por erros e omissões do próprio governo.

"É papel do governo fomentar uma agenda positiva, que dê confiança ao investidor, e também é papel dele fazer os investimentos de base. Mas essas duas agendas acabam atravessadas pela agenda política. Temos eleições a cada dois anos e é nesse contexto que surge esse tipo de promessa", diz o doutor em Economia Alivínio Almeida, professor convidado do Isae/FGV.

Combustíveis

O etanol e o biodiesel – que dominaram os discursos do então presidente Lula a partir de 2004 – são exemplos de projetos que desandaram, em parte, por culpa da política econômica. Durante anos o presidente, feito um embaixador do combustível de cana, rodou o mundo tentando transformar o álcool em commodity e colocar o Brasil na liderança global das alternativas ao petróleo.

Mas, além de não conseguir acordos consistentes, mais tarde o Planalto minou a competitividade do etanol ao congelar os preços da gasolina – o que, de quebra, abreviou a frágil autossuficiência brasileira em petróleo.

A preocupação com a inflação também atrasou o programa do biodiesel. O governo demorou a elevar a mistura obrigatória do combustível vegetal – mais caro – ao óleo diesel, o que fez com que as 61 usinas do país operem hoje com ociosidade de mais de 60%. Frustração ainda maior é que, em vez de usar a mamona e outras culturas mais apropriadas à agricultura familiar, que se mostraram inviáveis, a indústria do biodiesel adotou a soja como principal matéria-prima, limitando o alcance social do programa.

Tecnologia

Mais ligados ao universo da ficção foram os anúncios da construção de uma fábrica japonesa de semicondutores (chips) ao custo de pelo menos US$ 500 milhões, feito em 2006, e de um investimento de US$ 12 bilhões da chinesa Foxconn para produzir telas de LCD e aparelhos da Apple em um megacomplexo industrial, em 2011. Em ambos os casos, autoridades divulgaram os projetos sem que os empresários tivessem assumido qualquer compromisso. "O governo por vezes age movido pela emoção, por anúncios de impacto, sem que haja um plano estratégico por trás", avalia o economista Newton Marques, da Universidade de Brasília.

Para Cláudio Shikida, professor e pesquisador de Economia do Ibmec-MG, frustrações desse tipo costumam resultar da má-fé ou mesmo da ingenuidade do gestor público, que por vezes superestima a capacidade de execução do governo e a relevância de projetos pontuais. "Um dia alguém tirou da cabeça que era fundamental termos uma fábrica de tablets. Para desenvolver o país, é preciso muito mais um trabalho de base, que passe pela educação, pela infraestrutura e pelo aprimoramento do sistema judiciário", diz.

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