País precisa abandonar o trem-bala, diz economista
Em 2009, quando ainda era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff avisou que o governo pretendia inaugurar o trecho do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro antes da Copa do Mundo. O Mundial termina neste domingo, mas o governo não conseguiu nem sequer licitar o projeto.
A estimativa de custos, inicialmente de R$ 18 bilhões, havia saltado para R$ 35,6 bilhões ainda em 2008 valor que, corrigido pela inflação, corresponde hoje a mais de R$ 50 bilhões. É mais do que tudo o que foi investido em ferrovias e aeroportos nos últimos 15 anos.
Autor de um estudo sobre o trem-bala, o economista Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, defende que o projeto seja esquecido. Para ele, trata-se de um caso clássico de investimento de baixa prioridade: pretende transportar passageiros de alta renda entre centros urbanos que já são atendidos por aeroportos e rodovias, quando o mais importante seria atacar os gargalos do transporte de cargas.
Segundo Mendes, os custos do trem-bala foram subestimados e os benefícios, superestimados. A participação do Tesouro e o risco financeiro do BNDES serão muito elevados, e a obra vai drenar recursos que poderiam ser investidos em outras áreas e projetos.
"O Brasil tem baixíssima capacidade de fazer e selecionar projetos. Ao mesmo tempo, certos empreendimentos geram muita renda e retorno político para alguns grupos. Se há escassez de projetos e incapacidade para analisá-los, quando aparece uma proposta como a do trem-bala, com custo subestimado e benefício superestimado, e ainda com um lobby a seu favor, é grande a chance de que ela prospere nas esferas de decisão do governo", diz Mendes.
"O programa que eu mais gosto é o do biodiesel da mamona. Vai ter um dia que estaremos vendendo o biodiesel da mamona para o mundo."
Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente, em dezembro de 2005.
"O Brasil será a maior potência energética da Terra. Conseguimos a autossuficiência de petróleo, em dois anos produziremos a maior parte do gás que consumimos e somos os mais competitivos na produção de etanol e biodiesel."
Lula, em maio de 2006, em entrevista ao francês Le Monde.
"Nós queremos ter, neste país, a capacidade de termos um parque de semicondutores para que a gente possa, através da microeletrônica, nos transformar numa nação tão importante quanto eles [os japoneses] já são."
Lula, em abril de 2006, sobre a fábrica de semicondutores negociada com o Japão.
"Pretendemos ter os trens em funcionamento em 2014, para a Copa do Mundo, até porque essa é uma região muito importante em termos de movimentação na Copa."
Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, sobre o trem-bala, em 2009.
Um país autossuficiente em petróleo, maior produtor e exportador de combustíveis renováveis. Que fabrica aparelhos de última geração em uma "cidade inteligente" com 100 mil empregados, entre eles 20 mil engenheiros. E dono de um moderno sistema de transportes, simbolizado pelo trem de alta velocidade que liga seus dois maiores centros urbanos. Este seria o Brasil de 2014 se uma série de anúncios que o governo fez ao longo dos últimos dez anos tivesse se tornado realidade.
INFOGRÁFICO: Confira o destino de seis anúncios feitos pelo governo ao longo dos últimos dez anos
As promessas tinham em comum a intenção de afirmar a todo custo o protagonismo econômico do país. Algumas não tinham qualquer base na realidade. Outras até tinham fundamento, mas depois se mostraram inviáveis ou, pior, foram prejudicadas por erros e omissões do próprio governo.
"É papel do governo fomentar uma agenda positiva, que dê confiança ao investidor, e também é papel dele fazer os investimentos de base. Mas essas duas agendas acabam atravessadas pela agenda política. Temos eleições a cada dois anos e é nesse contexto que surge esse tipo de promessa", diz o doutor em Economia Alivínio Almeida, professor convidado do Isae/FGV.
Combustíveis
O etanol e o biodiesel que dominaram os discursos do então presidente Lula a partir de 2004 são exemplos de projetos que desandaram, em parte, por culpa da política econômica. Durante anos o presidente, feito um embaixador do combustível de cana, rodou o mundo tentando transformar o álcool em commodity e colocar o Brasil na liderança global das alternativas ao petróleo.
Mas, além de não conseguir acordos consistentes, mais tarde o Planalto minou a competitividade do etanol ao congelar os preços da gasolina o que, de quebra, abreviou a frágil autossuficiência brasileira em petróleo.
A preocupação com a inflação também atrasou o programa do biodiesel. O governo demorou a elevar a mistura obrigatória do combustível vegetal mais caro ao óleo diesel, o que fez com que as 61 usinas do país operem hoje com ociosidade de mais de 60%. Frustração ainda maior é que, em vez de usar a mamona e outras culturas mais apropriadas à agricultura familiar, que se mostraram inviáveis, a indústria do biodiesel adotou a soja como principal matéria-prima, limitando o alcance social do programa.
Tecnologia
Mais ligados ao universo da ficção foram os anúncios da construção de uma fábrica japonesa de semicondutores (chips) ao custo de pelo menos US$ 500 milhões, feito em 2006, e de um investimento de US$ 12 bilhões da chinesa Foxconn para produzir telas de LCD e aparelhos da Apple em um megacomplexo industrial, em 2011. Em ambos os casos, autoridades divulgaram os projetos sem que os empresários tivessem assumido qualquer compromisso. "O governo por vezes age movido pela emoção, por anúncios de impacto, sem que haja um plano estratégico por trás", avalia o economista Newton Marques, da Universidade de Brasília.
Para Cláudio Shikida, professor e pesquisador de Economia do Ibmec-MG, frustrações desse tipo costumam resultar da má-fé ou mesmo da ingenuidade do gestor público, que por vezes superestima a capacidade de execução do governo e a relevância de projetos pontuais. "Um dia alguém tirou da cabeça que era fundamental termos uma fábrica de tablets. Para desenvolver o país, é preciso muito mais um trabalho de base, que passe pela educação, pela infraestrutura e pelo aprimoramento do sistema judiciário", diz.
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