Grandes empresas no Brasil estão demitindo funcionários por causa do pessimismo com a economia, incluindo varejistas e montadoras de veículos, em um desafio para a campanha de Dilma Rousseff à reeleição. As demissões não são novidade na indústria. Desde o ano passado, postos de trabalho têm sido cortados em vários setores, desde o têxtil até a siderurgia, por causa do fraco crescimento econômico, da inflação alta e do dólar baixo.
Mas agora as demissões já alcançam setores como o comércio, construção e indústria de alimentos, que estiveram entre os maiores geradores de emprego ao longo da década passada e são menos expostos à economia internacional.
O varejo, sozinho, perdeu mais de 78 mil empregos em termos líquidos nos sete primeiros meses do ano. Nos três anos anteriores, gerou-se em média 41 mil empregos no mesmo período, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado pelo Ministério do Trabalho. As montadoras de veículos, que estiveram entre as que mais ganharam com o forte crescimento do Brasil na década passada, também têm demitido milhares com a queda da produção.
Evandro Dias, de 27 anos, é um dos que perdeu o emprego nas últimas semanas. Ele trabalhava em uma loja de eletrônicos. "As vendas antes da Copa foram ruins, mas todo mundo esperava uma melhora. Só que ficou pior ainda. Por isso estou aqui", disse Dias enquanto homologava sua demissão em um sindicato de São Paulo.
De todo modo, o emprego ainda é a grande força da economia brasileira. O mercado de trabalho escapou das crises globais recentes e gerou mais de 15 milhões de vagas desde 2004, a maioria das quais continua intacta. A taxa de desemprego também continua perto das mínimas histórias, em torno de 5%, fato que é alardeado com frequência pela campanha de Dilma.
Mas, a cada dia, esses números representam mais o passado e menos a situação atual da economia. Em julho, por exemplo, o Brasil gerou menos de 12 mil postos de trabalho ao todo, o pior desempenho para o mês em 15 anos, segundo o Caged. O número insuficiente para absorver o crescimento da população mostra que, ao longo do tempo, isso significa que a taxa de desemprego deve voltar a subir.
Por ora, grandes empresas têm evitado demissões em massa. Mas elas já vem cortando algumas centenas de postos por vez ou deixando vagas ociosas, o que, aos poucos, pode contaminar a confiança do eleitorado e o debate político. "Esse tipo de informação, se chegar ao eleitor, pode criar uma apreensão em relação ao que vai acontecer com o mercado de trabalho daqui para frente", disse o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. "A probabilidade de que notícias ruins sobre emprego pipoquem no noticiário é relativamente alta. Não dá para fazer nenhuma injeção de recursos para evitar isso em dois meses."
Vendas em queda
As demissões têm se espalhado entre grandes empresas do Brasil. A rede varejista Grupo Pão de Açúcar (GPA), maior empregadora do país no setor privado, eliminou cerca de 3 mil postos entre abril e junho, maior corte trimestral em mais de 15 anos, segundo uma análise da Reuters. O GPA encerrou as atividades 24 horas nos supermercados em abril e tem fechado lojas de eletrodomésticos desde a fusão que criou a Via Varejo. Executivos da GPA afirmaram que os funcionários das lojas que sofreram cortes receberam ofertas em outros locais.
O presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da central sindical União Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patah, afirmou que a situação só não é pior porque os donos de lojas ainda aguardam as festas de fim de ano. Mas no primeiro teste do comércio após a Copa, as vendas de Dia dos Pais caíram pela primeira vez em cinco anos. "Se a situação grave que estamos vivenciando nesse ano se aprofundar, janeiro vai ser o mês das dispensas mais numerosas da história do nosso comércio", disse.
Mãos de tesoura
Abilio Diniz, ex-chairman do grupo GPA, também promoveu cortes na empresa em que agora ocupa a presidência do Conselho de Administração, a BRF, maior exportadora mundial de aves. A tarefa foi cumprida pelo presidente-executivo da empresa, Claudio Galeazzi, apelidado de "Mãos de Tesoura" pelas demissões que já fizera em empresas como a varejista Lojas Americanas e a fabricante de cerâmicas Cecrisa.
Como parte do plano para modernizar operações e aumentar a produção no exterior, a BRF reportou R$ 73 milhões em custos de rescisões no segundo trimestre relacionados a "ajustes no quadro de funcionários". A BRF se recusou a detalhar os cortes. Galeazzi disse este mês que planeja entregar o cargo em dezembro próximo.
A construção civil, que gerou cerca de 200 mil empregos ao ano, em média, nos últimos três anos, só criou 18 mil vagas nos últimos 12 meses. Empreiteiras e construtoras diminuíram o número de novos projetos diante da baixa procura. A situação nesse setor é pior na Bahia e em Pernambuco, onde as empresas já cortaram mais de 14 mil postos neste ano.
O lançamento de novos projetos imobiliários no Brasil, importante indicador antecedente de empregos na área, caiu 25 por cento no segundo trimestre entre as construtoras e incorporadoras listadas na Bovespa em relação a um ano atrás, de acordo com analistas do JPMorgan. "Não há nenhuma previsão nos próximos seis meses, ou até o fim do ano, de melhora na contratação de empregados pela construção", disse o economista Danilo Garcia, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que realiza um levantamento mensal do setor.
As concessões públicas de portos, rodovias e ferrovias, grande aposta de Dilma para uma recuperação da economia, não conseguiram compensar o enfraquecimento do mercado imobiliário até agora, segundo Garcia.
Ameaça aos sindicatos
Mesmo nos setores aos quais Dilma tem oferecido subsídios há anos, a maré está mudando no pior momento possível. As montadoras de veículos, que representam um quinto da produção industrial brasileira, vêm se beneficiando de cortes de impostos e crédito mais barato com Dilma, mas reduziram sua mão de obra em quase 5 por cento de janeiro a julho, diante do encolhimento da demanda doméstica e queda das exportações.
Empresas como Volkswagen e Peugeot Citroen têm reduzido a produção de carros com férias coletivas e programas de demissão voluntária. Mas nem todos os trabalhadores estão partindo em silêncio.
Um sindicato de metalúrgicos bateu de frente com a General Motors, que pretende suspender temporariamente o contrato de quase 1 mil empregados de uma fábrica em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A GM prometeu não demitir os funcionários durante 10 meses, mas o sindicato afirma que o plano é eliminar vagas.
Segundo a GM, a medida visa ajustar os níveis de produção à queda na demanda por parte dos consumidores brasileiros. "Apesar de todos os incentivos, a presidenta Dilma não teve a coragem de proteger nossos empregos", disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, Antônio Ferreira de Barros.
Quando anunciou a prorrogação dos benefícios para a indústria automotiva em junho, o governo federal disse que as empresas concordaram em evitar demissões em massa. Mas Barros afirmou que o acordo verbal não evitou os cortes. "Se a empresa não desistir, estamos preparando passeatas, greve, protestos em Brasília. Vamos seguir a campanha dela (Dilma) até qualquer canto do país para chamar atenção", disse o sindicalista.
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