Márcio Kumruian, no centro da foto, no dia de estreia da Netshoes na Bolsa de Nova York, em abril de 2017.| Foto: Divulgação/

Prestes a completar um ano e meio desde sua abertura de capital na Bolsa de Nova York, a Netshoes passa por um momento crítico. A varejista online de artigos esportivos tem visto suas ações e valor de mercado despencarem . Por isso, contratou o banco de investimento Goldman Sachs para achar um novo sócio ou comprador, segundo informações da agência de notícias Reuters. Entre os interessados pela Netshoes, estariam Lojas Americanas, Centauro e Mercado Livre e a gestora de private equity Advent, que comprou 80% da operação do Walmart no Brasil, em junho deste ano.

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A Advent parece ser a melhor alternativa, na avaliação da consultora Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores e especialista em varejo. “Além da participação importante no Walmart, a gestora tem demonstrado apetite em investimento no Brasil podem ter um poder de convencimento maior junto ao Márcio Kumruian”, aponta.

Kumruian é o fundador da empresa e detém 12,2% das ações. O empresário está resistindo a vender sua participação e a sair da empresa, segundo apuração do jornal Valor Econômico. O jornal também informa que as conversas com os interessados ainda estão em fase preliminar, sem propostas confirmadas. O Goldman Sachs ainda está procurando outros potenciais investidores.

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Em paralelo, a Netshoes anunciou a criação de um comitê executivo com Kumruian e dois conselheiros, Frederico Brito e Abreu, ex-CFO da Kroton, e Ricardo Knoepfelmacher, CEO da RK Partners, consultoria especializada em reestruturações. As decisões passam, então, a ser tomada em trio.

Uma saída para a Netshoes seria fazer o mesmo movimento da fabricante de computador Dell, em 2013: aproveitar que o mercado jogou as ações para baixo para encontrar um fundo interessado em comprar todas as ações. E, então, fechar o capital. Douglas Carvalho, sócio-fundador da consultoria especializada em fusões e aquisições Target Advisor, vê esta como a melhor opção. “Assim, compra mais barato uma participação relevante. A dificuldade é convencer um fundo de investimento que, mesmo comprando baratinho, a empresa ainda tem solução”, pondera.

A operação da companhia no México já foi vendida para o Grupo Sierra Capital e, segundo a revista Exame, existem estudos para venda dos negócios da Argentina e da Zattini, braço de moda da companhia.

Procurada, a Netshoes informou que não comenta especulações e rumores do mercado.

Queda livre

Desde o início do ano, as ações da empresa já caíram mais de 70%. Em 2 de janeiro, elas valiam US$ 8,64; já na última sexta-feira (21), as ações ficaram em US$ 2,41. Quando fez a IPO, em abril de 2017, os papéis foram vendidos em um valor fixo de US$ 18. Um mês depois, em maio, chegaram a passar dos US$ 26. O valor de mercado da Netshoes já chegou a US$ 559 milhões de dólares e, agora, o valor estimado da empresa é de cerca de US$ 74 milhões de dólares. Uma redução de 87%.

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No semestre, a varejista registrou prejuízo de R$ 98,4 milhões – em 2017, no mesmo período, a perda foi de R$ 72,9 milhões –, e as vendas diminuíram 1%. Na apresentação dos resultados do segundo trimestre aos acionistas, no início de agosto, a empresa informou que os resultados do período foram afetados pela greve dos caminhoneiros e por um inverno mais quente, impactando especialmente nas vendas do braço da Zattini.

Mudanças na contabilidade

A saúde financeira da companhia tem sido mais fortemente questionada desde uma mudança importante feita na contabilidade da empresa, em dezembro de 2017, em relação às compras parceladas – modalidade de compra, vale lembrar, tipicamente brasileira. Até então, a empresa antecipava com os bancos contas parceladas no cartão de crédito e o dinheiro ia para o caixa como receita, em troca de um custo maior com a despesa financeira. A empresa entendeu que não valia a pena ter esta despesa e cortou boa parte da antecipação, o que gerou um impacto negativo no caixa, diminuindo de R$ 396 milhões para R$ 60,7 milhões no primeiro trimestre de 2018.

No segundo trimestre, a empresa conseguiu aumentar sua posição de caixa para R$ 75,3 milhões, após uma série de medidas que concluíram o processo de reestruturação da dívida. No primeiro semestre de 2017, pagou R$ 52,987 milhões em empréstimos e debêntures e já em 2018, pagou empréstimos bancários e debêntures de R$ 66,9 milhões, e conseguiu baixar a dívida em 28,3%, para R$ 128,7 milhões no fim de junho. A empresa também renegociou contratos de empréstimo com o Banco do Brasil e com o Bradesco e conseguiu alongar seus prazos com os dois bancos, de 2020, para 2021. Já em agosto, a empresa renegociou outro contrato de debêntures, com valor principal de R$ 66,1 milhões.

Desde seu surgimento, no ano 2000, a Netshoes nunca operou no azul. Mas, segundo consultores, isso não é incomum no segmento. O mercado costuma apostar em operações que não dão lucro, mas possuem potencial, como é visto, por exemplo, nas startups atuais. “Mas do mesmo jeito que sabem o momento de investir, sabem o de sair”, ressalva Tozzi.

A entrada na bolsa americana, em vez da brasileira, também pode ser justificada pelo perfil dos compradores de ações estrangeiros. Segundo Carvalho, por lá estão mais acostumados com empresas de e-commerce e entendem que elas possuem um tempo de maturação maior. “Porém, quando o investidor americano percebe que está no vermelho, se a empresa não entrega os números, todos saem em busca de vender suas ações, e vendem com facilidade. Por isso o valor despencou”, explica.

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Os Estados Unidos são a casa da principal acionista da empresa, a gestora Tiger Global Management, que detém 28,8% das ações.

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“Tempestade perfeita”

Identificar o que exatamente levou a Netshoes a esta situação não é simples. “Falamos que é a tempestade perfeita, porque não foi um erro que causou os problemas de hoje”, diz Carvalho.

Para Tozzi, a companhia demorou a se diferenciar e, no segmento de e-commerce, especialmente se o que se comercializa são commodities, isso é um risco grande, uma vez que a concorrência está sempre em busca de novidades e formas de oferecer vantagens ao consumidor que vão além do preço.

Ela afirma que a Netshoes não se preocupou em criar uma melhor experiência de compra para o cliente, ou programas de relacionamentos, por exemplo. Nem se inseriu no universo Omnichannel (que dita, atualmente, o e-commerce) ou buscou parcerias com outros varejistas para, por exemplo, servirem de ponto de retirada de produtos, estratégia que tem sido bastante usada por grandes redes varejistas de comércio eletrônico. “No início era uma operação muito criativa, mas faltou se manter assim, com foco e diferenciação”, diz.

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A varejista também viu sua concorrência ganhar potência, como por exemplo a Dafiti, que cresceu 16,9% em 2017, comparado ao ano anterior, e possui operações na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia. Recentemente, a Netshoes ganhou mais um concorrente de peso: em agosto, a Amazon anunciou a entrada na área de moda e esporte no Brasil, adicionando 350 mil novos itens a seu catálogo e com parcerias com marcas consolidadas, como Farm, Havaianas, Reserva, Penalty e Caloi.

No primeiro semestre de 2018, o e-commerce brasileiro faturou R$ 23,6 milhões, alta de 12,1% em relação ao mesmo período no ano anterior, e a expectativa é que, até o final do ano, o setor feche com R$ 53,4 bilhões em vendas, alta de 12% diante de 2017. A categoria de moda e acessórios é a maior em volume de vendas pela internet no Brasil, sendo responsável por 14,2% do total e, junto com esportes, corresponde a 20,4% dos pedidos de compras online e 10,1% em volume de vendas. O mercado movimenta cerca de R$ 4,8 bilhões. Os dados são da Ebit/Nielsen.

Atrás do prejuízo

A empresa, no entanto, mostrou que está correndo atrás do prejuízo e tem investido em inovação, com o lançamento de uma nova plataforma de comércio eletrônico. Desta vez, toda a tecnologia foi desenvolvida internamente, em um projeto que vinha em andamento desde 2016. A migração foi concluída em maio e a Netshoes espera que, em médio e longo prazo, passe a ser uma empresa que, além de vender produtos, também venda serviços e proporcione uma melhor experiência ao consumidor.

Neste sentido, a empresa também lançou, em março, um canal de streaming, o TV NSports, com objetivo de transmitir esportes e campeonatos que não costumam ter espaço nas mídias tradicionais, mas que possuem um público interessado, como a Superliga de vôlei, a Liga Nacional de Futsal, a Liga de Basquete Feminino e torneios de tênis. Atualmente são oito canais de sete modalidades, que contabilizaram quase 2 milhões de pageviews distribuídos entre 128 jogos ou eventos até agosto, com quase 65 mil usuários cadastrados. Por ora, a companhia quer fortalecer e conectar pessoas na plataforma para, num futuro, começar a rentabilizar e ter lucro com este negócio.

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