Um dia depois de a Organização Mundial do comércio ter suspendido, por falta de acordo, as negociações da Rodada de Doha, dois de seus principais protagonistas - União Européia e EUA - iniciaram uma troca de acusações sobre quem seria responsável pelo fracasso.
O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, classificou de "grave" a situação depois da suspensão das negociações da Rodada de Doha, afirmando que seria "ainda mais grave se os países não retomarem as negociações depois de um período de reflexão".
Na segunda-feira, Lamy suspendeu as conversações diante da incapacidade dos maiores parceiros comerciais de chegarem a um acordo sobre as reduções das subvenções agrícolas internas e das taxas agrícolas e industriais.
- O que desejo é que a gravidade da situação seja entendida pelos diferentes protagonistas e que estes voltem à mesa depois de terem trocado de posição e tática - considerou
A Rodada de Doha , lançada em 2001 e que deveria ser concluída no fim de 2006, procura aprofundar a liberalização comercial da agricultura, indústria e serviços, entre outras, e que seus principais beneficiários sejam os países em desenvolvimento.
No entanto, enquanto o diretor-geral da OMC fazia essas recomendações, Bruxelas e Washington trocaram acusações mútuas sobre quem deve assumir o peso do fracasso.
A Missão dos EUA junto à OMC, em Genebra, emitiu um comunicado no qual acrescentava que as declarações da UE eram "falsas e enganosas" por responsabilizar Washington do fracasso das negociações.
" A UE acusou (segunda-feira) aos EUA de terem fracassado em mostrar flexibilidade nas negociações agrícolas de Doha", disse o comunicado, segundo o qual a tentativa de "desviar as responsabilidades é falsa e enganosa".
Em Bruxelas, o Comissário Europeu de Comércio, Peter Mandelson, reiterou que os EUA não mostraram flexibilidade na questão dos subsídios internos à agricultura,
- Lamento, embora entenda as considerações políticas internas que influenciaram na posição dos EUA. O resultado é que pediram muito aos demais, fazendo, eles mesmos, muito pouco.
Mandelson, segundo o qual essa postura não era para ele "uma definição de liderança", considerou que agora Washington "parece dizer ao resto do mundo: Temos razão e vocês estão isolados".
Depois dessa troca de acusações, as duas maiores potências comerciais do mundo entraram em uma dinâmica que, segundo alguns especialistas, não pode senão atrapalhar ainda mais a situação definida por Lamy como "muito séria" com a qual todos perderam".
A missão do EUA na OMC reitera, por sua vez, que seu país apresentou, em outubro, uma oferta ampla em agricultura para levar adiante as negociações."Incapaz de apoiar a proposta americana pela oposição substancial da França e outros estados membros com interesses agrícolas, a UE tentou, alternadamente, criticar a proposta dos EUA como demasiadamente fraca ou demasiadamente ambiciosa".
Em Paris, o Ministério das Relações Exteriores da França lemantou a suspensão das negociações ressaltando o papel positivo da OMC para relações econômicas "equilibradas", segundo o porta-voz do departamento, Jean-Baptiste Mattéi.
Para a França, o fracasso nas negociações obriga a comunidade internacional a refletir sobre as causas do desacordo, segundo o diplomata, que apontou como um dos elementos determinantes a ecntralização das conversações no âmbito agrícola, onde os interesses eram divergentes.
Outro país que se somou às críticas contra os EUA foi a índia. O ministro do Comércio do país, Kamal Nath, destacou as enormes distâncias que separaram Nova Déli de Washington.
- Há grandes diferenças entre nosso ponto de vista e o dos EUA. Eles não trouxeram nada à mesa - afirmou Nath, insistindo que não é aceitável que os EUA acessem o mercado indiano e de outros países em desenvolvimento para seus produtos agrícolas subsidiados".
Por outro lado, as organizações não governamentais, ativistas antiglobalização, como o líder agrário José Bové, expressaram sua satisfação com o fracasso.
Bové, que se reuniu nesta terça-feira em Genebra com Lamy na representação da coalizão agrária Via Camponesa, expressou sua reivindicação de que depois desse fracasso, "a OMC já não deve regular o comércio agrícola entre países, que só representam 10% da produção mundial agrícola".