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Retomada da economia

Além da vacina: para crescer, país terá de superar heranças da crise e desafios estruturais

crescimento pós pandemia
Imagem de arquivo da fábrica da New Holland, em Curitiba: setor industrial sofre com falta de insumos por conta da pandemia. (Foto: Ricardo Almeida / ANPr)

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As projeções dos especialistas para a economia brasileira em 2021 consideram um cenário em que a vacinação contra a Covid-19 começaria a proporcionar uma espécie de “volta à normalidade”, mesmo que em ritmo lento. Mas, mesmo que seja fundamental, a imunização, sozinha, não é suficiente para a retomada do crescimento: para evitar uma nova década perdida, o país tem outros entraves a superar.

Alguns deles estão relacionados à própria pandemia. O descontrole da contaminação pelo novo coronavírus em território nacional provocou, também, a desorganização de cadeias produtivas. E não basta reativar fábricas para que a produção volte, de fato, ao normal.

No final do ano passado, sondagens da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelaram as dificuldades na obtenção de insumos e matérias-primas. Na edição mais recente do levantamento, divulgada em novembro de 2020, 75% das empresas da indústria geral e 73% das que são da área da construção disseram estar com dificuldades para obter matérias-primas ou insumos domésticos.

No caso da construção – setor que se manteve aquecido mesmo durante a crise –, empresas chegaram a se organizar para importar matéria-prima, de modo a garantir o cumprimento dos cronogramas das obras.

Na mesma pesquisa da CNI, a maior parte dos industriais (47% da indústria de transformação e extrativa, e 45% da indústria da construção) disse esperar a normalização da oferta de insumos no primeiro trimestre de 2021. Parcela expressiva (32% no primeiro grupo e 35% no segundo), porém, afirmou esperar uma regularização no fornecimento somente no segundo trimestre deste ano.

Renato da Fonseca, gerente-executivo de Economia da CNI, explica que a desorganização das cadeias ocorreu pela forte queda da atividade registrada em março e abril. “A incerteza era muito grande e, por isso, foi implementada uma estratégia para evitar acumular estoque. Isso ocorreu de forma desorganizada. Alguns setores conseguiram retomar a produção rapidamente, mas outros, não”, detalha.

O caso mais emblemático é o da indústria siderúrgica, em que houve o desligamento de fornos. “Quando você desliga um forno desses, leva muito tempo para poder religá-lo. Não é igual ao forno de casa”, completa Fonseca.

Otto Nogami, economista e professor do Insper, aponta, ainda, para as pequenas e médias empresas que não sobreviveram aos meses mais agudos da crise. “Essas empresas estão na base da cadeia produtiva. Leva um tempo até você recuperar a condição de oferta que foi aniquilada com a quebradeira”, explica.

Setor automotivo espera normalização da cadeia

Um dos setores afetados pela falta de componentes foi o automotivo. No final do ano, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, chegou a afirmar que o setor poderia ficar parado por conta da falta de insumos.

Agora, de acordo com Moraes, a preocupação segue existindo, mas há a expectativa de normalização. "Esperamos que haja certa volatilidade no mercado, mas não tão grande como foi no final do ano. De qualquer forma, temos que ficar atentos por causa da segunda onda [da pandemia], que pode afetar os fornecedores de fora e também os locais", explicou.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), as fábricas do setor automotivo operaram, em média, com 69,33% de sua capacidade instalada nos últimos quatro meses. A média antes da crise era de 83,54%. A indústria de transformação como um todo operou, em média, com 79,25% de sua capacidade instalada.

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Real desvalorizado aumenta custos de produção, mas favorece exportação

Outro problema relacionado à pandemia, que deve pairar sobre a economia durante mais alguns meses, é o aumento da inflação. A desvalorização do real pressionou os valores de insumos, já que, mesmo que a matéria-prima não seja importada, parte dos produtos é negociada com base no preço em dólar. Reflexo disso foi, por exemplo, a alta nos preços dos alimentos.

“Se você não tem matéria-prima, os produtores começam a disputar e há uma pressão natural nos preços. Isso é intensificado pela desvalorização cambial”, explica Fonseca, da CNI.

O fenômeno se reflete no Índice de Preços ao Produtor (IPP), medido pelo IBGE. Em outubro, o indicador atingiu o pico no ano, de 3,41% na comparação com o mês anterior. Se, no caso dos alimentos, o aumento acaba na mesa do consumidor, outros segmentos não podem simplesmente repassar os custos ao produto final, por conta da concorrência.

De qualquer modo, o dólar alto não tem só aspectos negativos. “O real desvalorizado favorece a exportação”, diz Nogami, do Insper.

Em 2020, a balança comercial brasileira registrou alta na comparação com 2019 (o saldo foi de US$ 48 bilhões para US$ 51 bilhões). Em dezembro houve aumento de 40% nas importações, mas o movimento foi considerado normal. Primeiro, porque o novo regime aduaneiro para petróleo e gás natural (Repetro) provocou a nacionalização de plataformas, em um processo de natureza contábil. E, em segundo lugar, porque a retomada da indústria também se traduziu na importação de insumos que, tradicionalmente, já vinham de fora.

Cenário pré-crise era de depressão prolongada

Mas não é só a crise que impõe desafios ao crescimento. Mesmo que o país consiga retornar plenamente ao patamar em que estava antes da Covid-19, isso não significa que estaremos em um bom lugar.

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o economista Roberto Macedo explica que a crise do novo coronavírus ocorreu em meio a outra depressão, mais duradoura, que ocorre desde 2014. Ele usa como referência o último relatório do IBGE sobre as Contas Nacionais Trimestrais.

“Um dos seus gráficos apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o terceiro de 2020, e percebe-se que o valor mais alto foi lá atrás, no primeiro trimestre de 2014! Aí começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, mais longa e forte do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da Covid-19”, explica Macedo.

Os ingredientes dessa crise prolongada incluem a falta de investimentos em infraestrutura e a condição deteriorada das contas públicas. Ao UOL, o analista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, afirmou, inclusive, que um possível sucesso da vacinação pode levar a um apagão de energia elétrica. Isso porque, se a economia apresentar uma retomada vigorosa, a demanda de energia pode ser superior à capacidade de fornecimento do sistema brasileiro. A avaliação de Pires, porém, não é consenso entre especialistas do setor.

De qualquer modo, é consenso que, mesmo que a vacinação contra a Covid-19 seja imprescindível, ela é só o primeiro passo para a recuperação. “Dizer que a economia nesse ano de 2021 vai deslanchar é um pensamento extremamente otimista. Nossa realidade mostra uma condição bastante debilitada”, conclui Otto Nogami, do Insper.

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