Se a opção for por cortar gastos, os investimentos do PAC fatalmente serão atingidos| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Malabarismo

Segundo o economista Leonardo Monasterio, professor da UCB, um governo em apuros tem três formas de fechar as contas: arrecadando mais, se endividando ou virando sócio da inflação. A primeira exige elevar impostos e a segunda tem seus riscos. A terceira é a mais rudimentar. "Antes do Plano Real, o governo costumava contar muito com a ajuda da inflação, que infla as receitas mais rápido que as despesas."

CARREGANDO :)

Quem vencer a eleição presidencial deste domingo terá um grande nó a desatar logo no início do mandato. Com a economia e a arrecadação crescendo menos que as despesas, o governo só conseguirá fechar as contas de 2015 se fizer um grande corte no Orçamento ou se aumentar impostos – ou ambos. Empurrar o problema para frente é outra alternativa, mas ela só aumentará o sacrifício em um futuro ajuste fiscal, visto como inevitável por especialistas em contas públicas.

INFOGRÁFICO: Veja os índices do superávit primário e da dívida pública dos últimos meses

Publicidade

A questão é que, por mais austero que possa ser o próximo governo, seja ele comandado por Dilma Rousseff ou Aécio Neves, não há muita margem para cortar gastos – a não ser em investimentos como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo.

"Ainda que se queira fazer um grande esforço de contenção de despesas, um corte mais estrutural depende de reformas que não ocorrem da noite para o dia", avalia o economista Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado e autor do livro Por que o Brasil cresce pouco?. "É muito difícil escapar de um aumento da carga tributária depois de alguns meses da posse."

O economista Luka Barbosa, do banco Itaú, acredita que o governo possa reverter algumas desonerações fiscais concedidas nos últimos anos. "Dada a rigidez do gasto no curto prazo, esperamos que a maior parte do ajuste de 2015 venha do lado da receita."

Na tentativa de impulsionar o crescimento econômico, a Fazenda abriu mão de cerca de R$ 100 bilhões em tributos em 2014, estima a Receita Federal. "A primeira providência deveria ser desmontar a política de desonerações. Ela não apenas provocou perda de arrecadação, como também gerou ineficiências para a economia", defende Mendes.

Cortando vento

Publicidade

A alternativa à alta de impostos, ou à retirada das desonerações, seria um forte crescimento econômico, capaz de reforçar a arrecadação "orgânica". Algo que parece improvável, segundo Leonardo Monasterio, professor de Finanças Públicas da Universidade Católica de Brasília (UCB). Para ele, deve-se esperar um "contingenciamento forte" de despesas no início de 2015. "Em anos anteriores, isso significava cortar algo em torno de R$ 50 bilhões, para começar", diz Monasterio.

O tal contingenciamento é o que alguns chamam de "cortar vento", isto é, não se trata de uma queda em relação às despesas atuais, e sim em relação ao que o governo planejava gastar. É que, no fim das contas, o gasto sempre aumenta na comparação com o ano anterior. "As despesas públicas têm uma inércia muito grande. Boa parte delas é obrigatória, e é indexada ao salário mínimo ou à inflação passada", explica Mendes, do Senado.

Orçamento tem buraco de R$ 39 bilhões

A proposta de Orçamento que o Executivo encaminhou ao Congresso mantém uma prática recorrente: expectativa de receita inflada e despesas subestimadas. Nota técnica preparada pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado indica que, entre o que o governo espera e o que é mais provável ocorrer, há uma diferença de R$ 39 bilhões.

O estudo revela que o projeto de lei ignorou pelo menos R$ 22 bilhões em gastos, ao mesmo tempo em que baseou as estimativas de arrecadação em um crescimento econômico de 3%, bem superior ao esperado por organismos internacionais, bancos e consultorias. Caso a economia cresça em torno de 1%, como projeta o mercado financeiro, haverá uma frustração de receitas de R$ 17 bilhões, calculam os consultores.

Publicidade

A nota técnica alerta para a inclusão, sem justificativa, de receitas atípicas no Orçamento. A proposta para 2015 projeta R$ 27,5 bilhões em "extras", mais que em 2014 (R$ 27 bilhões) e 2013 (R$ 25 bilhões). "As receitas estão crescendo abaixo do crescimento do PIB. Assim, a inclusão de um volume alto de arrecadações atípicas não seria mais justificável tecnicamente", informa o documento.

Poupança

Superávit primário diminui enquanto dívida pública cresce

A situação delicada das finanças vem impedindo a União de fazer superávit primário, ou seja, de poupar dinheiro para pagar os juros da dívida. As contas do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) registraram déficit primário em maio, junho, julho e agosto.

Inédita até então, a sequência praticamente sepultou a meta de poupar 1,55% do PIB neste ano, uma vez que, nos oito primeiros meses de 2014, a União conseguiu guardar só 0,1% do PIB. Incluindo estados, municípios e estatais, o setor público poupou 0,3% do PIB, quase nada perto do objetivo anual, de 1,9%.

Publicidade

"Isso cria a necessidade de ajuste fiscal a partir de 2015, especialmente em um cenário em que a nota de crédito soberano do Brasil já foi rebaixada por uma das agências de rating", avalia o economista Luka Barbosa, do Itaú. Novos rebaixamentos forçariam o governo a pagar juros ainda mais altos para se financiar.

Para Barbosa, o superávit primário "oficial" deve terminar 2014 abaixo de 1% do PIB, e ainda assim graças a receitas atípicas. Ele calcula que, para estabilizar a dívida pública no longo prazo, seria preciso algo entre 2% e 2,5% do PIB. Desde o fim de 2013, a dívida pública líquida subiu de 33,6% para 35,9% do PIB, e a bruta, de 56,7% para 60,1% do PIB.

Na proposta de Orçamento, o governo prevê um superávit de 2% do PIB em 2015. O mercado aposta em um saldo de apenas 1,65%.

Despesas

Espaço para corte orçamentário em 2015 é de apenas 13%

Publicidade

A proposta de Orçamento para o ano que vem projeta despesas primárias (que não incluem gastos com juros) de R$ 1,38 trilhão, das quais R$ 1,2 trilhão são obrigatórias. São gastos com pessoal e encargos sociais, Previdência Social, transferências para estados e municípios e outras. Sobram cerca de R$ 180 bilhões em despesas discricionárias, em investimentos, programas sociais e custeio, que o governo pode gastar – ou cortar – como quiser.

Isso significa que a margem de manobra do governo equivale a apenas 13% das despesas. É a tal "rigidez orçamentária". "Por mais que um candidato prometa cortes que ficam bem na imprensa, como reduzir o número de ministérios, o impacto é diminuto", diz Leonardo Monasterio, professor da UCB.

Mudanças significativas, só no médio e longo prazo. Para Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, reduzir as despesas de forma estrutural exigiria fazer reformas como a da Previdência, que tem grande peso no gasto total, e reformular a política de contratação e remuneração dos servidores. Luka Barbosa, do Itaú, sugere mudanças nas regras de indexação e a busca por ganhos de eficiência na gestão dos gastos.