O mercado de trabalho vem surpreendendo e a tendência é de que continue em alta pelo menos até o fim do ano, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Em apenas um ano, o desemprego caiu de 13,7% para 9,1%, chegando ao menor nível desde o fim de 2015, segundo dados de julho da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE.
O rendimento médio real do trabalho também vem se recuperando: após três altas consecutivas, chegou a R$ 2.693 em julho, conforme o mesmo levantamento. Ainda está 2,9% abaixo da média de um ano antes, mas essa relação tem melhorado: entre julho e setembro do ano passado, as perdas reais acumuladas em 12 meses passavam de 11%.
Quando se observa somente o mercado formal de trabalho, o momento também é de expansão. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, o país criou 1,561 milhão de empregos com carteira assinada de janeiro a julho. Houve desaceleração em relação a 2021, quando a economia gerou 1.785 milhão de vagas no mesmo período. Ainda assim, quando computados os números dos sete primeiros meses, o desempenho atual supera o de todos os anos entre 2012 e 2020.
O salário de contratação de trabalhadores formais também está se recuperando. Após duas altas, chegou à média de R$ 1.926,54 em julho, 2,8% abaixo – em termos reais – da registrada um ano antes. O cenário, assim como o reportado pela Pnad, é de redução de perdas: no fim do ano passado, a redução anual passava de 6%.
Houve uma rápida reversão de expectativas. No começo do ano, bancos e consultorias acreditavam que, após encerrar 2021 em 11,1%, o desemprego subiria a 11,8% até dezembro deste ano, segundo a mediana das expectativas coletadas pelo relatório Focus, do Banco Central. Mas a desocupação foi em sentido oposto e, no boletim mais recente, publicado na segunda-feira (19), o ponto médio das previsões para o mesmo indicador era de 8,7%.
Também nos primeiros meses do ano, pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) chegaram a projetar que taxas de desemprego inferiores a 10% só seriam alcançadas em 2026 – e desde que houvesse um crescimento econômico de 3,5% nos próximos três anos. Como se viu, bastaram alguns meses para a desocupação retornar a um dígito.
“É efeito do desempenho da atividade econômica”, diz o analista de mercado de trabalho da Tendências Consultoria, Lucas Assis. No primeiro semestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,5% em comparação a igual período de 2021.
O desempenho, em parte, foi alavancado por setores intensivos em mão de obra como os serviços e a construção. Esse resultado faz as projeções para o crescimento econômico em 2022 se aproximarem de 3% – no começo do ano, a mediana do boletim Focus apontava para expansão de apenas 0,3%.
Além da conjuntura econômica, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a reforma trabalhista – aprovada em 2017, no governo Michel Temer – também colabora para a queda mais rápida no desemprego.
Embora a reforma esteja prestes a completar cinco anos, até pouco tempo atrás o país convivia com escassez de demanda – ou seja, mesmo com regras mais favoráveis à contratação, as empresas não tinham necessidade de aumentar o quadro de pessoal. Isso mudou agora.
Para Assis, da Tendências, a diminuição dos custos de contratação, um efeito da nova legislação, acabou gerando oportunidades de trabalho. Outro fator relacionado com a reforma que também pode estar influenciando, de acordo com os economistas do Bradesco, é a redução da litigância judicial.
Grandes contratantes, serviços e construção estão em alta
“Grande parte da melhora em 2022 não é uma dinâmica fantástica, mas sim a volta de setores mais atrasados na recuperação, intensivos em emprego”, diz o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, em artigo publicado no blog do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).
O volume de serviços prestados cresceu 8,5% nos sete primeiros meses do ano, comparativamente a igual período de 2021, aponta o IBGE. É a segunda maior expansão para esse período em toda a série histórica iniciada em 2012. “Esse setor vem performando bem e está surpreendendo”, destaca Eduardo Vilarim, do banco Original.
Dados do Caged, mostram que o setor de serviços abriu 874,2 mil oportunidades de trabalho com carteira assinada entre janeiro e julho, quase 24% mais que no mesmo intervalo de 2021. Metade dos postos foi aberta nos segmentos de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas e de alojamento e alimentação.
A construção, outro grande empregador, também teve forte crescimento no primeiro semestre. Com crescimento de 9,5% sobre igual período de 2021, o primeiro semestre do setor foi o melhor desde 2010. “Há influência de obras realizadas no período pré-eleitoral”, complementa Vilarim.
A construção gerou 216,6 mil empregos formais em sete meses, 1,8% mais que em período equivalente do ano passado. Os destaques foram os segmentos de construção de edifícios e serviços especializados.
Contudo, Lucas Assis, da Tendências, observa que as oportunidades que estão surgindo pagam baixos salários e têm pouco impacto sobre a produtividade da economia. O único setor com crescimento significativo da produtividade entre 1995 e 2021 foi o agronegócio.
"Chuva" de estímulos do governo e recuo da pandemia também ajudam emprego
Hélio Zylberstajn, professor sênior da Universidade de São Paulo (USP), cita outros dois fatores que podem explicar a surpresa com o desempenho do mercado de trabalho: o impacto da “chuva” de estímulos despejada pelo governo federal – que reúne saque emergencial do FGTS, antecipação do 13.º dos aposentados e pensionistas e reajustes em benefícios como o Auxílio Brasil – e o arrefecimento da pandemia, com forte queda no número de casos, internações e mortes. “Isso incentivou as pessoas a participar do mercado de trabalho, dada a redução do risco pandêmico”, afirma.
Os economistas Fernando Honorato Barbosa e Vitor Vidal, do Bradesco, apontam em relatório que os salários nos menores níveis reais desde 2012 podem estar contribuindo para a recomposição do mercado de trabalho, no sentido de que ficou mais barato contratar. “A contratação da mão de obra pode ter sido a escolha dos empresários”, escrevem.
Queda da inflação permite recuperação da renda real
Segundo o pesquisador Daniel Duque, do Ibre/FGV, a retomada da renda real tem relação com a queda da inflação nos últimos meses. O IPCA acumulado em 12 meses, que chegou ao pico de 12,13%, em abril, baixou para 8,73% em agosto, após duas deflações mensais consecutivas. E não vai parar por aí: as projeções do mercado são de que o índice fechará o ano em 6%, segundo o mais recente boletim Focus.
A queda da inflação está relacionada ao corte de tributos – em especial sobre combustíveis e energia – e à redução dos preços dos combustíveis nas refinarias da Petrobras. Os preços, no entanto, ainda avançam em outros grupos de produtos – foi o que ocorreu em 65,2% dos bens e serviços pesquisados pelo IBGE em agosto.
Vilarim, do Original, também vê um movimento de recomposição dos salários nominais. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em julho 33,2% dos reajustes ficaram acima do INPC, proporção quase duas vezes maior que a do conjunto dos últimos 12 meses (17%).
Ele aponta que muitos salários ficaram represados por conta de questões setoriais. É o caso da indústria, que enfrentou, ao longo dos últimos meses, problemas de importação de insumos, que afetaram a cadeia produtiva, e baixa demanda. Outro setor que não tem corrigido os salários é o da administração pública, por causa de questões fiscais.
Taxa de participação no mercado de trabalho ainda está abaixo do nível pré-pandemia
Mas há indicadores do mercado de trabalho que ainda não retornaram a níveis anteriores aos da pandemia. Um deles é o de taxa de participação no mercado de trabalho, que mostra a proporção de pessoas em idade ativa que estão trabalhando ou procurando emprego. Em agosto, ela estava em 62,7% da população com mais de 14 anos, abaixo da média do período 2017-19 (63,3%), o que indica que hoje há uma proporção maior de pessoas que desistiu de procurar emprego.
Um desincentivo que pode estar afetando uma maior busca por ocupação, segundo o analista da Tendências, é o volume de transferências governamentais à população de baixa renda, como o Auxílio Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) promete medidas para estimular as contratações. Já falou em retomar o programa Carteira Verde e Amarela, para baixar os custos de contratação de jovens e pessoas com mais de 55 anos. E, em propaganda eleitoral que abordou questões econômicas, ele prometeu pagar um adicional de R$ 200 para beneficiários do programa de transferência de renda que começarem a trabalhar.
“Os mais de 20 milhões de brasileiros que recebem Auxílio Brasil de no mínimo R$ 600, agora receberão mais R$ 200 se começarem a trabalhar. Vai ser R$ 800 mais o salário do trabalho”, diz a mensagem. Esse benefício para quem arruma emprego já existe na estrutura do Auxílio Brasil desde que o programa foi criado, em 2021, mas até hoje não é pago.
Assis avalia que a recomposição da população economicamente ativa (PEA) pode ser prejudicada por alguns fatores neste segundo semestre, como uma eventual perda de ritmo da atividade econômica em razão do aumento da taxa básica de juros e a reversão no preço das commodities, relacionada à desaceleração da economia global.
O que esperar do mercado de trabalho nos próximos meses e em 2023
A julgar pelas expectativas de economistas, o mercado de trabalho deve continuar em expansão nos próximos meses e no ano que vem, ainda que a um ritmo menor.
A XP Investimentos, por exemplo, espera que a taxa de desemprego, que estava em 9,1% em julho, caia para 8,5% até dezembro e para 8% no final de 2023. “A queda no desemprego é disseminada, tanto no setor formal, quanto no informal” diz o economista Rodolfo Margato, da XP.
Quem também avalia que o mercado de trabalho deve continuar melhorando pelo menos até o fim do ano é Zylberstajn, da USP. Segundo ele, as eleições e a aproximação das festas tendem a animar a economia até dezembro.
Por outro lado, ele vê dificuldades na sequência. As principais travas à continuidade do crescimento mais robusto, segundo ele, são o aperto monetário e a possibilidade de os estímulos concedidos à economia serem suspensos. “Dificilmente se sustentarão no próximo ano”, diz.
Um crescimento com mais força, em sua visão, só seria possível com uma “injeção” de confiança para o investimento, o único fator capaz de dar sustentação. “Infelizmente, as incertezas em relação ao novo governo permanecem”, afirma.
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