O desemprego atingiu até o Papai Noel. Pelo segundo ano seguido, com a queda de vendas no Natal, o comércio abriu um número menor de vagas para desempenhar a função. Em alguns casos, o personagem foi excluído das festas de confraternização de empresas multinacionais – boa parte delas nem vai fazer comemorações.
O resultado da crise é que neste ano até o Papai Noel espera como presente de Natal um serviço temporário de última hora, para ajudar a pagar as dívidas em atraso. Só que a possibilidade de esse desejo se realizar é cada vez mais remota, porque as empresas apertaram o cinto.
Com a crise, os shoppings que contratavam dois Papais Noéis por um período de 45 dias de festejos estão admitindo um só para fazer economia, contou Silvio Ribeiro, Papai Noel há 49 anos e dono da agência Claus Produções Artísticas. Além de dar cursos de Papai Noel, ele recruta a mão de obra de atores para o varejo e empresas. “A crise chegou para o Papai Noel”, afirmou Ribeiro.
Na sexta-feira, por exemplo, ele deu um curso gratuito de Papai Noel no Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que envolveu comportamento, história e até técnicas para fazer um perfeito “Ho Ho Ho”. Na plateia havia apenas cerca de 15 pessoas, praticamente o mesmo número do ano anterior. Três anos atrás, quando ocorreu a primeira edição do curso e a crise ainda não tinha atingido a economia de forma tão incisiva, a plateia foi muito mais concorrida: reuniu 40 alunos.
João Molnar Filho, 65 anos, que participou ontem do curso, já trabalha como Papai Noel há alguns anos em hotéis de luxo da cidade. “Neste ano, nenhum hotel me chamou”, disse ele. No ano passado, ele conseguiu ganhar R$ 15 mil por um período de 45 dias, com jornada diária de 12 horas. Mas, neste ano, ele continua esperando uma oportunidade.
Molnar mandou currículos para shoppings, mas não obteve retorno. O que acenou com alguma possibilidade de contratação era muito distante da sua casa. “Não teria condições de sair às 23 horas do shopping e pegar o ônibus para ir para casa.”
Também o grande número de candidatos a Papai Noel tem dificultado a obtenção de uma vaga. Molnar, que é tarólogo e ex-comissário de bordo, contou que em um shopping de Diadema (SP) havia 14 candidatos para duas vagas. Apesar da grande concorrência, ele está otimista. “Tenho esperança de ser chamado, por isso vim fazer esse curso.”
Desemprego duplo
Também o motorista desempregado José Alves, 62 anos, está otimista como o seu colega de curso, apesar de reconhecer que neste ano o cenário está mais difícil. “Não tenho nada acertado para este ano, mas tenho fé que vou ser chamado para algum serviço temporário de Papai Noel.” Alves tem enfrentado tempos difíceis desde que perdeu o emprego de motorista de ambulância em agosto, quando a empresa na qual trabalhava faliu e ele não recebeu a indenização. Agora, ele se sente duplamente desempregado: como motorista e Papai Noel.
Com dívidas que somam R$ 8 mil, de itens que comprou no cartão de crédito e no carnê, o ex-motorista tenta um serviço de Papai Noel para quitar as pendências. “Se eu pegar um bom contrato de R$ 15 mil, consigo acertar as contas”, afirmou. Hoje, quem banca as contas da casa é a sua mulher, que está empregada.
Silvio Ribeiro, da agência Claus, ponderou que o salário de R$ 15 mil tão sonhado pelos candidatos é um valor máximo, obtido por poucos no passado. A média varia entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por um período de 45 dias em shoppings. “Não houve queda no cachê.” No entanto, Ribeiro admitiu que há shoppings negociando mais o cachê. Como os shoppings vivem das vendas e elas não estão boas, os comerciantes não querem gastar muito dinheiro com a decoração. “É um efeito dominó.”
“Neste ano, caímos do trenó por falta de trabalho”
Papai Noel profissional há quase 12 anos, Carlos Estigarribia, 46 anos, casado e pai de seis filhos, diz que neste ano tanto os clientes como o Papai Noel estão insatisfeitos. “Este ano está de chorar.” De um lado, os clientes estão chorando para reduzir o preço do cachê; de outro, o Papai Noel está chorando por causa do desemprego.
Estigarribia, que é professor de Física, Matemática e também é violinista, faz um espetáculo de entrega de presentes em festas de empresas e de famílias que, segundo ele, é exclusivo. “Sou o único Papai Noel violinista”, diz. Pelo show com duração de cerca de três horas e que também conta com o trabalho de uma assistente, no ano passado ele cobrava R$ 1,5 mil. Neste ano, para se adaptar ao bolso reduzido dos clientes, ele esta cobrando R$ 960. “Reduzi o preço em 40%.”
Apesar do corte, a demanda pelo espetáculo continua baixa. Até o fim desta semana, o ator tinha 18 eventos contratados. No ano passado, ele conseguiu fechar 30 espetáculos. A maior parte dos eventos contratados para este ano é para empresas. “Shopping nem apareceu”, observa.
Estigarribia observa que o desemprego também bateu neste ano nessa atividade extra. Ele conta que faz esse trabalho por motivações pessoais. “Gosto desse momento lúdico, dessa fantasia.” No entanto, neste ano a fantasia também foi afetada pela realidade. “O Papai Noel caiu do trenó por falta de trabalho”, compara.
Essa renda obtida pelo professor de Matemática no fim de ano normalmente tem destino certo. Estigarribia destina um terço do que recebe a orfanatos. Outra parte ele investe no próprio negócio, comprando materiais para confeccionar as fantasias e as cordas do violino usadas no espetáculo – “as cordas do violino são caras”. A última parte ele usa para si. “Pago uma conta ou outra, que está atrasada.”
Mesmo com a queda no movimento de procura pelos shows e a retração na receita que está ocorrendo este ano, o ator pretende dar prioridade às doações que faz com a renda desse trabalho. Estigarribia diz que tem compromissos acertados com orfanatos e não vai sacrificar essa parcela por causa da crise.
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