Cerca de 46,6 milhões de brasileiros têm emprego formal, segundo os dados mais recentes. É o maior número da série histórica.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O bom momento no mercado de trabalho no Brasil, com desemprego baixo e alta demanda em alguns setores, pode ser um obstáculo para a redução da taxa básica de juros, atualmente em 10,5% ao ano.

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Um estudo realizado pelo banco Daycoval indica que, mesmo com a possível diminuição dos riscos internacionais e da incerteza doméstica, as pressões da demanda no mercado de trabalho podem impedir uma redução contínua da taxa Selic no curto prazo.

As projeções do mercado financeiro, divulgadas semanalmente pelo Banco Central no boletim Focus, apontam para uma taxa de 10,5% ao fim deste ano, indicando que não são esperados novos cortes até dezembro. Para o fim de 2025, a projeção é de uma Selic de 9,5%.

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O comunicado do Comitê de Política Monetária do BC, divulgado após a decisão da quarta, indica que os juros deverão permanecer elevados por um bom tempo.

"A política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta", destaca o documento.

Um dos motivos é de que as expectativas do mercado financeiro para o IPCA em 2024 vem aumentando fortemente. Elas subiram de 3,9% no fim do ano passado para 4,1% nesta semana. Para 2025, elas passaram de 3,5% para 3,9%.

Desemprego está no menor nível desde dezembro de 2014

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no trimestre móvel encerrado em junho o desemprego atingiu 6,9%, a taxa mais baixa desde dezembro de 2014. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Novo Caged/MTE), o número de trabalhadores com carteira assinada chegou a 46,8 milhões em junho, o maior desde o início da série histórica em 2020.

No primeiro semestre, foram abertos 1,3 milhão de postos de trabalho com carteira assinada, um incremento de 26,2% em relação ao mesmo período de 2023

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De acordo com o economista Rodolfo Margato, da corretora XP Investimentos, os principais indicadores do mercado de trabalho continuam a mostrar sinais positivos, o que estimula a demanda interna, especialmente o consumo, e acaba favorecendo a elevação nos preços. Os salários reais (descontada a inflação) estão em alta desde o terceiro trimestre de 2023, com um crescimento acumulado de 4%.

Dados do banco Itaú também indicam que o mercado de trabalho formal continua resiliente, apoiando a expectativa de manutenção de baixas taxas de desemprego nos próximos meses. "Os salários encerraram o segundo trimestre abaixo das expectativas iniciais do ano, mas ainda com aumentos acima da inflação", destaca relatório da instituição.

"A resiliência da atividade econômica, somada com um mercado de trabalho cada vez mais apertado, que não tem perspectiva de dar margem para alívio das principais métricas de inflação acompanhadas pelo Banco Central (serviços subjacentes e intensivos em trabalho), devem impedir a retomada do ciclo de afrouxamento monetário e forçar a autoridade monetária a deixar aberta a possibilidade de voltar a elevar a taxa Selic caso necessário", diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

Poder de barganha e salários dos trabalhadores em alta

O estudo do Daycoval destaca que o mercado de trabalho em economias avançadas e emergentes tem registrado baixas taxas de desemprego, alta demanda por trabalhadores e aumentos salariais devido ao maior poder de negociação.

Segundo o projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os salários tiveram um reajuste mediano de 5% em 12 meses até junho, o que assegurou um ganho de 1,7% acima da inflação medida pelo INPC. Já são 19 meses consecutivos com reajuste mediano acima do INPC.

A instituição aponta que 2024 vem sendo o ano com a maior proporção de reajustes medianos acima da inflação (87,2%). O primeiro semestre de 2024 foi o melhor em dez anos;

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Segundo o Daycoval, o cenário do mercado de trabalho tem gerado cautela na condução da política monetária global. Fatores como políticas fiscais expansionistas, mudanças no padrão de consumo e adaptações no mercado de trabalho, como o home office, são apontados como possíveis causas desse vigor.

"Em setores como comércio e serviços de alojamento e alimentação, parece haver um excesso de mão de obra absorvido, sugerindo uma falta de trabalhadores disponíveis, enquanto serviços especializados como informação, comunicação, finanças e indústria ainda não enfrentam escassez, mas mostram demanda aquecida", cita o estudo.

O banco observa que metade dos setores da atividade econômica (indústria, transporte, informação, comunicação, finanças e administração pública) estão com demanda aquecida. Outros 20% (comércio, alojamento e alimentação) enfrentam escassez de oferta há pelo menos seis meses.

"A alta demanda no mercado de trabalho tem contribuído significativamente para os rendimentos no primeiro quadrimestre do ano", destaca o relatório. Os economistas do Daycoval explicam que, com a baixa taxa de desemprego e a forte demanda dos empregadores, espera-se que o mercado de trabalho brasileiro continue aquecido, impulsionando os salários.

Pedidos de demissão têm maior nível em mais de duas décadas

Outro indicador do mercado de trabalho aquecido, segundo a instituição financeira, é o aumento das demissões a pedido, que atingiram os maiores níveis desde 2002. A proporção dessas demissões está próxima de 1,6% do total de ocupados com carteira assinada neste ano.

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"A insatisfação com o emprego atual, a possibilidade de salários maiores em outras oportunidades de trabalho e questões pessoais estão por trás desse aumento nas demissões a pedido", explicam os economistas do banco. Este fenômeno sugere um aumento no poder de negociação dos trabalhadores, refletindo maior confiança na busca por novas oportunidades de emprego.

A continuidade no aumento das demissões voluntárias indica que a taxa de desemprego deve permanecer baixa. O patamar atual de 7,1% em maio está abaixo da taxa de longo prazo de 8%.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]