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Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa Desenrola, voltado para a renegociação de dívidas de pessoas físicas negativadas, chegou ao fim nesta segunda-feira (20) cumprindo parte de suas metas. Porém, embora cerca de 15 milhões de brasileiros tenham renegociado débitos e o Banco Central aponte uma redução na proporção de atrasos da carteira total de crédito (veja mais abaixo), o número de pessoas inadimplentes no país bateu recorde.
Os dados mais recentes da Serasa Experian indicam que, em março, havia 72,9 milhões de consumidores com dívidas pendentes no país, o maior número desde o início da série histórica em 2016, representando 44,3% da população adulta. Quando o programa foi lançado, em julho de 2023, 71,5 milhões de pessoas estavam negativadas, acumulando uma dívida total de R$ 351,7 bilhões.
Segundo a empresa, a inadimplência chegou a diminuir até dezembro, atingindo na ocasião o menor número de negativados desde março de 2023: 71,1 milhões. No entanto, o problema se agravou na sequência e, no primeiro trimestre deste ano, houve aumento de 2,5% no número de inadimplentes e de 5,3% no valor das dívidas, que alcançaram R$ 387,3 bilhões. Em média, cada inadimplente tinha dívida de R$ 5.312,70 e 3,76 pendências.
Desde julho do ano passado, observou-se um crescimento da inadimplência entre mulheres e consumidores com mais de 41 anos. A parcela de dívidas financeiras no total de negativados subiu de 44,8%, naquele mês, para 46,4% em março de 2024.
Metas do Desenrola foram parcialmente cumpridas após duas prorrogações
Uma das metas do programa era renegociar R$ 50 bilhões em dívidas contraídas entre 2019 e 2022, cujos devedores foram negativados. Esse objetivo foi superado, com R$ 52,93 bilhões renegociados até sexta-feira (17), após duas prorrogações de prazo.
A proposta inicial visava alcançar até 30 milhões de brasileiros com renda de até R$ 20 mil, que poderiam renegociar débitos registrados entre 1.° de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022, independentemente do valor devido. Esse objetivo ficou pela metade: cerca de 15 milhões de pessoas renegociaram suas dívidas.
O Desenrola foi lançado no início do segundo semestre de 2023, após enfrentar dificuldades na implementação, que envolveu instituições financeiras, empresas e birôs de crédito. Problemas técnicos ligados à tecnologia da informação foram obstáculos para a execução do programa no curto prazo. Durante sua execução, novas funcionalidades foram adicionadas.
O programa adotou uma abordagem ligeiramente diferente da prevista na campanha eleitoral. A intenção original do PT era promover a renegociação de dívidas de famílias e de pequenas e médias empresas, com uma participação mais ativa de bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa. As instituições privadas seriam incentivadas a oferecer condições favoráveis de negociação com os devedores.
O Desenrola previa a suspensão imediata da negativação para dívidas de até R$ 100. As regras determinavam que o consumidor deveria renegociar o valor caso não conseguisse quitar a dívida integralmente. Sem a renegociação ou o pagamento, o indivíduo poderia ser reinserido como inadimplente.
O programa também foi concebido como um estímulo ao consumo responsável. “É sempre necessário incentivar o consumo consciente. Ninguém deve gastar além do que pode. Se for necessário contrair uma dívida, que seja uma quantia administrável. Caso contrário, é melhor esperar. Quem faz dívidas que não pode pagar, acaba se prejudicando”, afirmou o presidente Lula, dias antes do lançamento do programa.
O Ministério da Fazenda considera que o programa de renegociação de dívidas atingiu seu objetivo. Em nota enviada à Gazeta do Povo, o órgão destaca que foram investidos apenas R$ 2 bilhões por parte do governo. "Para cada R$ 1 investido no Desenrola, foram negociados R$ 25. Mais de 600 credores também foram beneficiados com o recebimento de valores que, em muitos casos, já davam como perdidos. Tudo isso favorece a economia como um todo."
Outro ganho obtido com o programa, de acordo com o ministério, foi o de colocar na pauta da população a discussão sobre as finanças pessoais, estimulando a regularização das obrigações, a educação financeira e o acesso ao crédito de forma responsável,
CNC diz que proporção de famílias com pendências diminuiu, mas tempo de atraso cresceu
Outras pesquisas apontam uma situação menos crítica para as famílias. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias com dívidas em atraso diminuiu de 29,6% em julho de 2023 para 28,6% em abril de 2024. Entre aquelas que dizem não ter condições de pagar, houve uma leve redução: de 12,2% para 12,1%. O tempo médio de atraso das contas teve um pequeno aumento, de 62,5 dias para 64 dias.
Felipe Tavares, economista-chefe da CNC, considera que o programa de renegociação de dívidas foi um sucesso, pois ajudou as famílias. “A melhoria do cenário econômico também contribuiu, com um mercado de trabalho estável, aumento da renda dos trabalhadores e queda da taxa Selic”, analisa.
Ele avalia que a decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de reduzir o ritmo de corte da taxa Selic de meio ponto percentual para 0,25 na última reunião, realizada em 7 e 8 de maio, e a possibilidade de manutenção da taxa na próxima reunião, não devem piorar a inadimplência.
Segundo Tavares, espera-se uma redução mais modesta nos juros ao consumidor, mas ainda há margem para queda. O boletim Focus, divulgado pelo Banco Central nesta segunda (20), projeta uma Selic de 10% ao fim do ano, o que significaria mais dois cortes de 0,25 ponto percentual na taxa, hoje em 10,5% ao ano.
Índice de inadimplência na carteira de crédito baixou, diz BC
O Banco Central também notou redução na inadimplência das pessoas físicas, que caiu de 4,14% do total da carteira das instituições financeiras em julho de 2023 para 3,62% em março de 2024. É o menor índice desde junho de 2022.
Fernanda Laranja, gerente sênior de políticas públicas do banco Mercado Pago, também vê o programa governamental com bons olhos. “Iniciativas como o Desenrola são fundamentais para a sociedade, pois facilitam a redução de juros na quitação de débitos para os brasileiros”, comenta.
Um levantamento do banco revelou que os principais motivos para os consumidores buscarem crédito neste ano são para lidar com emergências, liquidar dívidas, adquirir imóveis e investir em educação.