Depois de sucessivos adiamentos, o presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para esta quarta-feira (4) uma sessão para análise de vetos do presidente Jair Bolsonaro. Entre eles, o da extensão da desoneração da folha de pagamentos a 17 setores da economia que empregam cerca de 6 milhões de pessoas. A expectativa é que o governo saia derrotado neste caso.
A sessão de votação na Câmara dos Deputados acontecerá pela manhã, a partir das 10 horas, e continuará à noite, a partir das 19 horas. Já a do Senado ocorrerá à tarde, às 16 horas. Ambas serão feitas virtualmente, em virtude da pandemia do novo coronavírus. Apenas os presidentes das duas Casas e alguns líderes comparecerão pessoalmente ao Congresso.
Segundo Alcolumbre, a sessão só não acontecerá caso os partidos da base do governo decidam não dar quórum, ou seja, caso os parlamentares não marquem presença virtual na sessão, o que impede que ela seja iniciada. Essa possibilidade está sendo cogitada pelo governo, que avalia os ônus e a possível aderência dos parlamentares. O quórum mínimo para iniciar uma sessão do Congresso é de 257 deputados e 41 senadores.
O grande porém é que, caso a sessão não aconteça, o projeto que libera R$ 6,1 bilhões para obras de infraestrutura não será votado, prejudicando o próprio governo, em especial os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio Freitas (Infraesteutura).
Para um veto ser derrubado, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 de senadores. Se o veto for referente a um texto que teve origem na Câmara, a apuração começa pelos deputados. Se for sobre um texto originado no Senado, a apuração inicia-se pelos senadores. Caso uma das Casas vote pela manutenção, o veto já é mantido automaticamente e a votação na outra Casa nem acontece.
Veto à desoneração da folha de pagamentos é o mais polêmico
O ponto mais polêmico que deve ser analisado nesta quarta é o veto 26/2020, da extensão à desoneração da folha de pagamentos a 17 setores da economia. Essa desoneração permite que as empresas desses setores troquem o recolhimento de 20% sobre os salários dos empregados – dinheiro que vai para a Previdência – por um recolhimento sobre a receita bruta. O valor desse recolhimento varia 1% a 4,5%. Com isso, as empresas acabam pagando menos impostos.
Esse benefício terminaria em 31 de dezembro de 2020, mas os parlamentares aprovaram a prorrogação por mais um ano, até dezembro de 2021, sob a justificativa da manutenção de empregos em um período pós-crise. As empresas beneficiadas pertencem a setores intensivos em mão de obra, como comunicação, transportes, construção civil, têxtil e call centers. Elas empregam cerca 6 milhões de pessoas, segundo suas associações, e dizem que teriam de fazer demissões caso a desoneração acabe neste ano.
O presidente Bolsonaro vetou a extensão até 2021, mantendo o fim do benefício até dezembro deste ano, como está previsto na lei. Ele atendeu a um pedido da equipe econômica, que alega que a extensão do benefício acarreta renúncia de receita sem o cancelamento de outra despesa obrigatória equivalente, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O Ministério da Economia também diz que o dispositivo seria inconstitucional, porque fere a reforma de Previdência, que entrou em vigor em novembro de 2019. A reforma veda desonerações verticais e com mudança da base de cálculo que sejam posteriores à Emenda Constitucional 103/2019 (da reforma).
Já a mesa diretora da Câmara dos Deputados afirma que não há inconstitucionalidade, pois não se trata de uma nova desoneração e sim a extensão de um benefício já existente, o que não fere à Emenda 103/2019. Sobre a renúncia de receita, a mesa diz que os parlamentares podem, no próprio Orçamento, cortar despesa equivalente, o que torna a medida legal.
O Orçamento de 2021 foi feito pelo governo prevendo o fim da desoneração. Caso os parlamentares estendam por mais um ano, eles terão de cortar R$ 4,9 bilhões em despesas discricionárias.
Derrubada do veto da desoneração é dada como certa, se houver quórum
Apesar da equipe econômica ser contra, a derrubada do veto é dada como certa pelos parlamentares. Os próprios líderes do governo no Senado e no Congresso, senadores Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-SE), já deram entrevistas afirmando que o veto será inevitavelmente derrubado.
O presidente Davi Alcolumbre afirmou que, mesmo sem acordo entre governo e congressistas, a sessão do Congresso continuará convocada para esta quarta-feira. Ele já teve que cancelar duas sessões por falta de acordo, além de adiar outras tantas. Agora, não quer mais ficar com esse ônus.
Alcolumbre tem dito que a sessão só não acontecerá caso os partidos da base do governo decidam não dar quórum, impedindo seu início. O movimento é cogitado pelo governo.
Os parlamentares, contudo, vêm sendo bastante pressionados a votar logo e a derrubar o veto. Os setores que são beneficiados pela desoneração afirmam que precisam fazer seus planejamentos para 2021 e, para isso, precisam de uma definição sobre o veto. Caso o veto seja mantido, eles alegam que terão de fazer demissões. A Federação Nacional de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra) diz, por exemplo, que o fim da desoneração pode resultar no corte de 500 mil postos de trabalho.
Duas manifestações favoráveis à prorrogação da desoneração da folha aconteceram nesta terça-feira (3), véspera da votação. Um foi em São Paulo, na Avenida Paulista, promovida pelas centrais sindicais. Já em Brasília o ato aconteceu em frente ao Ministério da Economia e ao Palácio do Planalto.
Segundo a Receita Federal, a desoneração da folha já custou R$ 118 bilhões aos cofres públicos. A medida foi criada em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e desde então vem sendo sucessivamente prorrogada, resultando em uma renúncia de arrecadação aos cofres públicos que precisa ser compensada pelo Tesouro para não desfalcar a Previdência. Inicialmente, ela beneficiava 56 setores, e agora, 17.
Veto ao novo marco do saneamento também está na pauta
Além da desoneração, os parlamentares também vão analisar o veto presidencial a trechos do novo marco do saneamento. A principal polêmica é em torno do artigo 16, vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Esse artigo previa que os contratos de concessão atuais e vencidos poderiam ser renovados mediante acordo entre as partes até 31 de março de 2022. O prazo de renovação seria de 30 anos.
Os senadores acusam o governo de uma quebra de acordo. Durante a sessão plenária do Senado que aprovou o marco do saneamento, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, afirmou que o presidente não vetaria o artigo em questão, em troca da aprovação do projeto. Partidos de oposição e o MDB, Cidadania e PSL estavam contra o projeto. Com o acordo selado na sessão, o texto foi aprovado por 65 votos a 13.
Ao chegar para análise do Planalto, o presidente recebeu a orientação dos Ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional para vetar o artigo 16 e outros dez artigos, o que causou indignação nos senadores. “Eu não esperava. Foi um tiro no pé que o governo está dando", disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-SP), relator da matéria no Senado, na época. "Se infelizmente por parte do governo não houve a eficácia do entendimento, a gente tem como corrigir aqui na sessão no Congresso e dar a resposta", disse Davi Alcolumbre.
O governo alegou que o artigo 16 e outros dariam sobrevida aos contratos das empresas estaduais públicas de saneamento, o que vai contra à ideia central do próprio marco do saneamento. O projeto busca abrir o setor à iniciativa privada, acabando com os contratos de programa, em que os municípios transferiam a execução dos seus serviços de saneamento para empresas públicas dos governos estaduais. O novo marco obriga municípios e estados a abrir licitação para contratação de serviços de saneamento.
A derrubada do veto no Senado é dada como certa, mas a proibição tende a ser mantida pela Câmara dos Deputados, o que seria uma vitória do governo. Os governadores, contudo, tentam convencer os deputados a votar pela derrubada.
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