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Contas Públicas

Desoneração da folha de pagamento afeta empresas e expõe divergência entre Poderes

Desoneração da folha
Haddad e Pacheco não chegaram a acordo sobre formas de compensar a desoneração (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A novela da desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores da economia e dos municípios de até 156 mil habitantes está longe de seu capítulo final. Executivo e Congresso não chegaram a um acordo sobre formas de compensar a renúncia fiscal.

Enquanto isso, o setor produtivo convive com a incerteza e a insegurança jurídica que impede o planejamento dos investimentos e geração de empregos. "No cenário atual, as empresas dos setores impactados não conseguem implementar planos estratégicos”, afirma, Gustavo Taparelli, da Abe Advogados.

Na terça-feira (16), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, presidente em exercício da corte devido ao recesso judicial, atendeu o pedido conjunto dos dois Poderes e prorrogou a data limite para definições sobre a reoneração da folha até 11 de setembro. O prazo acabaria nesta sexta-feira (19).

“A construção dialogada da solução não permite o açodamento e requer o tempo necessário para o diálogo e para a confecção da solução adequada”, afirmou Fachin,

A prorrogação foi necessária porque, em 17 de maio, o ministro Cristiano Zanin, do STF, suspendeu por 60 dias a decisão que havia proferido em abril, restabelecendo a reoneração da folha.

Zanin atendeu ao pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo argumentou a necessidade de o Congresso apontar fonte de compensação para a despesa, conforme prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O magistrado determinou que, caso não fosse apresentada uma solução, os efeitos da liminar seriam restabelecidos e os setores e as prefeituras voltariam a pagar impostos integrais sobre a folha de pagamento de seus funcionários.

Impasse sobre desoneração da folha revela protagonismo do Judiciário

Para Taparelli, o imbróglio da desoneração evidencia o aumento das alçadas e prerrogativas dos poderes Executivo e Judiciário “sem autorização da Constituição, em desrespeito à tripartição dos Poderes”.

O governo tentou de todas as formas evitar a prorrogação da desoneração da contribuição previdenciária dos setores, mas foi vencido no Congresso. A prorrogação da desoneração foi aprovada em agosto do ano passado. O presidente vetou integralmente a medidas, mas o Congresso derrubou o veto.

Depois, tentou impor duas medidas provisórias - a MP 1202, editada no apagar das luzes de 2023 e a MP 1223, em junho, que limitava compensação de créditos de PIS/Cofins como forma para compensar a desoneração.

As iniciativas, apelidadas, cada uma a seu tempo, de “MP do fim do mundo”, geraram forte reação do empresariado e aprofundaram o desgaste entre a Fazenda e o Legislativo. A saída foi apostar na judicialização do tema.

Taparelli alerta para a incongruência das decisões do Supremo. “Em uma decisão estranha, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da referida prorrogação”, lembra o advogado. “Porém, o mesmo STF, que estava convicto dessa inconstitucionalidade, prorroga agora pela segunda vez os efeitos da sua decisão, e econômicos por conta das dúvidas sobre a incidência tributária.”

Negociações serão retomadas em agosto

Com a decisão de Fachin, senadores e a Fazenda voltarão à mesa de negociações após o recesso parlamentar. “Há um certo impasse, uma indefinição em relação à concepção dessas fontes de compensação e, até aqui, vigorou o diálogo institucional, respeitoso, para que possamos ter uma solução definitiva”, disse na terça-feira o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), dando o tom do embate entre os dois Poderes.

Na semana passada, a equipe econômica apresentou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a proposta de aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas em até um ponto percentual durante dois anos. O aumento da alíquota significaria um aumento de arrecadação de R$ 17 bilhões por ano, estima a Fazenda.

“A contribuição foi escolhida porque vai toda para os cofres federais”, explica Murilo Viana, especialista em contas públicas. “No caso de aumento de imposto de renda, a arrecadação teria de ser distribuída entre estados e municípios por meio de fundos de participação.”

O Congresso, no entanto, já manifestou que não pretende aprovar medidas que aumentem a carga tributária. “Não tem lógica desonerar um setor e dizer que o mesmo setor vai ser onerado na CSLL”, declarou o presidente do Senado.

Propostas do Senado são insuficientes, diz governo

Pacheco defende basicamente quatro propostas:

  • regularização de valores de imóveis na declaração do Imposto de Renda, ou seja, uma atualização dos valores dos ativos que vai aumentar o IR arrecadado;
  • a taxação de compras de até US$ 50 no e-commerce - conhecida como a “taxa das blusinhas”;
  • abertura de um novo prazo de repatriação de recursos no exterior;
  • Refis (programas de refinanciamento de dívidas) para empresas com multas e taxas vencidas cobradas pelas agências reguladoras.

Para o governo, as medidas não são suficientes para compensar a renúncia fiscal com a desoneração. Além de pontuais, o cálculo de algumas delas na arrecadação é complexo, e o impacto, questionável.

A Fazenda chegou a propor um “gatilho” que permitiria o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) em até 1 ponto percentual caso as medidas apresentadas por Pacheco não atingissem a quantia necessária para a compensação. O Senado resistiu.

“Com o gatilho, o governo jogou a responsabilidade para o Congresso pela fonte de compensação”, avalia Viana. “É uma forma de dizer que, se há tanta certeza de que as medidas propostas pelo Legislativo são suficientes, não haveria problema em manter o dispositivo, que acabaria não sendo usado.”

Mas também não há consenso sobre os números. A Fazenda fala na necessidade de R$ 26 bilhões anuais. O Senado aponta para algo próximo a R$ 17 bilhões anuais.

Governo aposta em acordo para compensação

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), relator do projeto que formaliza o acordo de prorrogação, tentou amenizar as divergências na terça-feira (16), alegando existir “boa fé” de ambos os lados.

“Um [lado] estima que [a proposta] cobrirá [o valor a ser compensado]; outro estima que não cobrirá. Isso só será sabido, o número concreto, quando for feito o programa [de atualização de ativos, por exemplo, uma das propostas de Pacheco]. São números que não conseguimos precisar”, afirmou.

Também na terça, pouco antes da apresentação do pedido de prorrogação ao STF, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, reforçou a necessidade de chegar a um texto “confortável” para a pasta.

“Desde que feche a compensação, nós temos que fechar o número. Esse é o nosso problema. Porque, como é a escadinha da reoneração de quatro anos, eu tenho que ter um conjunto de medidas que compense esse número”, afirmou.

Caso haja acordo, Haddad prevê um “céu de brigadeiro” para as contas públicas. “Nós vamos ter tranquilidade para concluir a execução orçamentária desse ano e dos próximos, e estabilidade”, disse o ministro.

Entenda o imbróglio da desoneração da folha

O modelo de desoneração da folha de pagamentos foi instituído em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e prorrogado diversas vezes pelo Congresso Nacional.

A ideia era estimular a geração de empregos. É um model oem que setores intensivos em mão de obra podem substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Os setores atingidos pelo programa empregam cerca de 9 milhões de pessoas. A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre os beneficiados.

Em 2023, a desoneração foi prorrogada pelos parlamentares, depois vetada por Lula e restabelecida pelo Congresso a partir da derrubada do veto. Mais adiante, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com a desoneração e conseguiu, graças a uma liminar do ministro Cristiano Zanin.

Posteriormente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegaram a um acordo que prevê a manutenção da desoneração neste ano e o aumento progressivo da cobrança a partir de 2025.

Com isso, a alíquota dos setores contemplados passaria a ser de 5% sobre a folha de salários em 2025, 10% em 2026, 15% em 2027 e 20% em 2028. A proposta, na forma de projeto de lei, precisa ser votada, com a indicação das fontes de compensação, conforme liminar do STF.

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