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Mercado financeiro

Dias de pânico: o que explica a disparada do dólar e dos juros

Dias de pânico: o que explica a disparada do dólar e dos juros
A cotação do dólar sobe quase sem tréguas desde setembro, e ganhou força após pacote fiscal do governo. E os juros reais da dívida chegam a passar de 8%. (Foto: André Coelho/EFE)

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O mercado financeiro tem vivido dias de pânico, com forte volatilidade nas negociações de câmbio e de títulos do Tesouro Nacional. Na venda de títulos da dívida pública, o governo aceitou pagar as maiores taxas reais de juros em 16 anos – e mesmo assim não conseguiu vender tudo o que pretendia. O dólar, enquanto isso, testa novos patamares: nesta quarta-feira (18), as cotações superaram o nível de R$ 6,20 alcançado na véspera.

Buscando conter a turbulência, o Tesouro Nacional anunciou medidas extraordinárias. Cancelou o leilão tradicional de títulos previsto para quinta-feira (19) – algo que não ocorria desde a pandemia de 2020 – e anunciou leilões diários de compra e venda. Já estão previstos leilões desse tipo até sexta-feira (20).

Essas ações têm o objetivo de oferecer liquidez e reduzir a pressão sobre as taxas de juros no mercado secundário. Com a venda de títulos, o governo fará novas captações de recursos. Com a compra, permitirá que investidores possam se desfazer de títulos adquiridos anteriormente, cujos preços despencaram nos últimos dias – quando o juro sobe, o valor do título cai, e vice-versa.

Ao menos por enquanto, a operação do Tesouro não funcionou: o leilão desta quarta-feira foi um fracasso.

Medidas como essas, vale destacar, têm caráter temporário. Sozinhas, não revertem a percepção de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca enfrentar o déficit fiscal com paliativos. A visão predominante é de que o presidente está mais preocupado com popularidade e eleições e não tem interesse em fazer um ajuste sólido, capaz de colocar as contas públicas no azul e reverter a escalada da dívida.

Para analistas, o Banco Central tem trabalhado sozinho para conter os ânimos, com o aumento da taxa básica de juros para esfriar a economia e segurar a inflação, ao passo que o governo hesita em conter seus gastos e busca manter o consumo em alta.

Na semana passada, o BC promoveu a maior alta de juros em dois anos e meio ao subir a Selic em 1 ponto porcentual, para 12,25%. E ainda anunciou que deve fazer mais dois aumentos do mesmo tamanho no início de 2025. Em ocasiões normais, um gesto assim atrairia dólares ao país, derrubando cotações. Mas não foi o que ocorreu.

Juros reais passaram de 8,2% ao ano

Em leilão realizado na terça-feira (17), o Tesouro Nacional aceitou pagar juros reais de 8,24% ao ano na NTN-B com vencimento em três anos, o maior patamar desde 2008. Em dezembro daquele ano, em meio à crise financeira global desencadeada pela quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, a remuneração chegou a 8,86%.

Também conhecida como Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais, a NTN-B é um título que garante o repasse da inflação mais uma taxa de juros. Mesmo com o juro elevado, pouco menos de um quarto do lote oferecido pelo governo na terça foi vendido.

Títulos com vencimento em sete anos alcançaram juros reais de 7,54%, maior patamar desde 2021. Nesse caso, todo o lote foi vendido. Para 25 anos, a remuneração chegou a 7,2%, a mais alta desde 2022. Mas nem 10% desses títulos foram comprados pelo mercado.

O primeiro leilão extraordinário de compra e venda, nesta quarta, foi um fracasso. O Tesouro ofereceu títulos NTN-F com taxas prefixadas e juros semestrais, sendo 300 mil com vencimento em sete anos e 300 mil, em dez anos. Nenhuma instituição comprou.

Em sentido oposto, o Tesouro se propôs a recomprar 2 milhões de títulos do mesmo tipo, mas o mercado aceitou vender apenas 200 mil ao todo, com taxas de 15,17% para o vencimento em sete anos e 14,71% para dez anos. Como reflexo, as remunerações do Tesouro Direto voltaram a bater recordes.

Os dados refletem o aumento da percepção de risco em relação à dívida brasileira. Quando o governo precisa oferecer juros tão altos, é sinal de que os investidores estão exigindo um "prêmio" maior para adquirir esses papéis.

Quando os juros sobem, o preço dos títulos no mercado secundário cai, pois títulos mais antigos, com taxas menores, tornam-se menos atraentes. Isso significa que investidores que precisam vender esses papéis enfrentam perdas significativas e podem ter dificuldade em encontrar compradores.

Esse movimento de desvalorização dos ativos aumenta a aversão ao risco e pode levar a vendas forçadas, gerando ainda mais pressão sobre os juros.

Algoritmos de negociação automática – programados para buscar rentabilidade em negociações rápidas – podem ter exacerbado os movimentos dos últimos dias, intensificando a volatilidade.

Dólar volta a subir e passa de R$ 6,20

A cotação do dólar reflete o ambiente de tensão e incerteza. A moeda norte-americana sobe com poucas tréguas desde setembro, quando oscilava entre R$ 5,40 e R$ 5,60, e ganhou fôlego adicional a partir do fim de novembro, com a recepção ruim ao pacote de contenção de gastos apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Além de apenas desacelerar o avanço dos gastos federais, o pacote veio acompanhado de uma reforma no Imposto de Renda considerada populista: a ideia do governo é dar isenção a quem recebe até R$ 5 mil por mês, a ser compensada por uma taxação maior de contribuintes mais ricos.

As oscilações do dólar ficaram mais fortes nos últimos dias, e a moeda completa cinco dias consecutivos de alta nesta quarta. Esse movimento é influenciado pela busca por proteção contra riscos (“fuga para a segurança”) e outras razões.

Fatores externos já contribuíam para um dólar mais valorizado mundo afora. Um deles é a sinalização pelo Fed, o banco central norte-americano, de que os cortes nos juros dos Estados Unidos podem ser menores que os esperados – o que leva a uma migração de recursos para os EUA.

No Brasil, as desconfianças relacionadas às contas públicas eram fonte de pressão sobre o câmbio há muito tempo. Mas elas ganharam corpo depois que o governo Lula apresentou um pacote que, na visão de boa parte do mercado e especialistas em contas públicas, é insuficiente para estabilizar a dívida pública.

Além disso, pode haver um componente sazonal. Nesta época do ano, é comum que multinacionais comprem dólares para remeter lucros às matrizes. Essa demanda, num cenário que já era de pressão sobre o câmbio, pode ter contribuído para acelerar a alta do dólar frente o real.

Na semana passada, a compra de dólares por importadores foi uma das razões apontadas para o rápido "rebote" do dólar, que chegou a ficar algumas horas abaixo de R$ 6 mas logo se recuperou.

A volatilidade levou o Banco Central a intervir no mercado de câmbio, oferecendo dólares em leilões no mercado à vista. As iniciativas tiveram pouco efeito e a moeda norte-americana continuou subindo.

Na terça, por exemplo, as cotações só cederam depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), incluiu na pauta a votação de parte do pacote fiscal preparado pelo governo. Após bater em R$ 6,20 na máxima do dia, o dólar fechou a terça praticamente estável, em R$ 6,09 – a maior cotação nominal de fechamento da história.

Nesta quarta, porém, a moeda voltou a ganhar força. Por volta de 15h30 desta quarta, era vendida a R$ 6,20. Meia hora depois, passava de R$ 6,24.

Para Danilo Igliori, economista-chefe da fintech Nomad, a persistência do câmbio acima dos R$ 6 "reflete a deterioração nas expectativas com relação à economia brasileira após os anúncios de ajustes nas despesas e propostas de reforma no Imposto de Renda".

Ele destaca o pessimismo das projeções do mercado, coletadas pelo boletim Focus do Banco Central, que incluem a inflação cada vez mais próxima de 5% – em 2024 e também 2025 – e a perspectiva de taxa básica de juros (Selic) em dois dígitos pelo menos até o fim de 2027.

Por que o dólar e os juros estão em alta?

Embora os riscos fiscais do país sejam a razão preponderante para as altas do dólar e dos juros, não há uma única explicação para os movimentos recentes. Confira no resumo a seguir os fatores apontados por analistas:

  • Inflação e expectativas desancoradas: o mercado vê riscos de que a inflação futura fique acima das metas do Banco Central, o que eleva os juros exigidos pelos investidores.
  • Política fiscal: investidores não veem clareza sobre as metas fiscais, nem vontade efetiva do governo e do Congresso em interromper a escalada dos gastos públicos, o que eleva a percepção de risco sobre a dívida pública.
  • Perdas com títulos: investidores que sofrem perdas em títulos da dívida pública – por causa da alta dos juros – ou precisam levantar dinheiro podem ser forçados a vender suas posições, ampliando a pressão sobre os juros e desestabilizando o mercado.
  • Riscos externos: a incerteza sobre a política monetária nos Estados Unidos – com chance de que a queda dos juros seja menor que a esperada – e a possibilidade de uma desaceleração global aumentam a aversão ao risco em países emergentes como o Brasil.
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