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Embora enfrente resistência dos senadores de oposição, Flávio Dino, ministro da Justiça indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Supremo Tribunal Federal, deve ter seu nome aprovado pelo plenário do Senado e, assim, reforçar a influência da gestão petista na Corte.
Sua indicação acontece num momento em que o Supremo prioriza as pautas econômicas num alinhamento claro com o Executivo. Matérias de impacto direto na arrecadação e nas contas do Tesouro, como a liberação do pagamento de precatórios, dão força extra ao governo na tarefa na alcançar as metas de resultado primário, previstas na regra fiscal.
No radar de pautas econômicas no STF estão a retomada do julgamento da Lei das Estatais, a decisão sobre a representação do governo na Eletrobras privatizada e a correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço pela poupança.
A expectativa de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que Dino consolide na Corte uma visão mais à esquerda, estatizante e, claramente, próxima a de Lula e a do PT. "Por mais que se espere que o ministro se oriente com independência e critérios técnicos, Dino é o homem de confiança de Lula", diz José Paes, mestre em Direito e membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB.
Rodrigo Marinho, diretor-executivo da Frente Parlamentar do Livre Mercado (FPLM), é mais contundente. "Se ele passar na sabatina, o que espero que não aconteça, será um aliado de Lula nas pautas do governo, contribuindo para a politização do Judiciário," afirma.
Politização e "vermelhização" do Supremo Tribunal Federal
Além da politização do STF, que tem sido objeto de conflito com o Senado, o risco, para os críticos do ministro, é uma "vermelhização" da Corte. Dino, hoje no PSB, começou na vida política no PCdoB e carrega o estigma de "comunista" e oponente "perigoso" na população de direita. É classificado como mais à esquerda que o ministro Luiz Roberto Barroso, festejado pelos progressistas.
"Ele se diz comunista com orgulho. Vai ser contrário a qualquer tema de abertura de mercado, livre comércio e seguir os passos de Lênin, como ele mesmo diz", destaca Marinho.
Como governador do Maranhão, em dois mandatos (2015-2022), Dino foi considerado pragmático, chegando a promover parcerias e investimentos privados. Mas provavelmente não corroborará com medidas que diminuam a presença do Estado nos setores econômicos.
"A visão econômica é retrógrada e ideológica. Basta ver a destruição dos indicadores econômicos do Maranhão, que ele governou", ressalta Marinho.
Decisão sobre Eletrobras pode explicitar viés intervencionista
Apresentada pelo Executivo ao Supremo Tribunal Federal, uma ação para ampliar o poder de voto da União nas decisões da Eletrobras, privatizada em 2022, é uma das mais emblemáticas da intervenção do Estado a ser apreciada pela Corte. Se tiver o nome aprovado pelo Senado, o novo magistrado poderá participar desse julgamento.
Em maio, por meio da Advocacia-Geral da União, o governo acionou o STF contra trechos da lei que autorizou a venda da empresa. A ação contesta o dispositivo sobre a redução na participação da União em votações no conselho.
Visando a governança da empresa e a diluição do poder dos majoritários, a lei da privatização da companhia impediu que um acionista ou um grupo de acionistas exerça poder de voto superior a 10% da quantidade de ações.
As políticas da empresa são definidas por um Conselho de Administração, com representação tanto dos sócios majoritários quanto dos minoritários. O argumento da AGU é de que o governo federal, que detém cerca de 42% das ações ordinárias, foi prejudicado pela norma.
Em agosto, a Procuradoria-Geral da República, ainda sob a gestão de Augusto Aras, se manifestou favorável ao governo. A matéria tem a relatoria do ministro Kassio Nunes Marques, que ainda não se manifestou, e não tem data prevista para votação.
"Nessa matéria, como em outras, expectativa é cada vez mais intervenção do governo, com abertura para mais nomeações, controle de preços e até aumento de participação no capital social da empresa, tudo ao contrário do que beneficia o mercado, gerando ineficiência e distorção", avalia o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, presidente da Frente Parlamentar do Livre Comércio.
Lei das Estatais, direito do Trabalho e correção do FGTS
No mesmo sentido, opina o deputado, deve ser o entendimento de Dino sobre a Lei das Estatais, aprovada em 2016 para proibir indicações de pessoas ligadas diretamente a governos e com ligação direta com partidos políticos para a diretoria de empresas públicas.
Atendendo à liminar do PCdoB, a constitucionalidade da lei estava sendo julgada no STF quando uma decisão do então relator, o ex-ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu parte da lei, o que permitiu a nomeação de Aloizio Mercadante à presidência do BNDES. A liminar continua valendo e a matéria não tem data para ser retomada.
Em pautas do direito do trabalho, como o contrato de trabalho intermitente ou decisões sobre aplicativos, não há dúvidas sobre o posicionamento de Dino, que já foi advogado trabalhista no início da carreira.
Marinho considera interessante observar o posicionamento dele em relação ao índice de correção do FGTS, em que se julga correção não inferior à poupança, um tema que deveria ser julgado em dezembro, mas que o governo Lula busca adiar para não prejudicar as fontes de financiamento do novo Minha Casa, Minha Vida.
"O governo entende que o dinheiro do trabalhador pertence a ele, para fazer política pública na construção civil", critica o diretor da FPLM. Neste caso, apesar do direito à correção ser legitimo, Marinho não acredita no voto favorável de Dino, caso realmente passe a ocupar uma cadeira no Supremo. "Entre o direito do trabalhador e o interesse do governo, Dino deverá priorizar o governo", diz.
Vocação para protagonismo, articulação e autoritarismo
Com estilo combativo, debochado e lacrador, a chegada de Dino ao Supremo promete contrastar com o estilo low profile que os recém-empossados costumam adotar. "Pelo perfil histórico, o ministro deve virar um protagonista nas articulações da Corte", prevê Paes.
Fontes ligadas ao mercado preveem possíveis disputas por espaço com Alexandre de Moraes. Com Gilmar Mendes, a relação é de amizade e antiga. Dino foi diretor da Escola de Direito de Brasília (Edap/IDP) em meados de 2011, quando o instituto foi fundado pelo ministro do STF.
A expectativa de como os magistrados vão se acomodar é vista com cautela por analistas do cenário. Historicamente, o Supremo é uma corte fragmentada em visões e interesses. O consenso é de que, caso a chegada de Dino à Corte se confirmar, o ativismo continuará, o que deve intensificar a reação do Legislativo, leia-se do Senado, em relação aos avanços do Supremo.
Senadores da oposição, que prometem tornar a sabatina de Dino a mais dura da história da Casa, criticam a atuação dele como ministro da Justiça, incapaz de avançar com as necessidades da segurança pública do país. Também acusam o caráter autoritário e vingativo do indicado, que processou o influencer Monark por tê-lo chamado de "gordola".
A crítica mais contundente, no entanto, é em relação à negativa do ministro a fornecer os vídeos do ministério da Justiça no episódio do 8/01. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que Dino “desconsiderou, desprezou e ignorou” o Congresso Nacional durante a CPMI, ao faltar a convites para esclarecimento dos fatos.
"O ministro, durante mais de um mês, deu uma enrolada na Comissão dizendo que só poderia mandar se tivesse autorização do Supremo. E, por incrível que pareça, o Supremo determinou a entrega, e ele simplesmente não encaminhou. Agora, eu fico imaginando uma pessoa como essa no Supremo Tribunal Federal, com mandato vitalício e com o perfil que ele tem", disse na tribuna o senador.