Os rumores de que o governo federal estuda reduzir a remuneração da caderneta de poupança foram confirmados na segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se essa iniciativa avançar, o governo terá uma batalha pela frente. Qualquer que seja a medida, irá mexer com um exército estimado em cerca de 70 milhões de poupadores, que mantinham até o último dia 11 um saldo de R$ 218,6 bilhões uma turma que não está gostando nem um pouco da ideia de ter uma rentabilidade menor.
O grande obstáculo está na confiança que os poupadores têm na instituição da poupança. É gente como o aposentado Pedro Andrioli, de 73 anos, que mantém aplicado um valor que ele próprio considera pequeno. Ele confia que, se houver, a mudança não deve ser muito grande, mas mesmo assim é pessimista. "Não vai melhorar, vai piorar. E, como o governo anunciou com antecedência, quem tinha dinheiro na poupança vai tirar", prevê. Celso Marçal, bancário de 42 anos, é outro descrente. "O brasileiro já não tinha o hábito de poupar. Agora o governo vai desincentivar ainda mais", comenta.
Mas porque tanto barulho por causa de uma aplicação que é conhecida pela sua baixa rentabilidade? Na verdade, o problema é justamente esse. Como a taxa básica de juros (a Selic) está em queda, a rentabilidade da poupança começa a parecer alta na comparação com as alternativas disponíveis no mercado. E ela tem vantagens para o aplicador, como a isenção de Imposto de Renda e a ausência das taxa de administração, que são cobradas pelos fundos de investimento. Seu principal "concorrente" nesse mercado são os fundos DI, cujo patrimônio em 12 de março somava R$ 185,7 bilhões.
O governo preocupa-se agora com a poupança porque, se ela se tornar mais atraente, o investidor irá transferir recursos dos fundos de investimento para a caderneta. Isso resultaria em um efeito em cascata no mercado. Os bancos deixariam de comprar títulos públicos, que são como a matéria-prima dos fundos. Se quisesse continuar captando recursos, o governo teria de pagar juros mais altos, o que faria mal às suas finanças. Para os bancos seria má notícia também porque deixariam de ter a receita das taxas de administração, e também teriam uma captação menor nos seus CDBs. Os bancos gostam de captar dinheiro pelos CDBs porque eles podem aplicar esses recursos nas mais diversas finalidades com a poupança, são obrigados a destinar 65% para crédito imobiliário, que lhes é pouco rentável.
Alterações
Há diversas formas de mudar a poupança. O governo pode passar a cobrar impostos sobre o rendimento das cadernetas, reforçar o redutor aplicado sobre a Taxa Referencial (TR) de juros, vincular a rentabilidade plena a uma permanência mínima do investimento, ou simplesmente baixar os juros pagos pela aplicação (atualmente, a poupança paga 0,5% ao mês mais TR, o que dá uma rentabilidade de 6,17% ao ano, além da TR). Destas, a última é vista como a mais antipática. "A poupança sempre pagou esses juros, mudar seria muito impopular", diz o professor Jackson Sandrini, da UFPR.
Historicamente, apenas duas grandes mudanças foram feitas nas cadernetas de poupança. A primeira foi nos anos 80, quando a hiperinflação levou ao pagamento de rendimentos mensais, e não trimestrais. Há dois anos, em um outro momento de juros na descendente, passou-se a aplicar um redutor na TR.
Se a ideia é recuperar a capacidade dos fundos DI e de renda fixa frente à poupança, o governo poderia mirar nesses fundos. "Os fundos que diminuam suas taxas de administração", opina o professor Domindos Pandeló Júnior, da Fundação Getulio Vargas. "Em última instância, é isso que o investidor quer." Para ele, essa medida poderia vir acompanhada de uma redução na tributação da renda fixa embora fazer o governo renunciar a um tributo seja tarefa mais do que difícil.
Colaborou Elisa Lopes