A fila para concorrer a 350 empregos no supermercado Festval diz muito sobre a violenta mudança que o mercado de trabalho sofreu nos últimos anos. Ele virou do avesso.
Não muito tempo atrás, a expressão “apagão de mão de obra” estava na ponta da língua de nove em cada dez contratantes. Reclamava-se muito da falta de profissionais qualificados, mas o comércio e o setor de serviços estavam tão aquecidos que era difícil até preencher os postos que exigiam pouca escolaridade.
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Ninguém sofria tanto para contratar quanto os supermercados. Em 2012, quando a Secretaria do Trabalho e Emprego de Curitiba listou os dez setores com mais dificuldades, os varejistas superaram até a construção civil – então em pleno boom – nesse quesito.
O cliente que perdeu minutos preciosos de seu fim de semana esperando a vez de passar as compras, contando e recontando a quantidade de caixas vazios, há de lembrar os avisos onipresentes de “estamos contratando”.
Como bem observou o colega Carlos Coelho, editor desta Gazeta do Povo, as plaquinhas de “há vagas”, quase suplicantes, pareciam se multiplicar depois de feriados prolongados. Sabendo que o próximo emprego estava à espera na concorrência ou em qualquer outro lugar, muita gente não pensava duas vezes antes de largar o trabalho e curtir o feriadão. A rotatividade só subia.
Vagas para todos
“Redes que antes queriam candidatos com ensino médio completo, por exemplo, já aceitam pessoas com metade do ensino fundamental. Também não há mais preferência por faixa etária – anteriormente, a preferência era para quem tinha de 18 a 25 anos”, relatou uma reportagem de maio de 2010 intitulada “Há vagas, mas ninguém quer”.
“Como existem muitas vagas, os supermercados não estão exigindo experiência dos profissionais que desejam trabalhar. A única exigência é que os candidatos tenham mais de 16 anos”, informou outra matéria, três meses depois.
Naquele ano, em que várias bandeiras inauguraram lojas na cidade, a Agência do Trabalhador de Curitiba fez um mutirão oferecendo 1,5 mil vagas em sete redes. Duas semanas depois, precisou fazer outro, para tentar preencher 600 postos remanescentes. “As pessoas estão escolhendo mais qual o tipo de emprego, o salário e a jornada de trabalho”, disse o então secretário de Estado do Trabalho, Tércio Albuquerque.
É bem verdade que a escala de trabalho dos supermercados nunca foi a favorita dos trabalhadores, nem os salários. A disputa pelas vagas que o Festval vai preencher em suas duas novas lojas mostra que hoje esses inconvenientes já não incomodam tanto.
O tal apagão da mão de obra foi desaparecendo do noticiário conforme a economia esfriava. Mesmo assim, no fim de 2014, apenas um ano e meio atrás, a taxa de desemprego nacional ainda estava em 6,5%, uma das mais baixas da série histórica da Pnad Contínua, do IBGE. Naquele ano, mesmo com o PIB “crescendo” apenas 0,1%, o mercado formal criou 420 mil empregos.
Demissões em massa
O que aconteceu de lá para cá impressiona pela rapidez. Primeiro as empresas cortaram os empregos de baixa escolaridade. Depois, passaram a mandar para a rua os mais instruídos. Em 2015, pela primeira vez em pelo menos 12 anos, o mercado formal fechou postos de trabalho voltados a profissionais de nível médio e superior.
Mais de 1,9 milhão de vagas com carteira assinada foram fechadas desde o início do ano passado. O índice de desocupação subiu sem trégua e, em abril deste ano, alcançou a marca de 11,2% em todo o país. Em Curitiba, que sempre se orgulhou de ter desemprego bem abaixo da média brasileira, o número bateu em 10,6% no primeiro trimestre, segundo a Pnad. A escalada na cidade foi ainda mais brutal: em dezembro de 2015, apenas três meses antes, a taxa estava em 5,5%.
Perspectiva sombria
As previsões para os próximos meses não são melhores. Especialistas dizem que o mercado de trabalho reage de forma defasada à atividade econômica. Assim como demorou a refletir a estagnação, tende a responder mais devagar à retomada da economia, quando ela vier.
Para a consultoria MB Associados, o desemprego chegará a 13,5% antes de começar a cair, aos poucos, no fim do ano. Nem o governo está dourando a pílula: poucos dias depois de tomar posse, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, avisou a sindicalistas que o índice pode chegar a 14%.