Depois de um primeiro quadrimestre em que o real se valorizou 13,4% frente ao dólar e a moeda americana chegou a ser cotada a R$ 4,61, em 4 de abril, o movimento tende a perder força nos próximos meses e inclusive a se reverter, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Nesta sexta-feira (6), o câmbio fechou em R$ 5,08.
A volatilidade do dólar deve aumentar devido à campanha eleitoral e ao cenário macroeconômico nacional e internacional. “Teremos tempos de altas e baixas no câmbio”, diz Anilson Moretti, head de câmbio da HCI Invest.
Para o head de alocação da Davos Investimentos, Luís Felipe Melo, o momento é de maior aversão ao risco e os países emergentes são mais impactados. Em sete dos últimos oito fechamentos, o câmbio fechou acima dos R$ 5,00. Somente em abril saíram R$ 7,7 bilhões em recursos de investidores estrangeiros da B3, a bolsa brasileira. E, em maio, até o dia 3, outros R$ 3,4 bilhões tinham sido retirados.
Os especialistas apontam que há pelo menos cinco fatores que contribuem para essa maior pressão no câmbio:
- Risco Brasil
- Questões políticas
- Guerra entre a Rússia e a Ucrânia
- Desaceleração da economia chinesa
- Risco de recessão nos Estados Unidos
1) Risco Brasil afeta o dólar
Um dos fatores que tem contribuído para o aumento da cotação do real frente ao dólar é o aumento da percepção de risco em relação ao Brasil. E um dos principais indicadores disso é a insistência da inflação em permanecer na casa dos dois dígitos.
A prévia da inflação oficial (IPCA-15) fechou, nos 12 meses concluídos em abril, em 12,03%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já um dos principais índices gerais de preços, o IGP-M, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra uma variação de 11,54% nos últimos 12 meses.
No melhor dos cenários, a volta do IPCA a níveis inferiores a 10% ao ano só deve acontecer em meados do segundo semestre. E mesmo assim, isto não é o melhor dos mundos, diz o coordenador de preços da FGV, André Braz. “Estamos bem acima da meta em 2022”. Ela é de 5% e as projeções do Focus sinalizam para um ponto médio de 7,89%, 16ª semana seguida de alta.
A pressão inflacionária está levando o Comitê de Política Monetária (Copom) a promover elevações na taxa de juros. Nesta quarta-feira (5), a Selic passou para 12,75% ao ano, a maior desde fevereiro de 2017. A tendência é de uma nova alta em junho. Especialistas já falam na possibilidade de ela atingir o patamar de 14%.
“O recente rali nos preços das commodities tem sido um alívio de curto prazo para um exportador líquido, como o Brasil. Mas o aumento nos preços dos fertilizantes e dos combustíveis será repassado ao consumidor, adicionando pressão a um crescimento econômico deprimido, afetado por condições financeiras mais duras”, diz o analista Leonardo Pellandini, do banco suíço Julius Baer.
2) Questões políticas e fiscais
Os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que, daqui para a frente, a questão eleitoral tende a influenciar mais o cenário financeiro. Esta maior influência deve ser sentida à medida que a campanha ganha força. “É algo histórico”, diz Melo.
Aliada à questão eleitoral, há as incertezas de natureza fiscal. “Parcialmente” incorporadas ao cenário inflacionário e aos preços dos ativos, essas incertezas ampliam, segundo os estrategistas Maurício Une e Gabriel Santos, do Rabobank, os riscos em relação aos preços.
Apesar da tendência de queda da dívida pública, que está em 79,2% do PIB, e é motivada pela elevação da inflação, o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, diz que o cenário é de um endividamento elevado. E discussões sobre fim de teto de gastos tendem a aumentar o estresse no mercado financeiro. “O câmbio tende a ficar mais desvalorizado”, destaca.
3) Guerra entre Rússia e Ucrânia
Um evento que continua a influenciar nos rumos da economia mundial é a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro. Apesar de, em um primeiro momento, ter favorecido o direcionamento do fluxo de capitais para países como Brasil, agora, as pressões inflacionárias estão em alta.
Uma delas vem do lado da energia. E pode ser reforçada diante da possibilidade de a União Europeia reduzir fortemente a compra de petróleo russo. Outra fonte de preocupação vem do lado dos alimentos: os preços aumentaram 29,8% no comparativo entre abril de 2021 e 2022, aponta a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês).
4) Desaceleração da economia chinesa
Outrio fator que está contribuindo para a valorização do dólar é a desaceleração da economia chinesa, motivada pela política da zero Covid, que está causando lockdowns em importantes centros econômicos, como a região de Xangai, e ameaçam a capital, Pequim. No começo do ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava um crescimento de 4,8% no PIB da segunda maior economia mundial. Agora, a estimativa é de 4,4%.
A atividade industrial global já está sentindo os reflexos da pandemia na China. O índice de atividade industrial do JP Morgan teve a sua primeira desaceleração global desde junho de 2020, na fase inicial da pandemia.
Outro fator que está pesando, segundo o analista Heitor Paiva, da hEDGEpoint Global Markets, é a mudança regulatória na área imobiliária, que responde por aproximadamente 35% do PIB chinês. O movimento foi mais evidente no final do ano passado, com a crise da gigante Evergrande. “Diante dessa mudança, o país vai precisar de menos commodities.”
Ao mesmo tempo, a China está reorientando sua estratégia econômica. A intenção é depender mais do consumo interno, que em 2019 respondia por 39,2% do PIB. Só para comparar, no Brasil, essa relação é de 64,9% e nos EUA, de 67,9%, de acordo com a publicação britânica The Economist.
Paiva destaca que o cenário para a expansão da segunda maior economia global mudou drasticamente nos últimos anos. Entre 2015 e 2019, antes da crise detonada pela pandemia, o país cresceu a um ritmo de 6,7% ao ano. Nos cinco anos anteriores a expansão foi maior: 8,6% ao ano. “O país não é mais um dragão do crescimento.”
O comércio brasileiro com a China também está mudando. Apesar de, no primeiro trimestre, as exportações brasileiras terem aumentado 12,9% em valores (dólares), comparativamente ao mesmo período de 2021, elas caíram 7,1% em tonelagem, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
5) Inflação elevada e risco de recessão pelo mundo
Os temores de recessão nos Estados Unidos, causados pelo aumento na taxa de juros para combater a maior inflação desde dezembro de 1981, são um dos fatores que pesam na perda de força do real frente ao dólar. Na quarta, o Fed elevou a taxa em meio ponto percentual, a maior alta em 22 anos.
O diretor de câmbio da Ourominas, Mauriciano Cavalcante, afirma que a alta nos juros americanos, aliado ao aumento da inflação global, teve grande importância na redução do fluxo de capitais.
"Com a diminuição da entrada de capital externo, o dólar reverteu o ciclo de baixa para alta", diz. E essa tendência, segundo ele, tende a se aprofundar nos próximos meses, devido às eleições, quando o mercado fica volátil e com viés de alta.
O aumento de juros nos EUA e o temor de uma recessão nas principais economias globais faz com que os mercados emergentes passem a ter menos importância. "Há uma saída de ativos de maior risco em direção a ativos de maior qualidade, como é o caso dos Treasuries (títulos do Tesouro) americanos”, diz Moretti, da HCI Invest.
Os primeiros sinais sobre uma potencial recessão na maior economia global já são evidentes: o PIB americano teve uma retração de 1,4% no primeiro trimestre, em dados anualizados, segundo o Bureau of Economical Analysis, do Departamento de Comércio. É a primeira queda desde o segundo trimestre de 2000.
“Estamos entrando em um ponto de inflexão após a Covid, no qual fatores macroeconômicos estão pesando”, afirma Paiva, da hEDGEpoint Global Markets.
Mas não é só os Estados Unidos que vai ter de fazer a lição de casa, diz Paiva. Quem, também, logo, vai ter de mexer nos juros é a União Europeia. Em abril, segundo a Eurostat, a inflação anualizada na área do euro foi de 7,5%, a maior desde 1999.
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