A alta na cotação do dólar, que atingiu novo recorde nominal ao atingir R$ 4,26 nesta quarta-feira (27), tem gerado uma certa apreensão de setores do mercado, governo e consumidores. Afinal, não dá para prever quanto tempo vai durar a escalada da moeda americana, mas é possível listar alguns prós e contras desse preço.
Até o presidente Jair Bolsonaro, que repete a exaustão que não entende de economia, fez essa ponderação de que há pontos positivos e negativos na atual cotação. “Se você for analisar, na ponta da linha tem vantagens, prós e contras no dólar a 4,21 como está agora”, declarou o presidente na terça-feira (26) pela manhã, quando citou a cotação que o dólar fechou a segunda-feira (25).
Ele disse que estava torcendo para que o preço da moeda diminuísse. “Espero que caia, torço, torço para que caia a taxa Selic, que aumente nossa credibilidade diante do mundo. Agora a economia, é como eu disse, eu sou técnico de futebol. Quem entra em campo são os 22 ministros. Paulo Guedes está jogando na economia”, declarou ao sair do Palácio da Alvorada.
Vale ressaltar que esses recordes da cotação do dólar correspondem aos valores nominais da moeda em comparação ao real. Em termos práticos, a cotação de hoje é inferior às de 2002, por exemplo, porque há 17 anos de inflação acumulados que alterariam esses valores e também variações no poder de compra.
Bolsonaro está certo: há pontos bons e ruins para a alta do dólar, que vão além do incentivo para exportações e daquela viagem ao exterior que vai ficar mais cara. A Gazeta do Povo conversou com três especialistas – Cristiane Quartaroli, economista e estrategista de câmbio Banco Ourinvest, Marcelo Curado, professor de economia da UFPR, e Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto – para listar o que está em jogo com a variação do câmbio.
Pontos negativos da alta do dólar
Poder de compra
Aquela viagem para o exterior fatalmente ficará mais cara, assim como as compras que muitas pessoas planejam fazer fora do país. O dólar mais alto reduz o poder de compra, lembra Luciano Nakabashi, da USP Ribeirão Preto. “De uma forma geral, aumenta o preço dos importados, seja o que compra aqui ou o que compra fora”, lembra.
E essa ressalva sobre o que é comprado aqui no Brasil é importante, porque muito do que consumimos é suscetível a flutuações do câmbio. Um exemplo é a gasolina. Há alguns anos, a Petrobras mudou sua política de preços para combustíveis e repassa reajustes mais frequentes às distribuidoras – e consequentemente aos postos – por causa da variação do preço internacional do petróleo, que é negociado em dólar.
Risco de alta da inflação
É imprevisível cravar quanto tempo essa alta do dólar vai durar, porque a escalada da moeda americana responde a uma série de fatores internos e externos. Mas, um sinal de alerta que aparece é o risco de alta da inflação. Como atualmente a nossa taxa está muito baixa, o impacto deve ser menor. O preço da gasolina, por exemplo, pode pressionar o resultado da inflação pontualmente. O problema é caso a alta no câmbio persista. “Hoje esse efeito é pequeno, porque você está com a economia mais parada e as empresas não repassam o aumento do custo das matérias-primas para o preço final. Se a economia retoma, aí pode ter um problema de efeito de câmbio na inflação”, alerta Marcelo Curado, da UFPR.
Para Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, é preciso estar atento ao comportamento do Banco Central, que está promovendo leilões da moeda americana para controlar o câmbio, e a conjuntura econômica. “Se o dólar ficar em patamar elevado por muito tempo, mesmo que tenha um nível de atividade mais baixo, pode bater na inflação e aí vai influenciar”, explica.
Dívidas em dólar
Esse é um ponto que afeta principalmente as empresas que possuem dívidas em dólar, mas geram receitas em real. “Para empresas, um fator muito importante é o endividamento em dólar. É uma questão chave e que pode afetá-las muito negativamente. Vão ter que gerar mais receita para cumprir os compromissos”, pondera Marcelo Curado.
Pontos positivos da alta do dólar
Estímulo às exportações
A alteração no câmbio tem um efeito de estímulo às exportações que tende a ser mais positivo do que negativo. Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, cita um caso específico, que é o da exportação de carne. A China vem enfrentando um problema de peste suína, o que a levou a comprar mais carne bovina do Brasil. “É bom para a gente, porque vamos exportar mais e com o dólar mais alto. Recebemos um volume maior em dinheiro”, pontua.
No geral, é esse pagamento com uma moeda mais valorizada que traz o benefício. Cristiane pondera, ainda, que esse quadro não se aplica a todas as exportações nacionais. Um exemplo é a soja. O principal comprador do grão brasileiro é a China. Mas, em meio à guerra comercial com os Estados Unidos, os chineses passaram a importar mais soja dos americanos do que a nacional. Essa redução da importação da soja brasileira acaba fazendo com que a alta do dólar não tenha um efeito tão relevante.
Demanda de produção interna
O professor Marcelo Curado lembra que tornar as importações mais caras é ruim para o consumidor, mas pode ser positiva para alguns setores industriais. Em que pese que para quem importa máquinas e equipamentos e outros produtos, que vão pagar mais caro por eles, há um ponto positivo no estímulo de demanda da economia. Isso acontece porque se há redução na importação, consequentemente é preciso comprar mais bens produzidos no mercado interno.
A oscilação do câmbio é ruim porque gera incerteza e prejudica em algum grau tanto importadores quanto exportadores, mas no atual momento da economia brasileira pode ser vista como algo positivo. Quem explica é o professor Luciano Nakabashi, da USP Ribeirão Preto. “Se se mantém esse nível mais depreciado [do câmbio], acaba estimulando a indústria do Brasil e tem um aspecto positivo nesse sentido. A depender do tempo, se tiver apreciação ou depreciação, você pode mudar a estrutura produtiva”, analisa.
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