Agronegócio impulsionou o saldo da balança comercial em 2023, que chegou a US$ 98.9 bilhões. Mas exportadores preferiram deixar parte dos dólares no exterior.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo
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A valorização do real frente ao dólar em 2023 poderia ter sido maior se não fossem as incertezas políticas do país, aponta estudo realizado pela Genial Investimentos. A desconfiança fez com que exportadores deixassem de trazer para o Brasil parte dos dólares obtidos com a venda de commodities agrícolas e minerais. E o noticiário das últimas semanas, que pôs a moeda norte-americana em trajetória de alta, sugere que essa prática tende a continuar, jogando o dólar ainda mais para cima.

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A moeda norte-americana encerrou o ano passado cotada a R$ 4,841, 7,2% a menos do que o ano anterior, impulsionada, em parte, pela entrada de dólares provenientes de um robusto saldo na balança comercial (diferença entre exportações e importações), que chegou a US$ 98,9 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Segundo a corretora, o saldo na balança comercial, que foi recorde histórico e quase o dobro do registrado em 2020, poderia ter levado a cotação da moeda norte-americana a algo próximo a R$ 4,60 – 24 centavos abaixo da cotação efetiva ao fim do ano. Isso não ocorreu justamente porque nem todos os dólares obtidos com as exportações foram "internalizados"; parte deles foi mantida no exterior.

De lá para cá, as condições pioraram significativamente. Com a atividade econômica e a inflação acima do esperado nos Estados Unidos, a queda dos juros norte-americanos deve demorar mais a ocorrer, o que incentiva investidores a levar dinheiro para lá, tirando recursos de países como o Brasil. Esse movimento se intensificou nos últimos dias, com o acirramento das tensões no Oriente Médio e a mudança na meta fiscal do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após uma disparada nesta terça-feira (16), o dólar chegou mais perto de R$ 5,30.

Economistas da Genial observaram que a partir de 2022 houve um descolamento entre os valores exportados e o que de fato entra no país. Caso exportadores tivessem transferido os recursos para o Brasil no mesmo nível que faziam antes da pandemia, o real teria apresentado uma valorização superior à registrada. Antes da Covid-19, o percentual de internalização dos recursos era próximo de 100%.

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Entrada de mais dólares teria impactos positivos em inflação, juros e PIB

Caso os exportadores tivessem trazido mais dólares para dentro do país, os impactos não se limitariam à cotação do câmbio, diz José Márcio de Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

Ele aponta que haveria reflexos na inflação, que poderia ser menor. No ano passado, o IPCA subiu 4,62%. Uma queda mais acelerada nos índices de preços poderia levar a uma redução mais rápida nos juros. A taxa básica (Selic) começou a cair em agosto, quando estavam em 13,75% ao ano, e terminou 2023 em 11,75%; hoje ela está em 10,75%.

Uma queda maior nos juros estimularia um crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 2,9% no ano passado. Uma das variáveis que poderia ter sido influenciada com a entrada desses recursos seriam os investimentos, que encolheram 3% em 2023. “O agronegócio investiu apenas o necessário”, afirma Camargo.

O principal fator que levou à manutenção de parte do dinheiro no exterior foram as incertezas que pairam sobre a economia brasileira. Uma das mais preocupantes, de acordo com o economista-chefe da Genial, são as seguidas tentativas do governo federal de interferir no setor privado.

O governo tentou emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando na Vale e agora busca colocá-lo como conselheiro na Braskem. Também tenta, via STF, ampliar sua participação no conselho de administração da ex-estatal Eletrobras, privatizada em 2022. Além disso, indicou ministros e petistas para o conselho de empresas privadas das quais o BNDES é sócio.

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Problemas vão além das incertezas políticas

Os problemas que afetam a entrada de recursos vindos do exterior não se restringem às incertezas políticas. Dois outros pontos de interrogação para os exportadores são as dúvidas existentes em relação à reforma tributária e o grande contencioso tributário existente no país.

“Não se sabe nem qual vai ser a alíquota básica do novo IVA e como o agronegócio será impactado com isso”, diz Camargo. Provavelmente, o Brasil terá uma das alíquotas de IVA mais elevadas do mundo, superior a 27,5%.

Também preocupa, de acordo com ele, o que vai ser incluído no chamado Imposto Seletivo. A ideia inicial é sobretaxar bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. “Será que itens como petróleo e minério de ferro vão ser incluídos?", indaga.

O contencioso tributário também desperta preocupação entre os potenciais investidores no Brasil. “Nunca se sabe o rumo de uma decisão na Justiça. Uma hora o STF decide em um sentido, na outra em algo diferente. E o imposto que em uma decisão inicial não precisava ser pago, passa, depois, a ser cobrado.”

Dólar além dos R$ 5 no fim de 2024

Para o fim de 2024, a Genial projeta uma cotação superior a R$ 5, como vem sendo registrada nos últimos dias. Um dos motivos é que, diante da expectativa de uma safra menor – a projeção mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica para uma colheita de 295,6 milhões de toneladas, 7,6% inferior à anterior – e de que os juros permaneçam em um patamar restritivo, o investimento do agronegócio pode arrefecer, o que diminui os incentivos para que os exportadores repatriem os recursos do exterior.

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Segundo Camargo, as metas e os resultados das contas públicas devem ser um importante fator na determinação da trajetória do câmbio em 2024. A reação do mercado à mudança no objetivo fiscal de 2025 sugere que a pressão sobre o dólar não vai arrefecer tão cedo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]