Estudo da XP aponta que há fundamentos para o real se valorizar em relação ao dólar, mas “ruídos” locais – como as declarações e iniciativas de Lula – jogam contra.| Foto: Sebastião Moreira/EFE
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Um estudo divulgado no começo do mês pela XP Investimentos aponta que, considerando fatores estruturais e cíclicos, a taxa de câmbio brasileira poderia estar entre R$ 4,50 e R$ 4,85. Ou seja, os fundamentos econômicos permitiriam uma valorização do real em relação ao dólar, hoje cotado acima de R$ 5,20. A questão é se a política econômica do governo federal vai permitir esse movimento. Por enquanto, o "fator Lula" não tem deixado o dólar ficar mais barato.

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Um exemplo recente ilustra como as falas e iniciativas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pesam sobre as cotações. No dia 2, movida por fatores internos e externos, a taxa de câmbio caiu abaixo de R$ 5 pela primeira vez em oito meses. Durante o dia, chegou a ser negociada por R$ 4,94, encerrando a sessão com uma cotação média (Ptax) de R$ 4,99, segundo o Banco Central.

Porém, na noite do dia 2 a RedeTV exibiu uma entrevista com Lula em que, entre outras coisas, o petista voltou a atacar a política monetária do Banco Central, chamando o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, de "esse cidadão" e prometendo reavaliar a autonomia do BC. Resultado: no dia seguinte, a cotação média do dólar saltou para R$ 5,10. A situação piorou ao longo da última semana, com dólar chegando a R$ 5,25 na média das transações de sexta-feira (10).

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O economista Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio do Julius Baer Family Office (JBFO), também defende que o câmbio poderia estar bem mais barato – algo próximo de R$ 4,80, segundo ele. Em artigo na “Folha de S. Paulo”, Pessôa aponta que os discursos de Lula e a piora fiscal com a emenda constitucional que ampliou o teto de gastos – originada da PEC fura-teto – têm um custo de R$ 0,25 por dólar na taxa de câmbio.

Brasil tem "desalinhamento cambial", diz XP

O economista Rodolfo Margato, autor do levantamento da XP, aponta que há um desalinhamento cambial no Brasil, citando a diferença entre o câmbio corrente e aquele definido pelos fundamentos econômicos.

O problema é motivado pela deterioração das perspectivas fiscais e ruídos no ambiente doméstico, como os reiterados ataques de Lula à política monetária, às metas de inflação e à autonomia do Banco Central.

Esses ruídos domésticos contrabalançam a melhoria de fatores externos, como o enfraquecimento global do dólar e a elevação dos preços das commodities, por causa da reabertura econômica da China.

Levantamento da corretora mostra que em três meses – entre o início de novembro e de fevereiro – as moedas dos principais países emergentes apresentaram valorização frente ao dólar americano. As exceções são o peso argentino, o rublo russo e a lira turca. O real teve uma pequena valorização de 1,5% no período.

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Margato aponta que há espaço para o fortalecimento da moeda brasileira ao longo de 2023. Mas há uma série de fatores que podem influenciar nessa direção. “Isso depende, em grande medida, de uma menor percepção de riscos domésticos, sobretudo no campo fiscal. E o ano deve ser marcado por discussões difíceis em termos de política econômica, com várias idas e vindas”, diz.

Projeções de economistas, porém, mostram que há grande ceticismo sobre a possibilidade de o dólar rumar para níveis mais baixos. Segundo o último boletim Focus, divulgado pelo BC na segunda-feira (6), a mediana das expectativas aponta para dólar em R$ 5,25 ao fim deste ano e R$ 5,30 em dezembro de 2024.

Dólar perde força desde setembro, mas movimento pode ser revertido

Desde o último trimestre do ano passado, a moeda norte-americana enfrenta um gradual enfraquecimento. “A taxa de juros subiu bastante por lá”, diz o economista e sócio da Valor Investimentos, Gabriel Meira.

O indicador DXY, que mede a força do dólar frente a seis moedas fortes, perdeu 9% de seu valor desde o fim de setembro, indicam dados da plataforma de investimentos Investing.com.

A desvalorização foi motivada pela possibilidade de o encerramento do ciclo de alta de juros nos Estados Unidos estar mais próximo do que se imagina. O mercado trabalha com a possibilidade de a última alta acontecer em março. A inflação na maior economia global está vindo abaixo das expectativas há quatro meses.

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Parte das perdas do dólar, porém, foi revertida nos últimos dias. Os dados do mercado de trabalho norte-americano referentes a janeiro vieram bem mais fortes que o esperado, com a criação de 517 mil empregos não agrícolas. A expectativa era de 189 mil. O resultado foi lido como um sinal de que a economia dos EUA ainda está aquecida e pode exigir mais juros para manter a inflação sob controle.

Margato aponta que a divulgação desses dados nos Estados Unidos criou uma série de dúvidas do mercado. “Será que os juros vão subir depois de março? Será que vai ter espaço para que aconteça uma queda ainda em 2023?. Essas são questões que estão sendo feitas agora pelos agentes econômicos”, diz.

Outro fator que pode contribuir para reverter esse quadro de desvalorização do dólar, segundo o superintendente de tesouraria comercial do banco Daycoval, Marcelo Sanches, é o posicionamento de lideranças regionais do Fed (Federal Reserve, o BC americano).

Eles destacaram que, diante da piora no cenário externo, é plausível considerar uma taxa de juro acima de 6% ao ano nos Estados Unidos. Atualmente, está na faixa entre 4,50% e 4,75%.

O mercado também está de olho em uma possível recessão branda nas principais economias globais, como os Estados Unidos e a zona do Euro.

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A inflação está dando sinais de trégua nas economias ligadas à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os preços fecharam 2022 com alta de 9,4%, abaixo do pico de 10,8% em 12 meses registrado em outubro e também o menor nível desde abril. Na área do euro, a prévia da inflação anualizada é de 8,5% em janeiro, segundo a EuroStat.

São taxas ainda muito elevadas, porém. Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, há muito trabalho pela frente na Europa. “Eles começaram tardiamente a aumentar a taxa de juro”, diz.

Outro fator externo também ajuda a explicar a perda de valor do dólar nos últimos meses, aponta a economista Cristiane Quartaroli, do banco Ourinvest. Trata-se do fortalecimento da economia chinesa, que favorece as economias emergentes, muito dependentes do gigante asiático no fluxo comercial. Projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizam para um crescimento de 5,2% do PIB chinês neste ano, contra os 3% registrados em 2022, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas da China.

Tensões geopolíticas também estariam por trás do enfraquecimento da moeda americana, ressalta Meira. Entre elas estão a guerra na Ucrânia, as tensões entre China e Taiwan e os problemas energéticos na Europa.

Tensões domésticas impedem valorização mais forte do real sobre o dólar

Margato aponta que, apesar do cenário externo mais favorável, a taxa de câmbio brasileira apresentou muita volatilidade e desempenho inferior ao dos pares emergentes nas últimas semanas. A maior valorização nos últimos três meses foi do forint húngaro, seguido pelo bath tailandês e o won sul-coreano.

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A questão é que há muito ruído em Brasília, dizem analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. “A deterioração das perspectivas fiscais e questões políticas no ambiente doméstico contrabalançaram a melhoria de fatores externos”, explica o economista da XP.

“Há espaço para o fortalecimento do real ao longo de 2023. No entanto, isso depende, em grande medida, de uma menor percepção de riscos domésticos, sobretudo no campo fiscal. E o ano deve ser marcado por discussões difíceis em termos de política econômica, com várias idas e vindas”, destaca Margato.

Metas de inflação podem afetar rumos da política econômica e do dólar

Uma discussão que preocupa é em relação à condução da política monetária e à fixação de metas de inflação por parte do Conselho Monetário Nacional (CMN). Lula tem criticado com frequência o Banco Central e questionado a manutenção dos juros em 13,75% ao ano. “Mas há um viés de manutenção prolongada dos juros”, destaca o executivo do Daycoval.

Segundo a Bloomberg, a equipe econômica do governo estaria considerando uma revisão antecipada das metas de inflação, para aliviar as tensões entre o governo Lula e o Banco Central. O tema pode ser discutido na primeira reunião do CMN neste ano, marcada para a próxima quinta-feira (16). O colegiado é formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC.

Sanches aponta que flexibilizar a meta pode dar a impressão tolerância com uma inflação mais alta. As metas até 2025 já foram fixadas pelo CMN. Elas são de 3,25% em 2023 (podendo oscilar entre 1,75% e 4,75%) e de 3% em 2024 e 2025 (com intervalo de tolerância entre 1,5% e 4,5%). A definição para 2026 deve ser tomada em junho.

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O mercado já trabalha com cenários de revisão das metas. “Um ajuste de 0,25 ponto percentual seria, dos males, o menor. As perdas registradas nos últimos dias pelo mercado financeiro seriam devolvidas rapidamente”, diz Sanches.

Um cenário pior seria se houvesse uma mudança de um ponto percentual nas metas. O principal impacto, segundo ele, seria um juro real menor, o que diminuiria a atratividade do Brasil frente a outras economias emergentes. “O fluxo de capitais diminuiria”, afirma.

Outro impacto seria o encarecimento dos juros de captação para os investidores brasileiros. Ele aponta que isso poderia tornar mais caras as obras de infraestrutura. E, também, tornaria mais difícil o acesso ao crédito para as empresas privadas, o que poderia se refletir em mais inflação, já que os custos aumentariam.

Outro ruído é a discussão sobre a independência do Banco Central, constantemente criticada por Lula. A lei de autonomia do BC entrou em vigor em 2021, com o apoio do governo de Jair Bolsonaro (PL), e encontra respaldo em lideranças políticas como os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e da Câmara, Arthur Lira (PP).

Quartaroli, do banco Ourinvest, aponta que, no momento, o Brasil não apresenta um bom pano de fundo no cenário político e institucional: "Além do quadro fiscal que preocupa, é preciso que a questão política e institucional forneça uma história boa. Sem isso, o risco-país permanecerá elevado."

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Antes da pandemia, em 2019, o risco-país do Brasil – medido pelo Credit Default Swaps (CDS) de 5 anos, derivativo que é uma espécie de seguro contra calotes – estava em torno de 100 pontos. Atualmente está em 214 pontos, mas chegou a picos de 311 pontos, em setembro, durante a campanha eleitoral.

Questão fiscal é fator relevante na cotação do dólar

A questão fiscal é um fator relevante, destaca Serra, da Toro Investimentos. A PEC fura-teto liberou quase R$ 200 bilhões em gastos adicionais, além dos limites originais do teto de gastos, o que injeta mais dinheiro na economia e amplia o déficit público.

Um papel relevante, segundo Meira, da Valor Investimentos, será dado pelas discussões da reforma tributária. Segundo ele, essas conversas e a menor ou maior efetivação das propostas mostrarão o poder de negociação do governo federal.

O economista da XP avalia que a apresentação de um arcabouço fiscal crível e avanços na reforma tributária podem ser catalisadores para o fortalecimento do real. Por outro lado, incertezas elevadas sobre a condução da política econômica, envolvendo diretrizes fiscais e monetárias, podem ampliar a diferença entre as taxas de câmbio atual e de “equilíbrio”.

“O que vier vai ser relevante para dar credibilidade para os investidores. Até agora, tudo está uma incógnita”, destaca Sanches.

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Outro ponto de interrogação é em relação à política parafiscal, que envolve, por exemplo, a injeção de mais crédito pelos bancos públicos ou o andamento de programas como o Minha Casa, Minha Vida. “Isto gera mais pressão do lado fiscal”, diz o analista da Toro.

“Evidências empíricas mostram que o real pode ficar descolado dos fundamentos econômicos por bastante tempo”, alerta Margato.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]