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estatal da dor de cabeça

E-commerce brasileiro busca alternativas à ‘Correiodependência’

Além do aumento no preço do frete que impacta  fortemente os custos do e-commerce, outro principal problema é o atraso na entrega dos produtos e, muitas vezes, até o estravio da mercadoria. | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Além do aumento no preço do frete que impacta fortemente os custos do e-commerce, outro principal problema é o atraso na entrega dos produtos e, muitas vezes, até o estravio da mercadoria. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

A eficiência dos Correios, que já foi considerada a empresa mais confiável do mundo segundo a Revista Forbes, não suportou mais de uma década de decisões equivocadas por seguidas gestões com direcionamento político. Sobrou para todo mundo: empresas de pequeno porte e empreendedores individuais, que dependem da estatal para que seus produtos cheguem até o cliente, acumulam dores de cabeça e prejuízos com a queda de qualidade do serviço; e consumidores do e-commerce estão reduzindo compras pela internet por terem dúvidas se as encomendas chegarão inteiras e no prazo prometido. Para contornar o problema, lojas que possuem bom volume de vendas encontram nas transportadoras alternativa para garantir a qualidade no atendimento com menores valores no frete.

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De acordo com pesquisa da ABComm 2017 (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), o frete ainda é o maior responsável pelos custos logísticos no e-commerce, 58,1%. Em março deste ano, os Correios anunciaram a nova tabela de preços para o envio de mercadorias. Os envios por PAC, mais barato, e Sedex ficaram de 8% até 51% mais caros, dependendo da rota fora dos grandes centros, segundo cálculo do Mercado Livre.

Por meio da assessoria de imprensa, os Correios responderam que o reajuste nas tarifas de serviços de encomendas, vigente desde março deste ano, foi de 8% para os objetos postados entre capitais e nos âmbitos local e estadual, que representam a grande maioria das postagens realizadas nos Correios.

Mas os valores são apenas uma parte da questão. O estudo conduzido pela ABComm mostra que as lojas virtuais querem diminuir a dependência dos Correios. Além do frete, o principal problema é o atraso na entrega. “A demora e o mau atendimento também precisam ser revistos”, aponta a entidade. Segundo a pesquisa, a tendência do número de lojas virtuais que contratam transportadoras por região continua crescendo, passando de 23%, em 2015, para 41,4%, em 2017.

Entrega demorada é gargalo

Quando questionada sobre a porcentagem de entregas que são extraviadas ou chegam ao destino com atraso, a resposta dos Correios foi a seguinte: “por questões de sigilo empresarial, os Correios não divulgam tais informações. Mas destacamos que em junho, a qualidade operacional da empresa no segmento de encomendas aproximou-se dos 95% de objetos entregues no prazo”.

Para a associação que congrega a lojas de comércio eletrônico, no Brasil os pedidos demoram cada vez mais para chegar à casa dos consumidores. De acordo com os números da ABComm 2017, na cidade de São Paulo, por exemplo, a média de espera máxima, que em 2015 era de três dias, passou para quatro em 2017. Em Recife, o tempo entre postagem do produto e recebimento pelo cliente passou de seis para dez dias e, em Manaus leva, em média,14 dias para as encomendas chegarem na casa do consumidor.

Em junho do ano passado os Correios encerraram o e-SEDEX. O serviço de postagem de produtos era o preferido entre as lojas de comércio eletrônico por ser o mais barato e rápido. A empresa argumentou que o e-SEDEX foi substituído por uma nova política comercial que passou a oferecer pacotes de serviços de PAC e SEDEX específicos para o e-commerce, com benefícios que vão desde redutores de preços à possibilidade de um pós-venda dedicado. Para a ABComm, a descontinuação do serviço foi “muito ruim para o e-commerce brasileiro”. A entidade divulgou que parte das lojas virtuais migrou para o Sedex, mas a maioria saiu em busca de serviços de transportadoras privadas.

Dificuldades motivaram saída do e-commerce

Em 2012, Claudia Mattos e Bianca Schmelzer iniciaram o próprio negócio, uma loja especializada em bolsas para a maternidade. Dois anos mais tarde, a Bolsa Bebê passou a vender os produtos também pela internet, decisão que incrementou a receita do empreendimento. Em 2017, as compras online representavam 70% do faturamento. Mas no final do ano passado os problemas com atrasos da entrega, aumento na taxa do frete e extravio da mercadoria começaram a aparecer com muita frequência.

“O público perdeu confiança nos Correios e parou de comprar. Tem cliente que não separa o envio – que é responsabilidade deles – do nosso serviço, isso afeta também a nossa credibilidade”, afirma Claudia

Para as duas empreendedoras, os valores dos fretes estipulados pelos Correios aumentaram muito e a qualidade do serviço caiu.

“Uma cliente cotou o frete em nosso site de uma bolsa no valor de R$ 600. O valor mais barato era de R$ 200. Então orientamos a cliente a fazer a compra pelo Mercado Livre – que tem negociação melhor com os Correios – onde nossos produtos também são vendidos. O frete caiu para R$ 70”, conta Bianca.

Para evitar mais frustração com as vendas online para cidades afastadas de capitais, as empresárias decidiram mudar completamente de estratégia. A intenção, que era não depender mais do espaço físico para compor a receita, passou a ser de chamar clientes para a loja.

A designer de semijoias Carolina Ribeiro Fernandes também viu o número de vendas cair por causa do valor do frete. Há dois anos e meio a publicitária vende braceletes fabricados a mão pela internet. Ela posta os modelos nas contas do Instagram e Facebook.

“Pessoas deixam de comprar pelo fato do frete ser muito caro”, afirma. Ela conta que passa por pequenos inconvenientes, vez ou outra, e precisa contar com a compreensão dos clientes. A maior parte dos insumos para a confecção das peças vem de fora do Paraná, já houve casos de atraso no envio da encomenda porque o material para fabricação da semijoia não chegou na data prevista.

Quem pode foge dos Correios. Este é o caso da Brasil Nutri Shop, franquia online de suplementos alimentares. A companhia desenvolve ao franqueado o site para que realize as vendas pela internet, sem necessidade de possuir estoque. Assim que o cliente compra um produto, tudo fica por conta da empresa guarda-chuva: envio, cobrança e solução de problemas. Com três centros de distribuição no Paraná, Santa Catarina e São Paulo e vendas mensais de R$ 500 mil, a Brasil Nutri Shop tem bom poder de fogo para negociar com empresas de entrega e até “escantear” os Correios.

“Nos últimos seis meses houve piora no valor do frete dos Correios, com aumento médio pelo menos de 15 a 20%, além disso, o tempo de entrega aumentou bastante”, afirma o CEO, Nylmar Diego Zacharias. Ele conta também que cresceu o número de extravios de mercadoria. “Tudo isso prejudica a imagem da franquia”, reconhece.

Com preços mais caros e prazos longos de entrega, o apelo do comércio online ficou menos atrativo, por consequência, a procura caiu 20%. Como o fraqueado ganha no porcentual da venda, as margens de lucro foram reduzidas de 22% para 19%. Temendo o colapso do modelo, Zacharias buscou alternativas e encontrou nas transportadoras. “É um sistema bem complexo ainda, não tem marcas de referência”, avalia. Por isto, ele recorreu a uma rede de empresas, selecionando a melhor opção por região.

Agora entre 60% e 70% das encomendas são movimentadas por empresas privadas. “O tempo de entrega ficou menor e o preço está 18% mais barato em comparação aos Correios”, garante Zacharias. Já a quantidade de extravios caiu pela metade. Mas a alternativa das transportadoras não é para todos. “Com vendas mensais a partir de R$ 50 mil esta opção vale a pena. Para empresas que vendem acima de R$ 15 mil já é possível negociar um preço de frete com as transportadoras que compense”, indica.

Mas, afinal, o que impede o desenvolvimento dos Correios?

A administração contaminada por interesses políticos implodiu a instituição, o que explica a queda no serviço prestado pelos Correios atualmente. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou o resultado da avaliação da evolução econômico-financeira dos Correios em dezembro de 2017.

“A CGU verificou que, de 2011 a 2016, os Correios apresentaram crescente degradação na sua capacidade de pagamento no longo prazo (liquidez), aumento do endividamento e da dependência de capitais de terceiros, e principalmente, redução drástica de sua rentabilidade, com a geração de prejuízos crescentes a partir de 2013. No período avaliado, o Patrimônio Líquido da empresa reduziu aproximadamente 92,63%”.

O estatuto da empresa prevê que sejam repassados no mínimo 25% do lucro líquido para a União. Mas os percentuais transferidos aos cofres do governo federal chegaram a quase 100% nos últimos anos. O ano de 2013 foi especialmente desastroso. A União recebeu adiantamento de dividendos no valor de R$ 300 milhões, baseado na expectativa de lucro para a empresa. Mas naquele período os Correios registraram prejuízo de R$ 312 milhões.

Uma empresa, vários problemas

Para o professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Maranhão e autor do livro sobre os Correios, Tadeu Gomes Teixeira, a crise na companhia pública precisa ser analisada por setores da empresa para entender toda sua dimensão. “A crise com atrasos na entrega dos objetos postais, por exemplo, relaciona-se ao conjunto de decisões equivocadas na área operacional ao longo dos anos 2000”, garante.

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, em 2010, para avaliar o problema conclui que as causas eram a falta de carteiros e operadores de triagem, transbordo e problemas na Rede Postal Aérea Noturna, responsável pelo transporte de pacotes por avião. Apesar da falta de carteiros, a instituição iniciou o Programa de Demissão Voluntária (PDV)  a partir de 2008.

“Portanto, a crise nos Correios, ainda no Governo Lula, foi decorrência de sucessivas ações tomadas pela administração da empresa que deterioram a qualidade dos serviços operacionais”, conclui Teixeira. “No caso dos Correios, a influência de quadros políticos remonta à ditatura militar, quando os generais presidiam a empresa. Muitos dos gestores da empresa, também políticos, não buscaram alternativas para viabilizar financeiramente a empresa, portanto, é uma crise operacional que resulta de uma crise política”.

A estatal reconhece que houve má gestão no passado e divulgou que está tomando medidas para recuperar a saúde financeira e competitividade. “Com relação aos balanços da empresa, em 2017 os Correios registraram lucro contábil de R$ 667 milhões, após quatro anos de prejuízos bilionários”, respondeu a empresa.

De acordo com Teixeira, existem caminhos que poderiam ser adotados para colocar a casa em ordem. “Uma primeira medida seria a abertura do capital da empresa, por meio de uma Oferta Pública Inicial de ações (Initial Public Offering — IPO) como forma de capitalizar a empresa e forçar a adoção de ações de governança menos comprometidas com estratégias políticas e mais consoantes com o mercado”, sugere.

Recentemente representantes de entidades ligadas aos trabalhadores dos Correios afirmaram que a diretoria da empresa pública agiu de forma deliberada para prejudicar a estatal e assim forçar a privatização. Segundo as últimas declarações do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, a ideia de privatizar a companhia saiu da pauta do governo federal.

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