Mesmo o maior aficionado em tecnologia deve admitir que a tela de um microcomputador não é o melhor dos meios para a leitura de textos longos. Que erga a mão alguém com disposição para ler as 970 páginas da Divina Comédia, obra clássica do italiano Dante Alighieri, em frente ao monitor seja ele de tubo, cristal líquido ou plasma... Para essa função, o bom e velho papel parece insubstituível. Mas será que o derivado da celulose, com seus mais de dois milênios de serviços prestados à humanidade, resistirá indefinidamente?
No fim de abril, o jornal belga De Tijd começou a testar pra valer a veiculação de suas edições diárias em papel eletrônico, também conhecido como e-paper. A experiência tem data para terminar. Em julho, os 200 assinantes que receberam o aparelho portátil capaz de ler a versão digital da publicação deverão responder a uma pesquisa sobre o novo meio.
A iniciativa do jornal da cidade de Antuérpia, especializado em finanças, é a primeira tentativa de popularizar uma tecnologia que ainda não "pegou". Periódicos alemães, japoneses, franceses, espanhóis e norte-americanos inclusive o International Herald Tribune, que pertence ao mesmo grupo do New York Times aproveitaram a oportunidade para divulgar suas intenções de adotar em breve versões em e-paper.
A japonesa Sony oferece desde 2004 seu próprio leitor de papel eletrônico, chamado de e-reader. Esses aparelhos, à venda no exterior por cerca de US$ 400, são basicamente formados por uma tela que consome pouquíssima energia e recheados com um material conhecido como tinta digital. Diferentemente do cristal líquido, a "tinta" eletrônica é baseada em material orgânico. A semelhança com a matéria-prima do LCD fica por conta da capacidade de formar imagens a partir de impulsos elétricos. A limitação fica por conta das cores: as microcápsulas de tinta digital são capazes de reproduzir apenas tons de cinza.
Para as editoras, que vêem seus lucros diminuir desde a popularização da internet, o e-paper oferece uma esperança e tanto. Afinal, o produto traz a promessa de conquista de novos leitores ao mesmo tempo em que eliminaria custos de impressão e distribuição. Por outro lado, antes de se criar maiores expectativas em torno do e-paper, vale lembrar que a aposentadoria do papel foi anunciada assim que os primeiros PCs chegaram ao mercado. Isso aconteceu há mais de duas décadas e o que se viu nesse período foi exatamente o contrário: impressoras domésticas e de escritórios passaram a consumir o derivado da celulose com uma voracidade jamais vista.
O próprio surgimento dos e-readers na década de 90, quando ainda eram conhecidos como "aparelhos de e-book", suscitou uma euforia inusitada. Os tais gadgets pareciam ser tão importantes para a história do mercado editorial quanto os tipos móveis que deram origem à produção em massa de livros e outros materiais impressos criados pelo alemão Johann Gutenberg no século 15. Há 10 anos, grandes fabricantes de hardware criaram divisões específicas para a pesquisa e o desenvolvimento de e-readers. Os milhões de dólares investidos no segmento foram praticamente em vão. No fim do ano passado, a Gyricon, filial da norte-americana Xerox voltada para o assunto, encerrou suas atividades.
Os aparelhos mais modernos, como o iLiad, fabricado pela iRex (subsidiária da holandesa Philips), têm uma diferença crucial que os torna mais atraentes: eles refletem a luz ambiente, ao invés de emitir luz artificial isso faz com que suas telas se assemelhem a uma folha de papel. A novidade veio com a substituição do cristal líquido pela tinta digital (que, além de tornar a leitura mais agradável, consome menos energia).
Tanto o iLiad como o Sony Reader que chegará às lojas ainda neste ano pesam menos de 370 gramas, o equivalente a um livro de 200 páginas, e podem ser atualizados via wi-fi. Com isso, um usuário poderá adquirir uma obra literária sentado no saguão de um aeroporto equipado com hot spot. Pode ser que o milenar invento chinês, que substituiu o pergaminho na Europa durante a Idade Média, ainda esteja longe de seu fim, mas sua versão eletrônica veio para ficar.