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Mercado financeiro

A promessa é de ganho alto e rápido. Mas é mesmo possível viver de day trade?

(Foto: Pixabay)

Há diferentes estratégias para se investir no mercado financeiro. Uma delas é o "day trade", que está se popularizando entre aqueles com expectativas de obter bons lucros em um curtíssimo período de tempo.

Esse é o nome que se dá para quem faz a atividade de compra e venda de ativos financeiros dentro de uma única sessão de transações, ou “pregão”, da Bolsa de Valores. Como os produtos têm suas cotações constantemente alteradas ao longo do dia, seja para cima ou para baixo, o objetivo do investidor nesta atividade é lucrar com essas oscilações de preço.

Mas, apesar da recente popularização, até que ponto é possível viver como "day trader"? Fácil não é. Levantamento encomendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e publicado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas mostra que mais de 90% das pessoas que tentam viver de day trade têm prejuízos. Os pesquisadores acompanharam o desempenho de quase 20 mil investidores que operaram algum minicontrato de índice ou de dólar entre 2012 e 2017, e, desse total, apenas 7,9% continuaram no Day Trade por mais de 300 pregões.

Somente 13 pessoas, ou 0,8% desse grupo, tiveram lucro médio diário acima de R$ 300. A quantia é comparada ao ganho de um motorista de um aplicativo de transporte particular, como Uber, Cabify e similares.

Após a divulgação do levantamento, a CVM promoveu ações de prevenção. Em março deste ano, emitiu ofício para corretoras e casas de análise requerendo que os profissionais evitem expressões como “renda certa”, “rentabilidade fixa” ou “garantida” em qualquer relatório ou publicidade encaminhada a investidores.

O documento reforça as diretrizes de uma norma publicada pela entidade em maio do ano passado sobre a atuação destes analistas. Porém, de acordo com Bruno Giovannetti, um dos autores do estudo, isso não significa que investir na renda variável não valha a pena. “Investir na Bolsa é uma excelente opção para pessoas físicas, desde que com foco no longo prazo e de maneira diversificada. O day trade não tem nada a ver com isso”, afirma.

Como funciona o day trade?

As operações de day trade costumam ser feitas mesmo com base em variações pequenas, uma vez que são realizadas em escala. Por exemplo, se as ações de uma empresa X têm uma alta de 1%, um trader que tenha aportado R$ 10 mil nesses papéis poderia realizar um lucro de R$ 100, caso os vendesse após esse aumento. É preciso considerar ainda os custos da atividade, como a taxa de corretagem, emolumentos da bolsa e eventuais impostos.

Dessa forma, o conceito dessa modalidade é bem simples: comprar na baixa, vender na alta. Há técnicas para auxiliar nesse processo e obter melhores resultados. Entre as mais comuns estão a análise técnica (leitura de gráfico) e o "tape reading" (leitura de fluxo).

Ambas consistem, basicamente, em elencar padrões de movimento do mercado ocorridos no passado e utilizar-se dessas informações para decidir a entrada e saída de operações no futuro. São, portanto, cálculos de probabilidade do próximo movimento do ativo, isto é, o trader especula se o preço subirá ou descerá, esperando ganhar na transação.

Iniciantes nesse método costumam usar simuladores, para se acostumar à parte técnica e à velocidade do mercado antes de efetivamente começarem a operar. Para minimizar os riscos, os adeptos do day trade costumam definir limites de perda e metas de ganho para cada operação. A prática passou a ser mais conhecida, entre outros fatores, a partir da popularização de conteúdos voltados para educação financeira em diversas mídias, como o YouTube.

Promessas são sedutoras. Mas risco é alto

As promessas de ganhos rápidos e autonomia seduzem muita gente. Mas, na medida em que o potencial de lucros expressivos possibilitado por essa estratégia é inteiramente fruto da volatilidade do mercado, ela é considerada de alto risco. E cenários imprevisíveis podem ocorrer.

“Quando se opera em day trade, principalmente com posições alavancadas, o indivíduo costuma se expor a transações em quantidades muito grandes para tentar ganhar mais em um movimento curto. Então se o investidor compra dólar, por exemplo, e sai uma notícia positiva para o Brasil, e o dólar despenca, ele pode perder praticamente o capital inteiro. A chance de 'morte' é muito maior no day trade que em outras modalidades”, explica o gestor do fundo de investimentos Alaska Black, Henrique Bredda.

No jargão do mercado, estar "alavancado" significa operar com dinheiro que não é seu. O investidor que tem pouco capital pode, por exemplo, fazer contratos futuros: se der certo, ele multiplica o patrimônio; se der errado, terá de pagar pelo dinheiro perdido.

Bredda compara o risco de se fazer day trade com quem compra ações pensando no médio e longo prazo. “O que pode acontecer de pior a um investidor amador que monta uma carteira de ações? Ele pode cometer erros na escolha de ativos; investir em empresas que, no geral, não estão indo bem, e ter uma rentabilidade baixa ou razoável. Mas seu prejuízo é limitado: ele não perde tudo, porque as ações não vão cair todas a zero. Nunca vi ninguém perder tudo em ações, mas já vi muitos casos assim em quem arriscou no day trade”.

O problema, segundo Bredda, ocorre quando há excesso de confiança – e pouca experiência. "Se fizer o movimento certo, é possível lucrar muito em relação a quanto se expôs. Mas, se a pessoa não tem disciplina e, toda vez, põe no jogo tudo o que ganha, uma hora ela perde tudo", diz. "O grande problema não é o trader experiente e disciplinado, mas sim quem acabou de fazer um curso, acha que aprendeu alguma coisa e vai apostar um patrimônio que não poderia se dar ao luxo de perder. E, quando perde, prejudica as finanças da casa, da família e seus projetos de vida", alerta.

Raphael Figueredo, sócio-analista da Eleven Financial, pondera que o trader é uma profissão como qualquer outra, exigindo anos de preparo. “Assim como se prepara para ser um médico ou advogado, ser trader é uma prática que demanda dedicação e estudo. A forma de ter maior controle sobre os riscos é obter conhecimento sobre a prática, o que exige uma longa curva de aprendizado”, explica.

O que um trader precisa ter

O analista lista características que considera necessárias para ser um trader. “É preciso capacidade de lidar com risco e inteligência para tomar decisões rápidas, não só de maneira técnica, mas também intuitivamente, porque o trader trabalha em cenários de extrema volatilidade. As grandes oportunidades vêm em momentos de pânico, a partir de fatos relevantes. E o mercado é muito dinâmico. A única certeza que temos é a de que o mercado nunca será igual ao do dia anterior, então o trader precisa saber lidar com essa imprevisibilidade”.

Mas Figueredo critica quem começa a colocar o patrimônio em risco operando em day trade sem preparação. “Há muitas pessoas que fazem um curso de curta duração e acreditam que estão aptas a viver disso integralmente. Não vão conseguir: nem mesmo alguns profissionais experientes no mercado conseguirão, então não se pode ter essa ilusão de que é algo fácil”, diz.

Ele alerta também para os riscos de corretores oferecerem alavancagem, isto é, um "empréstimo" que possibilita ao indivíduo investir um valor maior do que tem disponível. “Isso torna a modalidade muito mais acessível para iniciantes. Então, uma pessoa pode movimentar, por exemplo, até quatro ou oito vezes o valor que tem para investir. É algo que atrai muitas pessoas porque é fácil, barato e amplia a possibilidade de ganhos. Mas quando elas começam, de fato, a operar, veem que não é tão simples”, diz.

Viver de day trade é possível, mas pouco provável

Bredda afirma que teoricamente é possível viver de day trade – mas que é pouco provável. “Até que ponto é factível? Tenho minhas dúvidas. Quem são as pessoas que conseguem longevidade fazendo isso? Não conheço profissional bem-sucedido que viva disso integral e recorrentemente há muitos anos. Mas não vou falar que é impossível, porque depois vem o ‘João’ e a ‘Maria’ me provarem que conseguem.”

Figueredo conta que até conhece profissionais que foram bem-sucedidos na área, embora eles não se exponham em mídia e redes. “Apesar disso, particularmente falando não é uma atividade em que as pessoas costumam permanecer por décadas a fio. A partir do momento em que o investidor dessa modalidade tem bons ganhos e acumula resultados satisfatórios, ele diminui seu fluxo no day trade e segue para outras estratégias de investimento na renda variável. É o que geralmente acontece”, diz.

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