2022 promete ser desafiador para a economia brasileira. O ano deve começar com inflação ainda em dois dígitos, o que está obrigando o Banco Central a promover alta nos juros. E com expectativas de – na melhor das hipóteses – um crescimento tímido, depois de a economia recuperar as perdas causadas pelo tombo de 3,9% em 2020, causado pela pandemia de Covid-19.
Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que há uma série fatores que jogam a favor e contra a economia brasileira em 2022. Entre os favoráveis estão as expectativas positivas para as commodities e os investimentos contratados em infraestrutura, que podem chegar a quase R$ 20 bilhões em 2022, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e da Indústria de Base (Abdib). Entre os fatores que pesam contra estão a delicada situação fiscal, o cenário político e a inflação em alta.
“O ano de 2022 será de ajustes no mundo inteiro. A pandemia fez com que os governos gastassem mais, o que levou a um processo inflacionário também em outros países”, explica o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale.
A expectativa, também, é que a pandemia de Covid-19 saia de foco ao longo do ano. “As variantes colocam isso em risco. Deve continuar presente nos próximos meses”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
O que joga a favor da economia brasileira em 2022
1. As expectativas favoráveis para as commodities
Um dos fatores que jogam a favor da economia brasileira em 2022 são as commodities. “As do agronegócio, as minerais e o petróleo devem continuar com preços elevados”, aponta Megale.
Um dos principais motivadores é a expectativa de uma boa safra de grãos. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta que serão colhidos 291,1 milhões de toneladas no ciclo 2021/22. É 15,1% mais que o registrado na última colheita, que foi afetada por problemas climáticos, como a estiagem.
“O agronegócio vai evitar que tenhamos uma economia pior para 2022. As commodities agrícolas ainda estão em alta”, diz Vale.
Novamente, o carro-chefe será a soja, que tem a China como seu principal cliente. A produção é estimada em 142,6 milhões de toneladas, 4% mais que na safra anterior. “É importante ressaltar que os níveis de estoques de passagem projetados deverão seguir baixos sob uma perspectiva histórica, o que indica que qualquer piora significativa das condições de desenvolvimento da lavoura na Argentina e no Brasil poderá ser gatilho para altas mais fortes”, apontam os analistas de agronegócio do BBA.
Quem também deve vir com um bom desempenho é a safra de milho. No último ciclo, a safrinha do cereal foi impactada negativamente pela falta de chuva. A expectativa é de que sejam colhidos 117,2 milhões de toneladas, um crescimento de 34,6% em relação à safra anterior, de acordo com a Conab.
2. Os investimentos em infraestrutura e dos estados
Alessandra Ribeiro, diretora da Tendências Consultoria, vê expectativas favoráveis para o investimento em infraestrutura após o estabelecimento do marco regulatório do saneamento e leilões de aeroportos, terminais portuários e rodovias. A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) estima que os investimentos poderão atingir R$ 19,38 bilhões em 2022. Os valores se referem a contratos já assinados.
“É algo que vai movimentar muito a construção civil”, diz Alessandra. Ela destaca que os impactos serão sentidos principalmente mais para o fim do ano. “Melhoram as expectativas em relação à produtividade para os próximos anos”, diz. Até 2026, a Abdib estima a realização de R$ 140,54 bilhões em investimentos em infraestrutura.
Aliado a isso, a XP aponta que a demanda sólida de bens de capital para a agricultura, óleo e gás e saneamento deve manter os investimentos totais em patamares relativamente altos.
O economista Samuel Pessôa, sócio do Julius Baer Family Office (JBFO), avalia que o investimento público dos estados pode ter um impulso em 2022, motivado pela maior disponibilidade de caixa. Ele lembra que a arrecadação deles está, em termos reais, 16% acima do registrado em 2019, por causa do aumento na receita com o ICMS.
Mas as expectativas são insuficientes para garantir que o investimento, medido pela formação bruta de capital fixo, aumente na comparação com 2021. Contra ele, pesa a base mais forte registrada neste ano e o aumento na taxa básica de juros, que inibe os desembolsos. “O investimento também depende de previsibilidade”, diz Megale, da XP.
3. A redução de casos de Covid-19
Outro trunfo que o Brasil tem, segundo Megale, da XP Investimentos, é a vacinação contra a Covid-19. Segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford, até 28 de dezembro, 66,8% da população brasileira já tinha tomado duas doses da vacina ou a dose única.
Estes números podem ajudar principalmente os serviços, diz o economista Yihao Lin, da Genial Investimentos. O setor foi um dos mais impactados pela pandemia e ainda não se recuperou por completo. “Com o arrefecimento da pandemia, as pessoas tendem a sair mais de casa, a viajar mais”, diz.
A XP não espera restrições generalizadas (e duradouras) de mobilidade em decorrência da descoberta da nova variante do coronavírus, a ômicron, mas aponta que ela pode impactar negativamente no cenário de atividade.
O que joga contra a economia brasileira em 2022
1. A delicada situação fiscal
Uma das principais preocupações que a equipe econômica terá de enfrentar é a delicada situação fiscal brasileira, apontam os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Apesar da melhora no resultado primário e das fortes chances de que as contas públicas fechem no azul em 2021, pela primeira vez desde 2013, e da relação dívida/PIB ter baixado significativamente em relação aos níveis de 2020, a tendência é de uma situação muito mais complicada em 2022.
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, avalia que o aumento da receita, obtida via recuperação da economia e da elevação de preços das commodities, vai se reverter com a desaceleração da atividade econômica e o espaço para gastos aberto pela PEC dos precatórios. Ele acredita que o resultado primário volta ao negativo em 2022 e a dívida bruta volta a crescer. A corretora projeta que o nível de endividamento se estabilizará apenas depois de 2030.
Alessandra Ribeiro, da Tendências, afirma que o Brasil está com um nível de endividamento elevado e o Brasil tem uma grande dificuldade em caminhar rumo a uma solução para o problema. “O lado fiscal está longe de uma consolidação”, diz Sérgio Vale, da MB.
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que o nível de endividamento brasileiro – equivalente a 82,9% do PIB em outubro – é maior que a média das economias da América Latina e Caribe, que é de 72,7%, e dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, que é de 63,4%.
Segundo a Secretaria de Política Econômica, o governo de Jair Bolsonaro terminará gastando menos em proporção do PIB que no início do mandato, com redução nas três principais despesas: previdência, pessoal e juros.
“Atravessamos a pior crise de saúde pública mantendo o endividamento sob controle e com a relação dívida/PIB crescendo muito menos que em outros países”, mostra apresentação feita pelo secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, durante divulgação do Boletim Macrofiscal de novembro.
2. A inflação elevada
A inflação elevada, que atingiu 10,42% no período de 12 meses até meados de dezembro, segundo o IPCA-15 do IBGE, vai obrigar, pelo menos, no começo do ano, o Comitê de Política Monetária a aumentar novamente a taxa Selic. O ponto médio da expectativa de bancos, corretoras e consultorias publicada no relatório Focus, do Banco Central, está em 11,25% para o fim de 2022.
Um dos fatores que mais contribuíram para a alta da inflação, a disrupção nas cadeias produtivas, deve ser observado com atenção. A expectativa é de que os problemas causados pelo descompasso entre a oferta e a demanda e por causa dos atrasos no transporte marítimo sejam equacionados até o segundo semestre de 2022. “Os números ainda preocupam, mesmo com a demanda esfriando. 'Gaps' grandes levam tempo para normalizar”, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências.
A seguradora de crédito Euler Hermes aponta que as interrupções na cadeia de abastecimento global permanecerão altas até o segundo semestre de 2022, devido aos novos surtos de Covid-19 em todo o mundo, à política contínua de "Covid zero" da China e à volatilidade de demanda e da logística durante o ano novo chinês.
Três fatores, segundo a empresa, deverão impulsionar a normalização do comércio a partir da metade do ano:
- um esfriamento dos gastos do consumidor com bens duráveis, dados seus ciclos de substituição mais longos e a mudança para comportamentos de consumo sustentáveis;
- escassez de insumos menos aguda, já que os estoques voltaram aos níveis pré-crise ou até mesmo ultrapassaram os níveis anteriores à crise na maioria dos setores; e
- congestionamentos de navegação reduzidos à medida que a capacidade aumenta.
O economista da XP vê sinais promissores no ar: “O petróleo mostra uma tendência à estabilidade e o preço dos fretes marítimos vem recuando", diz.
Mesmo com a forte alta na Selic, que começou em março e deve se estender pelas primeiras reuniões do Copom em 2022, os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que a inflação só irá convergir para a meta em 2023. “O BC teria de ser mais agressivo para conseguir isso”, afirma Vale, da MB Associados.
Alessandra lembra que a conjunção de fatores é complicada para o Brasil: o ambiente internacional está ficando mais restrito em termos de liquidez e o cenário interno vai ser impactado pelo desenrolar da campanha eleitoral.
A tendência, com os juros subindo, é de que a inflação desacelere ao longo de 2022 e encerre o ano em um patamar entre 5% e 6%, aponta Megale, da XP Investimentos.
O legado dessa forte alta nos juros vai ser uma desaceleração na atividade econômica. O ponto médio das projeções feitas por bancos, corretoras e consultorias para o crescimento da economia brasileira em 2022 indica alta do PIB de apenas 0,42%, segundo o relatório Focus, do Banco Central. Muito abaixo do crescimento de 4,51% esperado para 2021.
3. O ambiente político
Outro aspecto que contribui para jogar contra a economia é o cenário eleitoral para a disputa ao Planalto, que acontece em outubro. “Isto contribui para deixar a incerteza nas alturas, favorece a volatilidade e o atravancamento da economia”, diz Alessandra.
Pessôa, do JBFO, complementa afirma que essa incerteza contribui para que não haja um horizonte para o planejamento.
Os economistas são céticos em relação a avanços nas reformas em 2022. A justificativa é de que os interesses eleitorais vão se sobrepor. “Não teremos espaço para reformas que melhorem a produtividade da economia brasileira”, diz Lin, da Genial Investimentos.
O próprio presidente Jair Bolsonaro e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), deram declarações avisando que não veem chances de aprovação de reformas em 2022.
Segundo o economista da Genial, reformas são fundamentais para que haja avanço na produtividade. Ele aponta que bastante coisa já foi feita, como a trabalhista, a previdenciária e as microeconômicas, desenvolvidas pelo Banco Central, mas destaca a necessidade de continuidade no processo.
O alerta vem justamente no momento em que a produtividade na indústria dá sinais de queda. Ela está em seu nível mais baixo desde o início da pandemia, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
As quedas consecutivas refletem o ambiente de elevadas incertezas, prejudicial ao investimento e, consequentemente, à recuperação da produtividade, explica a gerente de política industrial da CNI, Samantha Cunha. No curto prazo, pesam dificuldades como a falta de insumos e a pressão sobre os custos de produção.
4. A desaceleração do crescimento chinês
Um fator que também pode afetar o Brasil é a desaceleração do crescimento da China. O FMI projeta que ela fique em patamares próximos a 5% entre 2022 e 2026. Antes da pandemia, o país estava crescendo a uma taxa próxima de 7% ao ano.
O motivo da desaceleração é a reorientação da política econômica para um maior consumo interno, que atualmente corresponde a 39,2% do PIB, segundo a Economist Intelligence Unit (EIU). No Brasil, esse percentual é de 64,9%.
A China é o principal cliente de produtos brasileiros. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), ela responde por 32,1% da pauta brasileira de exportações.
“É um risco mais controlado. A China vai saber pilotar essa desaceleração”, afirma Megale. Segundo ele, os últimos dados econômicos vieram mais fracos do que se imaginava. Mas há uma preocupação no ar: é com a situação da megaincorporadora Evergrande, a segunda maior do país. Ela foi declarada oficialmente inadimplente em 6 de dezembro, após não honrar dois pagamentos de juros da dívida após um período de carência de 30 dias.
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