Após a posse de Collor, confisco levou o país a uma longa recessão.| Foto: Divulgação ABR

A economia brasileira sofre neste ano seu maior tombo desde 1990, e isso até o Planalto admite. Mais grave é a falta de perspectivas: está ficando difícil vislumbrar de onde e quando virá a recuperação. A atual recessão caminha, assim, para se tornar também a mais longa desde os tempos de Collor.

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As projeções pioram a cada semana. Em janeiro, consultorias e bancos ouvidos pelo Banco Central previam, em média, expansão de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e de 1,8% em 2016. Agora, esperam uma contração de 1,8% e um ligeiro avanço de 0,2%, respectivamente. Alguns já veem queda próxima de 2,5% em 2015 e um novo recuo no ano que vem, adiando para 2017 a retomada do crescimento.

INFOGRÁFICO: confira a cronologia da crise e a variação do PIB nos últimos anos

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Embora o PIB tenha encerrado o ano passado pouco acima de zero, os resultados trimestrais, quando comparados a períodos equivalentes dos anos anteriores, estão negativos desde o intervalo entre abril e junho de 2014. E a sequência de baixas não será revertida antes do segundo trimestre do ano que vem, segundo a projeção média do mercado.

“É difícil fazer previsão para 2016 porque há muitas fontes de incerteza. Elas vêm da economia e da política internas, com um risco de rebaixamento da nota de crédito do Brasil, e também da economia externa, com bolsa chinesa caindo, a situação da Grécia, o banco central americano pensando em elevar os juros”, diz o economista Paulo Picchetti, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre).

Picchetti é um dos responsáveis pelo Indicador Antecedente Composto da Economia (Iace), que em junho recuou pelo oitavo mês consecutivo. “A mensagem disso é que não se vislumbra uma reversão de tendência na atividade econômica até o fim do ano. E todas aquelas fontes de incerteza criam uma perspectiva de piora adicional no médio prazo.”

Porta de saída

A porta de saída da recessão ainda é uma incógnita. Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo citaram algumas possibilidades, mais relacionadas a expectativas que a fatos concretos. Entre elas, uma melhora no cenário externo; uma recuperação da credibilidade do governo e da confiança na economia, o que depende do sucesso do ajuste fiscal; e até uma mobilização do setor público – na União e nos estados – a partir de 2017, com vistas às eleições de 2018. Para Evaldo Alves, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/Eaesp), a retomada da confiança é fundamental: “O país voltará a crescer depois que houver um aumento na confiança nos fundamentos econômicos e na recuperação do crescimento”.

Pós-Real

A situação é incomum para um país que, após a estabilização da moeda, se acostumou a sair rápido das crises. Conforme o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), um colegiado de sete economistas, a recessão mais longa do Plano Real durou 16 meses, de outubro de 1997 a fevereiro de 1999, quando a economia nacional sentiu o impacto das crises dos “Tigres Asiáticos” e da Rússia, que por fim detonaram o câmbio fixo brasileiro.

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As recessões pré-Real duravam bem mais. A que começou em meados de 1989, em meio à hiperinflação e às primeiras eleições presidenciais diretas desde a redemocratização, durou 30 meses, com a “colaboração” substancial do confisco da poupança, que estancou os fluxos de dinheiro e jogou a economia na ribanceira.

Semelhanças

Os estragos da crise atual estão longe de igualar os do Plano Collor. Mas chamam atenção algumas semelhanças no campo político, como a campanha por um impeachment da presidente, o escândalo de corrupção nas redondezas do Planalto e a instabilidade nas relações com o Legislativo.

Dos três fatores, o último é o que mais tem afetado a economia. Todas as iniciativas de contenção dos gastos federais foram desidratadas pelo Congresso, com ajuda da própria base governista, o que, somado ao fracasso da arrecadação federal, passa a impressão de que o ajuste fiscal será interminável – ou será revertido por algum tipo de manobra populista. Daí as seguidas quedas na confiança de empresários e consumidores.

“O país tem uma série de gargalos que dependem da iniciativa do governo para serem resolvidos. Mas o governo está ocupado apagando o incêndio da crise política, até por questão de sobrevivência”, diz Paulo Vicente Alves, professor de Estratégia da Fundação Dom Cabral. “A briga política impede qualquer racionalidade administrativa e de desenvolvimento. E aí trava tudo, prolonga a crise econômica.”

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Duplo mergulho

Se o PIB brasileiro cair em 2015 e 2016, como esperam os mais pessimistas, será o primeiro “duplo mergulho” em 84 anos. A última vez em que isso aconteceu foi no biênio 1930-1931, quando a economia recuou 2,12% e 3,26%, respectivamente, sob os efeitos da Grande Depressão.

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Sucesso em 2008 semeou problemas atuais

O maior ciclo de expansão da economia brasileira desde 1980 ocorreu no governo Lula. Segundo o Codace, foram 61 meses, entre junho de 2003 e julho de 2008. A prosperidade foi interrompida pela crise global, mas a recessão que ela gerou aqui foi breve: durou seis meses, superada com a ajuda de um pacote de estímulo ao consumo.

O entusiasmo do governo ao superar a chamada “marolinha” – sucesso que o incentivou a abrir os cofres públicos para inúmeros “pacotinhos” – alimentou uma série de distorções que explicam parte da atual recessão.

Uma delas é a pesada expansão dos gastos públicos, origem do déficit primário que hoje obriga o governo a cortar o Orçamento, principalmente de investimentos, e a elevar impostos. O descuido com a inflação também cobrou seu preço.

“De 55% a 60% do desempenho atual é explicado por fatores internos, como as políticas adotadas desde o segundo governo Lula e o crescente peso do Estado na economia, relacionado às obrigações impostas pela Constituição”, diz Luciano Nakabashi, professor de Economia da USP de Ribeirão Preto. “Os 40% a 45% restantes têm a ver com o cenário externo.”

Outro desequilíbrio que se acentuou é o déficit nas transações com o exterior. “Hoje temos um déficit de 4,5% do PIB, e sempre que ele chegou a 4,5% ou 5%, tivemos problemas. Foi assim na década de 80 e fim dos anos 90”, diz José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio. (FJ)

Após passar por todas as crises recentes, Flexiv não resistiu

O designer e arquiteto Ronaldo Duschenes abriu a Flexiv, fabricante de móveis corporativos, em 1985. Logo no ano seguinte, vieram os planos Cruzado 1 e 2. Em 1987, a moratória da dívida externa. Até 1991, mais quatro planos econômicos fracassados (Bresser, Verão, Collor e Collor 2). A empresa atravessou as crises dos “Tigres Asiáticos”, da Rússia, do apagão, da eleição de Lula e do estouro do subprime. Resistiu a todas. Mas não suportou a queda na demanda de 2014 para cá.

A Flexiv fechou as portas neste ano, dispensando seus 110 funcionários. “Fornecemos ambientes para trabalhar. Precisávamos de crescimento econômico ou empresas dispostas a investir, o que de uma forma ou de outra sempre encontrávamos nas crises anteriores. Mas desta vez foi diferente”, conta Duschenes.

Segundo ele, os pedidos começaram a rarear pouco antes da Copa do Mundo. “Os clientes já não queriam pagar mais pela inovação. Passou a valer apenas o preço. Tínhamos que competir com empresas que não tinham estúdio de design nem a mesma preocupação com qualidade e durabilidade.”

Duschenes diz que nem cogitou pedir recuperação judicial. “Como as perspectivas eram de uma crise longa, quanto mais tempo a empresa ficasse aberta, maior seria o prejuízo”, explica. Otimista, ele diz confiar na recuperação. “Mas vai demorar.” (FJ)