Preços de commodities em alta, dólar em baixa, crescimento da inflação e aumento das taxas de juros para conter o consumo. Quase três anos depois do estouro da bolha norte-americana, o Brasil volta a se debater com os mesmos problemas que o afligiam em 2008 antes da crise mundial.
Assim como no período pré-crise, os alimentos e as bebidas têm liderado os reajustes. O forte consumo vem pressionando a capacidade instalada das empresas. O dólar voltou a cair e o petróleo, por causa dos efeitos dos conflitos na Líbia, atingiu a maior cotação desde julho de 2008. E, assim como naquele ano, a inflação segue perigosamente acima do centro da meta, de 4,5%.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de referência para as metas de inflação do governo, atingiu 6,3% no acumulado dos 12 meses encerrados em março. Somente os alimentos subiram 8,75% no período. A projeção é de que a inflação estoure o teto da meta que é de 6,5% em agosto ou setembro, quando deve atingir 7%, e depois recue um pouco. A projeção dos analistas de mercado é que ela encerre no ano em 6,29%.
Para completar, o governo voltou a subir a taxa de juros. Na reunião da semana passada, o Banco Central promoveu a terceira alta desde o início do ano, desta vez de 0,25 ponto porcentual. A Selic, taxa básica de juros da economia, está hoje em 12% ao ano, pouco acima do patamar de abril de 2008 (11,75%). "Vivemos um quadro muito próximo do que víamos em 2008, inclusive no papel que os produtos importados tinham em atender a demanda e evitar que a inflação suba mais", lembra Thais Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados.
Mais difícil
Apesar das semelhanças, analistas são unânimes em dizer que o cenário de agora é mais difícil do que há três anos. A inflação é agora um fenômeno global e atinge a maioria dos países emergentes. A forte injeção de recursos dos países da Europa e dos Estados Unidos para sair da crise inundou de liquidez os mercados, ajudando a transferir recursos para países emergentes, como o Brasil, e dando fôlego para o mercado de commodities, em recuperação desde o ano passado, segundo José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.
Ao contrário do que ocorreu em 2008, quando os distúrbios do sistema financeiro provocaram forte valorização dos ativos, a alta das commodities se ampara concretamente na demanda mundial crescente, lembra Tatiana Pinheiro, analista do Santander. "Essa demanda é inegável e vai pressionar os preços das commodities ainda por algum tempo", afirma.
Café, algodão, milho e soja estão com cotações acima da média histórica. A soja, que bateu o recorde de US$ 16,11 por bushel (27,2 quilos) em junho de 2008 na Bolsa de Chicago, atingiu neste ano US$ 14,5. O milho, que chegou a ser cotado a US$ 7,96 em junho daquele ano, já chegou a ser negociado a US$ 7,83 em 2011.
Segundo Carlos Alexandre Gallas, analista da Intertrading, as commodities devem continuar com forte movimento de valorização ao longo do ano. Durante os efeitos da crise de 2008, o preço da soja em Chicago chegou a cair para US$ 8,50 por bushel, mas a recuperação começou já em fevereiro de 2009.
Entrada de dólares
Boa parte do cenário econômico atual se deve, curiosamente, aos efeitos que a própria crise provocou. O aumento da inflação mundial já era esperado principalmente pelos emergentes, que saíram mais rapidamente da crise financeira internacional. A forte entrada de dólares no Brasil, fruto das políticas expansionistas das economias desenvolvidas, também contribuiu para derrubar a cotação da moeda americana. Alguns analistas acreditam que o governo demorou demais para retirar as medidas de estímulo concedidas durante a crise. Com isso, a economia ganhou um ritmo que vai dar mais trabalho para ser contido.
Mercado interno
Segundo os economistas, a inflação também é mais resistente agora porque as condições do mercado interno brasileiro são outras. "Há um cenário mais apertado de emprego, com crescimento médio dos salários. As empresas estão sendo obrigadas a pagar mais para reter ou contratar funcionários. O aumento do salário mínimo garantido para 2012 também deve impulsionar a inflação no próximo ano", lembra Constantin Jancson, analista econômico do HSBC. Em níveis superiores ao de 2008, o consumo, sustentado pelo crédito, continua desafiando as medidas adotadas pelo governo para frear esse movimento.
Para Jancson, o Brasil terá que conviver com uma inflação mais alta por pelo menos mais quatro anos. Na média, a projeção do HSBC é de que a inflação fique em torno de 6,1%. "A questão é que, quanto mais distante do centro da meta, mais vulnerável o país fica para controlar a inflação no caso de choques externos, como de commodities, por exemplo. O governo trabalha no fio da navalha", diz.
Sem ajuda
Segundo Tatiana Pinheiro, do Santander, ao contrário de 2008, o governo não terá como contar com uma "ajuda externa" para reconduzir a inflação para o centro da meta. "A crise que surgiu no fim de 2008 destruiu riqueza e levou a economia mundial para um cenário de deflação, o que ajudou a frear a alta de preços. Uma eventual desaceleração mundial, da ordem de 1%, por exemplo, teria hoje um efeito marginal sobre a nossa economia", afirma. Desta vez, para combater a inflação, o país terá que caminhar com as próprias pernas.