A proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de incentivo financeiro à permanência de estudantes no ensino médio pode configurar uma espécie de “contabilidade criativa” na opinião de economistas. A razão é que o projeto que institui o mecanismo excetua os recursos que a União destinará à nova política pública do limite de despesas previsto para 2023.
O governo federal pode participar do fundo que financiará o programa com até R$ 20 bilhões, na forma de ações de estatais ou aportes diretos. “Vale observar que o limite de despesa de 2023 já foi ultrapassado em R$ 5 bilhões, o que levou ao contingenciamento de igual valor”, destaca Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
“Seja qual for o montante aportado, a consequência será a piora do já elevado déficit público de 2023, projetado pelo governo federal em R$ 177,4 bilhões ou R$ 172,4 bilhões, considerando-se o contingenciamento”, diz o economista.
Na terça-feira (27), uma medida provisória (MP) editada pelo presidente estabeleceu as diretrizes do programa, que será gerido pelo Ministério da Educação (MEC). Conforme o texto, o fundo será operacionalizado pela Caixa Econômica Federal e, além da União, terá a participação de outros cotistas, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado.
A MP também prevê articulação com estados, municípios e o Distrito Federal, com a intenção de potencializar esforços para redução da evasão escolar dos jovens atendidos.
A ideia é que estudantes de baixa renda, incluídos no Cadastro Único, passem a receber uma bolsa mensal e tenham direito a uma poupança, que poderá ser sacada ao fim do ensino médio. A intenção é reduzir a evasão nessa etapa, que chega a 16%, segundo o MEC.
Para ter acesso à poupança, o aluno precisará ter frequência mínima, garantir aprovação ao fim do ano letivo e fazer a matrícula no ano seguinte, quando for o caso. A regra também exige participação em provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Um ato conjunto dos ministros da Educação e da Fazenda vai definir valores, formas de pagamento, critérios de operacionalização e uso da poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar”, diz nota divulgada pelo Palácio do Planalto.
Simulações do MEC obtidas pelo jornal “Folha de S.Paulo” indicam que as bolsas mensais ficariam em torno de R$ 167 por aluno, e o saldo da poupança ao final do curso chegaria a R$ 3 mil.
Na quarta-feira (29), projeto de lei complementar que permite o uso de recursos do Fundo Social para custear despesas com programa (PLP 243/2023) foi aprovada no Senado com 61 votos favoráveis e nenhum contrário. O texto, de autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), foi aprovado na forma do substitutivo do relator, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
O Fundo Social foi criado pela Lei 12.351, de 2010, com o intuito de direcionar para a educação recursos gerados pela exploração do petróleo extraído da camada pré-sal. A proposta, que agora segue para a Câmara, autoriza o uso do superávit financeiro do fundo, em 2023, para financiar o programa.
O resultado unânime no Senado foi fruto de acordo entre base governista e oposição, no qual o governo se comprometeu a retirar da MP alguns dispositivos como a permissão para excepcionalizar os recursos de leilões do pré-sal.
Líder da oposição, o senador Rogério Marinho (PL-RN), criticou a forma como o projeto e a MP foram apresentados. “O governo passaria um cheque em branco a um programa que não estava nítido”, disse.
Economistas criticam "drible" em regra fiscal
“O normal é o seguinte: vou fazer uma política pública, então coloco no Orçamento. Se eu estou criando um fundo privado, que vai ser gerido pela Caixa, é porque estou querendo colocar essa política fora do Orçamento. E por quê? Para escapar dos limites de despesa”, disse Marcos Mendes, pesquisador do Insper, ao jornal “O Estado de S.Paulo”.
O ex-secretário do Tesouro Nacional e economista da Asa Investment, Jeferson Bittencourt, também disse à publicação ver o instrumento com estranheza. “Usar fundos privados exclusivamente para fazer política pública é uma estratégia vista com receio por técnicos, até pelos alertas emitidos pelos órgãos de controle já há bastante tempo”, afirmou.
Para Salto, da Warren, o projeto de lei enfraquece a credibilidade da nova regra fiscal, “já fragilizada pela atual discussão a respeito do contingenciamento possível em 2024”.
“Pouco importa a fonte apontada para fins fiscais. Só não haveria impacto fiscal se houvesse corte compensatório de outra despesa primária ou aumento de receita primária”, diz. “No mais, preocupa a estratégia de excetuar despesas, que cheira à velha contabilidade criativa.”
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