Produtividade e educação caminham praticamente lado a lado. Um estudo divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que a produtividade brasileira por hora trabalhada cresceu ao ritmo médio de 0,9% ao ano, apenas, entre 1995 e 2021. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a baixa produtividade, reflexo da qualidade na educação, inibe um crescimento mais acelerado da economia brasileira. Entre 1980 e 2022, o Brasil expandiu seu PIB ao ritmo médio de 2,3% ao ano. O mundo, 3,4%.
O melhor desempenho na produtividade foi da agropecuária, que avançou, em média, 5,6% ao ano, mas, mesmo assim, é o setor com menor produtividade. Os serviços, que respondem por quase 70% do PIB brasileiro, tiveram um crescimento médio anual de 0,4%. A indústria andou para trás, e sua produtividade encolheu 0,2% ao ano no período, em média.
“Temos uma produtividade baixa e estagnada, o que impede um crescimento sustentável de longo prazo. E essa dificuldade está associada à falta de qualidade na educação”, diz Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Falta de qualidade reduz complexidade econômica do Brasil
A baixa produtividade também veio acompanhada de uma perda de complexidade na economia brasileira, diz o diretor de educação e inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi.
Ranking do Atlas da Complexidade Econômica da Universidade de Harvard (EUA) mostra que de 1995 para 2020 o país perdeu 35 posições, passando da 25.ª para a 60.ª.
A baixa produtividade e a perda de complexidade econômica do Brasil se reflete na dificuldade de o país se inserir nas cadeias globais de produção. Lucchesi lembra que, ao longo do tempo, elas se alongaram e criaram uma demanda sofisticada por serviços.
Outro fator que contribuiu para a piora na complexidade da economia brasileira, de acordo com o atlas, foi a falta de diversificação nas exportações.
Mas há esperança. “Olhando para a frente, o Brasil está posicionado para aproveitar muitas oportunidades para diversificar sua produção usando seu know-how existente”, diz a universidade americana.
Cenário de transformação
O retrato dos últimos 40 anos é diferente do registrado entre 1930 e 1980, quando o Brasil foi uma das economias que mais cresceu no mundo. Segundo dados históricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia brasileira cresceu 22,6 vezes naquele intervalo, ou 6,31% ao ano.
Uma das principais características desse período, segundo o diretor da CNI, é que havia uma coordenação de políticas econômicas que resultaram no desenvolvimento da economia.
Mas, ao mesmo tempo em que realizava as primeiras revoluções industriais, o país não realizou a revolução educacional, diz ele. Os impactos começaram a ser sentidos a partir da segunda metade dos anos 60, na terceira revolução industrial, caracterizada pelo avanço na microeletrônica, e que teve como um de seus marcos a chegada do homem na Lua, em 1969, por meio do Projeto Apolo.
Lucchesi aponta que, ao longo do tempo, durante o século 20, procurou-se fazer um grande esforço na alocação de recursos para a educação, mas não houve resultados mais efetivos.
Costin lembra que o Brasil foi um dos últimos países nas Américas a universalizar a educação primária. “Enquanto muitos países da região fizeram isso nos anos 60, no Brasil só aconteceu durante a primeira década do século 21”, diz a diretora do Ceipe/FGV.
Outro indicador da falta de resultados na maior alocação é dada pelo diretor da CNI: ele aponta que o Brasil levou cem anos a mais que os Estados Unidos e Europa para que a população tivesse uma escolaridade média de oito anos.
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que 37,7% da população brasileira entre 25 e 64 completou o ensino médio e 20,7% tem o superior. São números inferiores aos dos países integrantes da organização: 40,6% concluíram o secundário e 39,9% têm o universitário.
Foi justamente um investimento mais focado em educação que transformou a Coreia do Sul. Há 40 anos, o país tinha o mesmo PIB per capita do Brasil. Hoje é mais de seis vezes maior. E a economia do país asiático se tornou a quarta mais complexa do mundo, segundo a Universidade de Harvard.
O diretor da entidade industrial lembra que estamos em um momento transformador, na quarta revolução industrial. “É um momento disruptivo, com o avanço de tecnologias como a internet das coisas, big data, inteligência artificial e biotecnologia avançada. Estamos assistindo a uma guerra global pela reindustrialização e as sociedades estão reformulando a educação.”
Educação precisa ser encarada como forma de acesso à cidadania
Tanto Lucchesi, da CNI, quanto Costin, do Ceipe/FGV, consideram que a aprendizagem e a educação são portas de acesso à cidadania. “A educação é um pilar fundamental para a construção de um projeto de um Brasil vencedor no século 21”, enfatiza ele.
Além de dificultar um crescimento mais acelerado e mais sustentado, os problemas relacionados à educação também dificultam a construção de uma sociedade brasileira mais coesa. “Temos uma profunda desigualdade econômica e social por causa de questões educacionais”, diz Costin.
A especialista aponta que o Brasil tem de olhar com mais profundidade para a desigualdade educacional. E aponta para alguns exemplos, como o de Pernambuco, que está desenvolvendo o ensino médio em turno integral. “Não existe uma solução mágica para resolver os problemas educacionais. É preciso determinação.”
Outro exemplo citado por Costin é o de Sobral (CE), que foi posteriormente expandido para o resto do estado. “Foi mudada a forma de alfabetização, a aprendizagem passou a ser avaliada com mais ênfase e investiu-se na melhoria dos quadros de professores. E também se vinculou parte dos repasses do ICMS aos avanços na educação.”
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que o Ceará tem uma das maiores notas de avaliação do ensino fundamental privado no Ideb (7,3, igual à média dos estados do Sudeste) e o maior para o ensino fundamental estadual (7,2).
Outro aspecto positivo, segundo ela, é que estados do Nordeste estão trocando experiências. “Pernambuco está copiando o modelo do Ceará e a Paraíba está copiando o pernambucano”, diz Costin.
Necessidade de ir além
Mas é preciso ir além, citam os especialistas. Embora o país seja a 13.ª maior economia mundial, foi apenas o 57.º lugar entre 79 países na edição de 2018 do teste Pisa – programa da OCDE para avaliação internacional de estudantes, que mede a capacidade de jovens de 15 anos em usar seus conhecimentos e habilidades em leitura, matemática e ciências para enfrentar os desafios da vida real.
Metade dos alunos brasileiros que fizeram o exame tiveram problemas com interpretação de texto. E as notas em matemática e ciências foram baixas.
Um novo teste foi realizado em 2022 e os resultados serão conhecidos no fim de 2023. É provável que se registre uma pequena piora por causa da pandemia da Covid-19. O Brasil foi um dos países que mais tempo ficou com as escolas fechadas.
“É preciso olhar e analisar os resultados. Não dá para se conformar com a 57.ª posição no ranking”, diz a diretora do centro da FGV.
Lucchesi defende uma estratégia fundamentada em duas bases: a participação da comunidade na escola e a utilização, com mais acurácia, de indicadores e métricas para avaliar os investimentos realizados em educação.
Os gargalos que inibem o crescimento
Um dos gargalos dos investimentos em educação está na distribuição deles. Segundo a OCDE, o gasto público na educação superior correspondeu a 1,1% do PIB brasileira em 2018. É mais que as médias dos países da entidade e dos 20 países mais ricos do mundo (0,9% do PIB).
Porém, Costin lembra que o ensino superior atende pouca gente no Brasil: 20,7% da população entre 25 e 64 anos tem esse diploma, de acordo com dados da OCDE. Nos países dessa entidade, o percentual é de 39,9% e nas economias do G-20, essa proporção é um pouco menor: 32,9%.
Um problema também enfrentado pelo Brasil são os baixos salários pagos aos professores. Na Alemanha, um professor do ensino primário com 15 anos de experiência ganha, em média, US$ 85 mil por ano. “Por aqui, os salários são ruins e fragmentados, isto é, o professor precisa dar aula em várias escolas. Não há dedicação e a profissão é pouco atrativa.”
Costin também enfatiza que os professores brasileiros dão poucas horas aulas em comparação com outras economias. A OCDE mostra que na educação pré-escolar são 800 horas por ano; enquanto que na Alemanha são 1.755. Na educação primária, os recordistas entre os países da organização são a Costa Rica (1.209 horas/ano) e Chile (1.016 horas/ano). No Brasil, esse número é de 800.
Nos primeiros períodos do ensino médio, a situação se repete: também são 800 horas/ano por professor, abaixo de países como Chile, Colômbia, Costa Rica e México.
Não há "bala de prata" para a educação
Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que não existe uma “bala de prata” para resolver o problema. Aceleradores na melhoria da qualidade da educação brasileira podem ser a educação em tempo integral e priorizar o atendimento de famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, como as que estão incluídas do CadÚnico. “Não faz sentido ter mais de dez matérias com quatro horas aula por semana”, diz Costin.
Outra preocupação, citada pela diretora do Ceipe/FGV, é em relação à redação. “Escreve-se muito pouco. É preciso trabalhar a redação desde o ensino fundamental, pois processa-se o pensamento escrevendo. Isto ajuda a explicitar o raciocínio.”
Este é o terceiro texto da série de reportagens "País em marcha lenta", que busca mostrar quais os obstáculos ao crescimento econômico no país e o que fazer para acelerar essa expansão.
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