Com apenas uma canetada e meia dúzia de declarações no fim de semana, o presidente Jair Bolsonaro derrubou o valor de mercado das suas principais estatais listadas na Bolsa de Valores: Banco do Brasil, Eletrobras e Petrobras. Também mostrou que as estatais correm risco de sofrer interferência política em suas decisões de mercado, o que vai na contramão da prometida guinada liberal na economia.
Segundo levantamento da Economática, as três principais estatais federais perderam R$ 85,28 bilhões em valor de mercado nesta segunda-feira (22). A Petrobras perdeu R$ 74,2 bilhões; o Banco do Brasil, R$ 10,8 bilhões; e a Eletrobras, R$ 280 milhões.
As ações da petrolífera foram as mais afetadas, chegando a cair 21,5% (preferenciais) e 20,5% (ordinárias). Na sexta-feira (19), a estatal já tinha visto o seu valor na Bolsa encolher R$ 28 bilhões, ao ver suas ações caírem 6% (preferenciais) e 7,5% (ordinárias). Com isso, a Petrobras viu seu valor de mercado reduzir em R$ 102,2 bilhões em duas sessões. Atualmente, a estatal vale R$ 280,5 bilhões.
A consultoria destaca que a perda de valor de mercado da Petrobras em um único pregão nesta segunda ficou atrás apenas da registrada em 9 de março do ano passado, quando o tombo foi de R$ 91,1 bilhões. O fato desencadeador na época foi uma crise entre Rússia e Arábia Saudita, que derrubou os preços do barril internacionalmente e afetou todo o setor mundial de óleo e gás. Depois, a empresa se recuperou e voltou a valer em torno de R$ 380 bilhões.
Já a causa das quedas registradas na sexta e nesta segunda-feira tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Ele pediu a demissão do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, por não concordar com a política de preços dos combustíveis da empresa. Pesou também o fato de Castello Branco, que tem 73 anos e é do grupo de risco da Covid-19, estar trabalhando em home office há 11 meses: “inadmissível”, disse o presidente da República.
No lugar, Bolsonaro quer que assuma o general Joaquim Silva e Luna, que hoje é diretor da Itaipu Binacional. Ex-ministro da Defesa, ele não tem experiência no setor de óleo e gás. A política de compliance da Petrobras exige sólida experiência no setor para a sua diretoria. A troca precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da petrolífera. Uma reunião do colegiado está marcada para esta terça-feira (23) e o assunto estará na pauta.
A interferência direta do presidente na Petrobras leva o mercado a temer que Bolsonaro mexa também na política de preços da estatal, apesar de ele e de Silva e Luna negarem publicamente. Bolsonaro tem reclamado dos aumentos no preço dos combustíveis e cobrado maior “previsibilidade”. Hoje, os reajustes acontecem conforme variação do preço do barril do petróleo no mercado externo.
O represamento de preços já foi adotado durante o governo Dilma Rousseff (PT) e aumentou substancialmente o prejuízo e o endividamento da Petrobras. Em 2016, Pedro Parente assumiu o comando da estatal e deu início a um processo de saneamento e desinvestimentos. Castello Branco dava sequência ao plano. O temor é que todo o trabalho seja perdido em uma canetada.
Declarações de Bolsonaro respingam em outras estatais
A ingerência política na Petrobras faz com que o mercado tema que as demais estatais sofram interferência também. E o próprio presidente vem dando declarações nesse sentido.
No sábado (20), em conversa com apoiadores, ele revelou que pretende agir para reduzir a conta de luz. O objetivo é conter um aumento projetado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de 13%, em média, na tarifa para 2021. “Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também”, disse Bolsonaro. Ele não relevou qual seria seu plano.
O medo dos especialistas é que Bolsonaro vá pelo mesmo caminho da ex-presidente Dilma. Em 2012, ela editou a medida provisória (MP) 579, que depois ficou conhecida como o 11 de setembro do setor elétrico. A medida fez com que a Eletrobras vendesse energia por um preço fixo, abaixo do praticado pelo mercado, para que Dilma cumprisse sua promessa de campanha de baixar a conta de luz em cerca de 20%. A ação corroeu o caixa da estatal, que perdeu praticamente toda a sua capacidade de investimento.
Vale lembrar que a Eletrobras está em processo de troca de presidente. Wilson Ferreira Júnior pediu demissão em janeiro por motivos pessoais. Ele vai assumir a BR Distribuidora. Em videoconferência a investidores, confessou que sua saída foi motivada também pela "quebra de perspectiva" de privatização da empresa: “sem a privatização da Eletrobras, minha contribuição fica perdida”, disse. Ele fica no cargo até 5 de março. Bolsonaro ainda não escolheu o seu substituto.
No caso do Banco do Brasil, Bolsonaro já ameaçou demitir o atual presidente da instituição, André Brandão. Ele ficou insatisfeito em janeiro com um plano de demissão voluntária (PDV) e de fechamento de agências. A situação foi contornada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas Bolsonaro deu a entender no último sábado que faria mais demissões nesta semana. O nome de Brandão voltou a circular nos jornais.
Repercussão e risco-país
A interferência de Bolsonaro nas estatais federais vai contra a promessa de campanha de uma política liberal na economia. O governo até começou seu mandato sem interferências e indicando nomes técnicos para o comando das empresas, mas as decisões recentes do presidente são um sinal de que a independência das estatais está em risco.
Em relatório a investidores, a equipe de analistas da XP Investidores alerta que as intervenções acendem um sinal amarelo, porque "ninguém hoje tem a resposta se a atual agenda liberal será, em algum momento, sobreposta por completo por uma agenda populista".
Os analistas da corretora Necton Investimentos dizem que a mudança na Petrobras deve "aumentar o clima de aversão ao risco entre os investidores internacionais em relação ao Brasil e o comprometimento da atual equipe econômica liderado por Paulo Guedes com uma agenda liberal”.
Nesta segunda, o risco-país chegou a 186 pontos, alta de 14,02% desde a última sexta-feira, segundo dados compilados pela Markit. É o maior nível desde 6 de novembro. O índice mede os riscos de investir num país e é acompanhado por investidores estrangeiros. Quanto maior o índice, maior o risco.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, escreveu em artigo publicado no portal Infomoney que as recentes decisões de Bolsonaro são um sinal claro de que não vai rolar privatização de peso no governo e de que não há compromisso do presidente com o equilíbrio das contas públicas e reformas liberalizantes.
“Seu objetivo é um só: manter-se no poder, custe o que custar, e se o ministro da Economia ainda não entendeu isso, não será aqui [no artigo] que irá aprender, mas na dura realidade dos fatos”, afirmou.
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