No momento em que o governo debate formas de cortar custos e melhorar a eficiência da máquina pública, um estudo da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, mostra que as agências reguladoras, encarregadas de fiscalizar serviços regulados, como telecomunicações e saúde, caminham na contramão desse objetivo. A má qualidade desses serviços é o motivo de maior insatisfação do consumidor brasileiro, revela o estudo.
Segundo o levantamento, “falhas na prestação dos serviços regulados são origem da maioria dos conflitos de consumo registrados pelos órgãos de defesa do consumidor”. O destaque é para o setor de telecomunicações, que ocupa os primeiros lugares no ranking de insatisfação, e deve ser alvo de um estudo específico da secretaria. No ano passado, as reclamações sobre telefonia representaram 27,4% de todas as queixas registradas nos Procons do país.
Mais queixas
Avaliação feita pelo Globo com os setores regulados mais reclamados comprova que o crescimento do número de clientes desses serviços não é desculpa para o aumento das queixas. De fato, houve incremento considerável de consumidores, ano após ano, mas o número de reclamações cresceu em proporção muito maior do que a clientela.
Entre 2011 e 2014, por exemplo, a quantidade de usuários de TV por assinatura subiu 53%. As reclamações do serviço, por sua vez, dispararam 323% no mesmo período. O número de beneficiários de plano de saúde aumentou 10% entre 2011 e o ano passado, ante um salto de 30,9% das queixas. O mesmo ocorre com telefonia (fixa e celular), energia, internet e serviços bancários.
A Senacon cobra das agências uma melhora no diálogo com o sistema nacional de defesa do consumidor. Especificamente em relação ao setor de telecomunicações, a secretaria criou um grupo de trabalho para fazer um estudo com enfoque nos problemas com internet. “Temos dois problemas que estão se agravando: o serviço de atendimento ao cliente (SAC) e a internet móvel. É incrível como esses serviços pioraram”, observa a titular da Senacon, Juliana Pereira.
O servidor público Pedro Rafael Barbosa, de 29 anos, passou quatro meses de 2013 tentando resolver um problema com a Oi. Cliente de um plano pós-pago de telefonia celular, ele parou de receber ligações e torpedos, mesmo estando com os pagamentos em dia. Inicialmente, a operadora afirmou que a razão do problema era uma chuva forte e pediu 24 horas de prazo, mas o serviço não voltou a funcionar. Pedro passou todo o período de festas de fim de ano sem conseguir receber ligações. “Mesmo assim, continuei pagando as contas. E, no final das contas, era um problema simples. O técnico me ligou e resolveu em alguns segundos “, relata.
Diante da dor de cabeça, o servidor recorreu ao Juizado de Pequenas Causas e conseguiu que a empresa reembolsasse, além das contas pagas, um valor por danos morais. Procurada, a operadora Oi informou que tem trabalhado para alcançar melhorias contínuas e que investiu R$ 5 bilhões em 2014 para aprimorar os serviços.
Interesses privados
A secretária Juliana Pereira relata que, de cada dez consumidores que chegam aos Procons para registrar uma reclamação, nove procuraram antes as operadoras e as agências reguladoras, sem sucesso. Os problemas nos serviços regulados são diversos. Segundo os órgãos de defesa do consumidor, há uma enorme concentração de mercado nessas áreas e uma série de falhas na própria regulação. Uma delas são as penalidades insuficientes: uma vez multadas, as operadoras passam anos na Justiça questionando os valores. “Tem muita regulação ineficiente, que favorece interesses privados’, diz a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Cristiana de Oliveira.
As agências reguladoras afirmaram monitorar as reclamações e detalharam ações realizadas para minimizar os problemas. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) citou o Regulamento Geral do Consumidor, feito em parceria com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. E garantiu ainda estar trabalhando para “facilitar o registro de reclamações”. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirmou que tem tomado providências “diante da queda na qualidade do serviço prestado por algumas concessionárias”. A agência requereu às empresas com índices inferiores aos limites regulatórios do mercado que apresentem um plano de resultados, fiscalizado periodicamente. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) garantiu que “vem se firmando como o principal canal de relacionamento com o consumidor de planos de saúde” e já é o canal que mais recebe queixas sobre o tema.
Agências sem dinheiro
As agências reclamam do contingenciamento de recursos, intensificado em razão do ajuste fiscal. Em maio deste ano, o governo anunciou um corte de R$ 69,9 bilhões. Com menos recursos, os ministérios cortaram os repasses às agências. “O governo contingencia os recursos muitas vezes. Tem o dinheiro (recursos próprios que vêm de taxas), mas não pode ser usado. É uma situação que o país está vivendo”, justificou o presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), Vinicius Benevides.
Juliana Pereira, da Senacon, destaca que as reclamações de serviços são comuns em vários países, mas considera que no Brasil as empresas e agências reguladoras não estão sabendo resolvê-las. E é por isso que os Procons estão lotados. “Se isso acontece, é porque alguém está fazendo a lição de casa errada”.