"Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão." As palavras pinçadas do discurso feito há pouco mais de um mês pelo presidente uruguaio José Mujica na 68.º Assembleia Geral da ONU, em Nova York, caracterizam, sem querer, um estilo de vida "do contra", que achou um núcleo de adeptos na capital paranaense. Seja por ideologia política ou até mesmo para simplificar a vida, há moradores de Curitiba que passam longe de shopping centers, consertam o que estraga em vez de substituir por um novo e só compram o que precisam.
Esses hábitos definem um fenômeno social que rejeita o consumo, justamente o grande motor da economia brasileira nos últimos anos. De 2007 a 2010, o consumo das famílias puxou o crescimento da produção de riquezas (PIB) para acima dos 5% ao ano (a exceção foi 2009, por efeito da crise mundial de 2008). Perdeu parte do vigor depois e, em meados de 2013, a participação do consumo das famílias na composição do PIB sofreu queda sinal de que o endividamento gerado pela fase anterior pesou bastante nos orçamentos.
Para o economista Aloísio Campelo, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), o Brasil terá de aprender a lidar com a nova fase do ciclo. "A opção pelo crescimento nos últimos anos fazia sentido porque o país tinha oferta de crédito pequena, que foi ampliada pelo governo para as camadas mais populares", diz. "Agora temos dois movimentos: um de desaceleração do consumo das famílias e outro de ajuste, que revela uma cautela maior do consumidor." Ou seja: o discurso anticonsumo encontra um cenário ideal para convencer mais adeptos.
Ideologia?
Os indícios são de que a ideologia está restrita a um nicho no país. Segundo o Instituto Akatu, que estuda formas de consumo sustentável, a pesquisa que mostra o envolvimento do brasileiro em reduzir o consumismo propõe um porcentual estável de adesão de 2010 a 2012. Segundo o levantamento, 27% dos 800 ouvidos em 12 cidades afirmam ter acatado o consumo mínimo como estilo de vida. Por outro lado, o gerente de conteúdo do Akatu, Dalberto Adulis, afirma que os porcentuais de gestos anticonsumo têm aumentado. Alguns deles: redução da produção de lixo, adoção de caronas e de feiras de permuta. "É um processo de construção progressivo, gradual", defende Adulis.
Móveis tirados do lixo e pavor de shoppings
O publicitário Julian Irusta, 38 anos, costuma dizer que as pessoas jogam fora coisas ainda usáveis. Ele as aproveita: a poltrona, o sofá e até quadros que ele tem em casa foram recolhidos do lixo. A garimpagem é apenas uma das facetas do argentino, que decidiu simplificar a vida há cerca de três anos. Dispensou eletrodomésticos, carro e cartão de crédito.
Irusta confirma que a decisão foi em parte política. "Eu detesto shopping. Detesto especulação imobiliária. E daí me toquei que o dinheiro que pagava minhas contas vinha dos negócios que eu mais desconsiderava na sociedade", conta. Após um período anticonsumista mais "radical" em que viveu sem endereço fixo, Irusta chegou a um meio termo. Mantém uma agência, onde aparece uma vez por semana. Ganha 10% do que recebia antes, mas consegue velejar duas vezes por mês.
O horror a shopping também move Iracema Bernardes, 42. Há 13 anos, a professora de gestão ambiental morava na capital paulista e trabalhava em um banco. Aqui, ela participa de feiras de permutas de alimentos e roupas e, em vez de contratar babá para a filha de três anos, participa de uma cooperativa em que as mães se revezam para cuidar das crianças. E acredita que não perdeu renda. "Acho que o que ganho hoje é bem parecido com o que eu ganhava no banco, porque trabalho em diversas frentes."