A queda acentuada do dólar nos últimos meses, apesar de criticada pelo setor exportador, proporcionou a obtenção de um valor histórico para o salário mínimo - pelo menos com referência na moeda norte-americana. Com o dólar oscilando próxima da barreira dos R$ 1,96, o salário mínimo brasileiro de R$ 380 alcançou US$ 194. Na semana passada, quando o dólar caiu a R$ 1,90, chegou ao patamar inédito de US$ 200. Estes são os maiores valores pelo menos desde 1953, quando tem início a série histórica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Banco Central.
Em janeiro de 1953, o salário mínimo estava em US$ 64,21. No início dos anos 60, porém, já havia recuado para cerca de US$ 32. Ao patamar de US$ 50, o salário mínimo chegou somente em 1973. A barreira dos US$ 100, por sua vez, foi atingida em 1981, mas voltou a cair nos meses subsequentes. Se firmou acima dos US$ 100 somente em meados de 1995, após o Plano Real, mas voltou a cair abaixo disso em 1999 com a crise da Rússia - quando o real perdeu valor e o dólar subiu. O salário mínimo ultrapassou somente em 2006 a marca dos US$ 150.
Em maio deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o dólar abaixo de R$ 2, apesar de ter efeitos nocivos para a indústria exportadora, traz benefícios para o trabalhador assalariado. "[O dólar] é bom para alguns e ruim para outros. Certamente, para quem vive de salário é bom", afirmou Lula na ocasião. Abrangência do salário mínimo
A avaliação de Lula é compartilhada pelo presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. Para ele, a proximidade da marca de US$ 200 é importante para abandonar a discussão anterior de que o salário mínimo deveria ser de, pelo menos, US$ 100. "O ideal é que o salário mínimo seja de pelo menos US$ 300", acrescentou. Para ele, o aumento do mínimo para cerca de US$ 200 também eleva o rendimento das outras categorias. "Quando sobe o piso, aumenta todos os salários [também em dólar] de maneira geral", afirmou.
Ao todo, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cerca de 44 milhões de pessoas tem seu salário atrelado ao valor do salário mínimo. Além do trabalhador, também recebem o salário mínimo os aposentados - que estão dentro dos 44 milhões. Segundo a Previdência Social, são pagos mensalmente aposentadoria a quase 22 milhões de pessoas, das quais 68% recebem até um salário mínimo - quase 17 milhões de aposentados.
Comparação com outros países
Na comparação com o resto do mundo, o valor próximo de US$ 200 para o salário mínimo brasileiro não é muito alto. Na América Latina, o salário mínimo da Argentina (cerca de US$ 260), da Colômbia (US$ 225) e do Chile (US$ 257) ainda são mais elevados do que o brasileiro.
Nos Estados Unidos, o salário mínimo é estabelecido por horas. Para uma jornada de 8 horas por dia, em 22 dias úteis, um trabalhador norte-americano recebe US$ 1,27 mil. No Reino Unido, o salário mínimo é de aproximadamente US$ 1,2 mil por mês. Na Alemanha, o mínimo é superior a US$ 1,6 mil por mês.
Na França, para uma jornada de 35 horas por semana, o trabalhador recebe pouco mais de US$ 1,5 mil em um mês. No Japão, para 40 horas semanais, o salário mínimo está em cerca de US$ 850 por mês. Na Espanha, o trabalhador recebe um salário mínimo superior a US$ 700 por mês.
A comparação do salário mínimo entre os países, porém, não proporciona elementos sobre o poder de compra real dos trabalhadores em cada um deles.
Poder de compra e necessidades
Para o professor de Economia da Universidade de Brasília (Unb), Ricardo Caldas, o aumento do salário mínimo em dólares significa elevação do poder de compra do trabalhador brasileiro. Entretanto, ponderou que é preciso "relativizar" esta análise, visto que nada impede uma subida do dólar no futuro. Uma elevação na moeda norte-americana baixaria de novo o valor do salário mínimo em dólares.
"Com certeza é positivo [um salário mínimo próximo de US$ 200]. Mas o que importa é que o poder de compra do salário mínimo está aumentando. O preço da cesta básica caiu, também por causa das reduções de impostos. Com isso, a população mais pobre está comprando produtos que antes não podia adquirir, como presunto e danoninho", disse Caldas.
De fato, o poder de compra do salário mínimo aumentou nos últimos anos. Segundo informações do Dieese, o salário mínimo de 2007, em R$ 380, é suficiente para comprar 2,05 cestas básicas. Há dez anos atrás, em 1997, o trabalhador que ganhava salário mínimo conseguia comprar 1,23 cesta básica. A relação obtida em 2007, de 2,05 cestas básicas, ainda de acordo com o Dieese, é a maior desde 1971. Descontada a inflação, porém, é a mais alta desde 1983.
Entretanto, o próprio Dieese avalia que o salário de R$ 380, ou perto de US$ 200, está aquém das necessidades do trabalhador brasileiro. Para satisfazer a Constituição e, com isso, atender às necessidades vitais básicas do cidadão e de sua família, como com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, o salário mínimo deveria ser de R$ 1,6 mil, segundo cálculos do Dieese. Com o câmbio de R$ 1,96, cerca de US$ 815.