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Política Monetária

Em último ano no BC, Campos Neto tem desafio de resistir a pressões e manter legado

O ano de 2024 será o último de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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Roberto Campos Neto entrará em seu último ano de mandato à frente do Banco Central (BC) com o desafio de manter a credibilidade que conquistou.

Depois de um ano tumultuado, o consenso entre analistas é de que o presidente do BC foi bem-sucedido na condução da política monetária e teve habilidade para driblar as pressões sofridas do Palácio do Planalto em relação à política de juros.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dirigiu desde o início do ano uma saraivada de críticas contra Campos Neto para forçar uma redução da taxa de juros, que estava em patamares elevados desde 2021. "Foi um bombardeio sem sentido nenhum", afirma Claudio Shikida, do Instituto Millenium.

O cenário do atrito começou a ser desenhado em 2020, na pandemia de Covid-19. Para manter a economia aquecida, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu drasticamente a taxa básica de juros (Selic), que chegou a 2% ao ano, o menor nível da história.

Na sequência, a estratégia ousada precisou ser revista, e o BC iniciou um longo ciclo de aperto monetário para conter a inflação. A escalada da taxa começou em março de 2021, ainda no governo Jair Bolsonaro, e depois de 12 aumentos consecutivos a Selic chegou a 13,75% ao ano. Permaneceu assim por 12 meses e só em agosto de 2023, após superadas pressões inflacionárias, o Banco Central iniciou a redução da taxa de juros, hoje fixada em 11,75%. A expectativa do mercado é de que a taxa caia até 9,25% ao fim de 2024.

"Campos Neto teve uma leitura muito correta do ambiente e manteve os juros altos pelo tempo necessário. Inegavelmente existia um risco, então ele conseguiu mapear bem. Se a gente tivesse começado a baixar os juros lá no começo do ano, estaríamos brigando com a inflação até hoje", avalia Juliana Inhasz, economista do Insper, lembrando as incertezas externas, como o preço dos combustíveis e a guerra em Israel.

Cláudio Shikida afirma que a postura de Campos Neto foi firme ao condicionar o início da redução da taxa a uma proposta completa de regra fiscal, que veio com o arcabouço. "Estamos com uma inflação em queda, como queria o presidente [Lula], mas sem correr riscos", diz.

A meta da inflação, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3,25% para 2023, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. No último relatório trimestral de inflação, o BC reduziu a 17% a chance de a inflação estourar o teto da meta, de 4,75%. Nos dois anos anteriores, o IPCA havia ficado acima do limite superior.

Gestão marca autonomia do Banco Central

O mandato de Campos Neto marca a primeira gestão sob a vigência da lei aprovada em fevereiro de 2021 que confere autonomia ao BC.

Fruto de costura entre o Executivo e o Congresso, a regra concede mandatos fixos de quatro anos para o presidente e os diretores do Banco Central, que não podem coincidir com o do presidente da República. Também determina que o chefe da autoridade monetária tem de prestar esclarecimentos ao Congresso pelo menos duas vezes ao ano.

Projeto antigo dos liberais – inclusive do senador Roberto Campos, ícone do liberalismo brasileiro e avô do atual presidente do BC –, a autonomia é uma forma de blindar a autoridade monetária contra interferências de governos de ocasião.

Ganhou força após Dilma Rousseff (PT) deixar a presidência, exatamente para impedir episódios de submissão do Banco Central aos interesses do Executivo, como se verificou na gestão de Alexandre Tombini, que esteve à frente do BC entre 2011 e 2016. Igualmente, visa anular tentativas como a do presidente Lula ao pressionar Campos Neto.

Na época da aprovação da lei, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), destacou o avanço institucional a partir da medida. "Há desprendimento do atual governo [de Jair Bolsonaro] de tratar este tema com absoluta normalidade, enquanto tantos outros governos sempre interferiram nesta pauta para que ela não tivesse aprovação”, disse.

De lá para cá, Lira manteve o apoio à conduta ao presidente do BC. "[Campos Neto] tem sido um zeloso guardião da moeda e da autonomia do Banco Central, independentemente das pressões de agentes políticos e econômicos que gostariam de uma política de juros mais flexível", disse o presidente da Câmara à Folha de S. Paulo na semana passada.

Campos Neto foi hostilizado por alinhamento às políticas da gestão Bolsonaro

Com aval tanto de Paulo Guedes, ministro da Economia à época, e de Campos Neto, a aprovação da autonomia trouxe credibilidade para o Banco Central.

Pelo alinhamento às políticas do governo anterior, Campos Neto foi hostilizado pelo governo e pelo PT ao longo de todo ano. Questões mais triviais também pesaram contra, como o fato de Campos Neto ter ido votar usando uma camisa da seleção brasileira.

A presidente do PT, Gleisi Hoffman (PT-PR), entre os vários ataques que dirigiu ao presidente do BC, o acusou de "sabotar o país", de tomar decisões com "caráter político" e de reduzir os juros "a conta-gotas".

"A atuação de Campos Neto este ano foi escancaradamente política, um verdadeiro prolongamento do mandato de Jair Bolsonaro, que o indicou e para quem ele fez campanha eleitoral. A desastrosa política monetária do BC, derrotada nas urnas, é a prova do grande erro que é a lei de ‘autonomia’ do BC", disse Gleisi.

Entre os congressistas, a autonomia do BC é ponto pacificado, apesar de tentativas de revogação. Em fevereiro, o PSOL apresentou um projeto para acabar com a autonomia e facilitar a exoneração dos presidentes da instituição. Lula também já afirmou que o governo pretende reavaliar a lei ao fim do mandato de Campos Neto.

Desafio será manter o ritmo de queda e equilibrar forças dentro colegiado

Após o início da redução das taxas de juros, Lula e Campos Neto têm ensaiado uma aproximação. O presidente do BC participou do churrasco de confraternização de fim de ano do governo na Granja do Torto, e, segundo relatos, circulou à vontade entre os presentes.

Nada indica, porém, uma mudança na atitude de Campos Neto à frente da política monetária ou de Lula na insistência de cobrar uma redução mais rápida dos juros, sobretudo em ano eleitoral.

"Antes a questão era 'quando' os juros iam começar a cair", afirma Juliana Inhasz. "Agora é 'quanto' vão cair."

Na avaliação da economista do Insper, a pressão do Planalto agora virá sobre o ritmo da queda, sob a alegação de a inflação já estar controlada. "Campos Neto deverá manter o ritmo que ele entender adequado olhando para os sinais da economia", acredita.

A mensagem principal da última ata do Copom foi a manutenção do ritmo de corte de 0,5 ponto percentual para as próximas reuniões, estratégia para assegurar que as metas de inflação sejam cumpridas e as expectativas de mercado sejam completamente ancoradas.

Por outro lado, ainda há dúvidas sobre o balanço de forças dentro do colegiado. À medida que se encerram mandatos de diretores do BC, o governo Lula faz suas próprias indicações. O atual diretor de política monetária do BC, por exemplo, é Gabriel Galípolo, indicado em maio pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele é hoje o nome mais cotado par assumir a presidência do BC após o mandato de Campos Neto.

Outro indicado naquela época foi Ailton de Aquino Santos, servidor de carreira do Banco Central, para a diretoria de fiscalização.

Na quarta-feira (27), Lula nomeou outros dois diretores: Rodrigo Alves Teixeira, para a área de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta; e Paulo Picchetti, para Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos.

Frequentemente surgem rumores, nem sempre verdadeiros, do desalinhamento de Galípolo com membros antigos do Copom, sugerindo um racha no comitê.

No início de dezembro, o mercado especulou sobre uma fala de Galípolo em um evento do banco JP Morgan e concluiu que ele estava inclinado a defender uma aceleração maior no corte de juros. Galípolo e outros diretores desmentiram.

Além do alinhamento com Lula, pesam contra Galípolo antigas falas heterodoxas proferidas em palestras e debates, defendendo políticas de emissão de moedas pelo governo e pouca atenção ao cenário fiscal.

Analistas do mercado questionaram a solidez da formação do economista, mas Galípolo se mostrou até agora alinhado com a estratégia do colegiado. "A verdade é que a gente não sabe realmente se Galípolo acredita mesmo nas coisas que ele falava. Só saberemos seu real perfil quando ele estiver com o poder nas mãos. Espero que sua máscara de heterodoxia fique bem guardada", diz Inhasz.

Mesmo com as pressões e o jogo de forças menos equilibrado dentro do colegiado, Shikida aposta na manutenção da postura firme de Campos Neto ao longo de seu último ano de mandato.

"Ele vai querer manter seu legado. Conquistou reconhecimento e não vai deixar 'fazer a festa no final', anulando sua reputação de ter agido corretamente para a manutenção do valor da moeda", afirma.

Entre as marcas de sua gestão, Campos Neto ainda tem a apresentar a contribuição para modernizar o sistema financeiro, como o lançamento do Pix e o desenvolvimento do Drex, o real digital.

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