Medidas de curto e longo prazos poderiam gerar economia de até R$ 700 bilhões em uma década, calculam economistas.| Foto: Gilberto Abelha/Arquivo/Jornal de Londrina
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Sob desconfiança do mercado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, persegue a meta de zerar o déficit primário em 2024 por meio de ações que visam aumentar a arrecadação da União. Diversos analistas, no entanto, consideram o cumprimento do objetivo pouco crível e defendem iniciativas que ajustem as contas públicas pelo lado da despesa como forma de facilitar a missão.

Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo dão algumas sugestões que, no longo prazo, podem resultar em uma economia para os cofres públicos de até R$ 700 bilhões em dez anos.

“A primeira medida que precisaria ser tomada é parar de aumentar os gastos como o governo está fazendo”, diz Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. Ele cita como exemplo a política de valorização real do salário mínimo, que deve elevar as despesas em cerca de R$ 16 bilhões no ano que vem e em R$ 32 bilhões em 2025. “A pressão vai ficando cada vez maior”, explica.

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Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, lembra que a medida tem efeito em cadeia sobre benefícios previdenciários, que são calculados com base no salário mínimo. “Atrelar inflação e crescimento de dois anos antes traz um impacto nos gastos obrigatórios muito grande”, diz a economista.

Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no fim de agosto, a lei que prevê o reajuste anual leva em conta a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) dos 12 meses anteriores mais a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo ano anterior ao ano vigente.

Na mesma linha, ambos os analistas defendem ainda uma revisão na regra dos pisos de gastos com saúde e educação, fixados em 15% da receita corrente líquida (RCL) e 18% da receita líquida impostos (RLI), respectivamente.

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“O grande problema é que não temos mais gordura para queimar nas despesas discricionárias e cortar as obrigatórias parece realmente difícil”, explica Alessandra. “Mas você pode reduzir o ritmo de alta”, diz. Ela ressalta que o mais importante não é o valor dispendido nessas áreas, mas a qualidade do gasto.

Sbardelotto destaca que a regra dos pisos para saúde e educação, que voltou a vigorar com o novo arcabouço fiscal, deve elevar os gastos justamente em razão da busca da Fazenda por mais fontes de arrecadação. “Se a receita como um todo crescer mais do que 2,5%, que é o limite imposto pela nova regra fiscal, essas despesas vão pressionar as demais, reduzindo o espaço para gastos discricionários dentro do novo teto”, explica.

Para ele, uma ideia viável seria utilizar os próprios limites do regime fiscal para limitar o reajuste nas despesas com as duas áreas – ou seja, estabelecer um aumento de 70% da receita, com limites mínimo de 0,6% e máximo de 2,5% de crescimento real.

“É importante também rediscutir esses pisos estruturalmente, porque temos uma população que está envelhecendo e que, portanto, vai demandar mais gastos com saúde e provavelmente menos com educação”, avalia. “Deveria se dar mais liberdade aos gestores para alocar valores de acordo com as necessidades da população. Mas, por enquanto, no curto prazo, acho que é válido apenas rediscutir esses mínimos.”

Sugestões incluem revisão de programas sociais e fim do abono salarial

Uma proposta defendida por diversos economistas para reduzir a fatura anual do governo federal de forma mais imediata é unificar os cadastros de beneficiários de políticas sociais, que hoje têm muita sobreposição.

“Verificar quem recebe dois, três, quatro ou até cinco benefícios diferentes e alterar os critérios de elegibilidade, acabando com a possibilidade de acúmulo”, sugere o economista Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) e hoje sócio da Ryo Asset.

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“Hoje, com as bases descentralizadas, há uma ineficiência gigantesca nesses gastos”, diz. “Infelizmente a esquerda interdita esse debate. Se você propõe uma revisão, te xingam, dizem que você não gosta de pobre”, lamenta.

A integração e o redesenho de programas como Bolsa Família, Farmácia Popular, salário família, salário maternidade, seguro defeso, auxílio reclusão e Benefício de Prestação Continuada (BPC) poderiam render uma economia fiscal de R$ 185,4 bilhões em dez anos, calcula Barros. Somente entre 2024 e 2026 o ganho seria de R$ 49,1 bilhões.

“Poderíamos ter uma rede de proteção social mais efetiva e, com isso, você economizaria inclusive em recursos administrativos”, concorda Sbardelotto, da XP.

Outra medida que os analistas sugerem é a extinção ou ao menos um redesenho no abono salarial, uma espécie de décimo quarto salário para trabalhadores com carteira assinada por pelo menos cinco anos e que recebem até dois salários mínimos.

“Há inúmeros estudos que mostram que se trata de uma política cara e ineficiente, mal focalizada e que pouco contribui como suporte financeiro aos trabalhadores mais pobres”, diz Barros. “Não é uma política social, mas de mercado de trabalho”. Além disso, ele ressalta, há uma sobreposição considerável do programa com o salário família.

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Hoje o custo anual do abono salarial é de pouco mais de R$ 20 bilhões, mas deve chegar a R$ 28 bilhões em 2026, e em R$ 37 bilhões em 2033, caso as regras atuais sejam mantidas. O economista da Ryo Asset considera três opções possíveis.

A primeira é o fim imediato do programa, que daria um ganho fiscal de R$ 313,8 bilhões em dez anos. A segunda, a extinção gradual em quatro anos, cuja economia seria de R$ 272,5 bilhões até 2033. A última seria restringir o benefício apenas para trabalhadores que ganham até um salário mínimo a partir de 2024, o que já renderia um espaço fiscal extra de R$ 255,8 bilhões em uma década.

“Esse é um debate que já está posto há muito tempo, mas existe uma resistência política muito grande para se fazer isso. Já foi constatado que o abono salarial não é eficiente nem para reduzir desemprego nem pobreza”, diz Sbardelotto.

Para Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral, a reavaliação de gastos pode ser ainda mais ampla. “A revisão deveria abranger desde as iniciativas de transferência de renda até os gastos com emendas parlamentares, que são distribuídas para estados e municípios sem acompanhamento efetivo dos resultados das políticas públicas”, diz.

Uma agenda que avançou nas gestões de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), mas que parece ter desacelerado no atual governo é a digitalização dos serviços públicos, que, além de tornar os processos mais ágeis e eficientes, ainda economizaria recursos.

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“Só de melhorar as compras públicas via sistema, por baixo teria um ganho de R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões”, diz Barros. “Sem contar o ganho de produtividade, que ainda dispensaria a necessidade de tantos concursos públicos.”

No longo prazo, reforma administrativa e uma nova reforma da Previdência

Em termos de cortes de gastos no longo prazo, o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, defende a necessidade de uma nova reforma da Previdência, hoje a principal despesa obrigatória da União. Para se ter uma ideia, a peça orçamentária de 2024 prevê a necessidade de R$ 895,7 bilhões para o pagamento de benefícios previdenciários.

Sua proposta consiste basicamente em estabelecer uma data de corte para que os novos entrantes no sistema previdenciário passem a contribuir em um regime de capitalização. Assim, a tendência é que a Previdência se equilibre naturalmente, com a extinção progressiva dos benefícios dos atuais contribuintes em razão de falecimento. “O governo teria uma válvula de escape para as pressões políticas que elevam as despesas discricionárias, que sempre vão existir”, diz Velloso.

Já uma reforma administrativa, como tem defendido o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), poderia significar uma economia de cerca de R$ 200 bilhões em dez anos. Os ganhos, no entanto, também seriam sentidos principalmente em longo prazo, uma vez que mudanças nas carreiras do funcionalismo só poderiam valer para novos servidores, ressalta Alessandra, da Tendências.

Mas a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, é contrária à redução no quadro de servidores. “O governo anterior se orgulhava um pouco da queda no número de servidores. Na nossa visão essa queda foi além do que seria o razoável”, disse, em julho, ao anunciar a abertura de 2.480 vagas efetivas para órgãos da administração direta.

Tão necessária quanto no nível federal seria uma reforma administrativa em todos os estados e municípios, que hoje demandam cifras bilionárias de transferências adicionais a cada ano por parte da União. “Tanto a reforma quanto a digitalização tornariam os governos subnacionais tão mais eficientes que essa sanha por colocar a mão no bolso do governo federal por meio de transferências de recursos ia reduzir naturalmente”, diz Barros.

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Em setembro, o Ministério do Planejamento e Orçamento anunciou a criação do Grupo de Trabalho de Revisão dos Gastos Federais. Conforme portaria publicada no Diário Oficial da União, a comissão tem, entre suas atribuições, identificar políticas públicas ou programas que serão objeto de revisão.

A partir daí, indicar opções de economia de recursos e realocação, considerando dimensões como economicidade, eficiência e custo-efetividade, e promover a integração entre diferentes órgãos e entidades do Executivo.

O foco inicial, segundo declarou o secretário-executivo do ministério, Gustavo Guimarães, será o combate a fraudes, por exemplo, nos benefícios da Previdência. O prazo estabelecido para a conclusão das atividades, no entanto, é de 12 meses, o que significa que os resultados serão divulgados apenas no segundo semestre de 2024.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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