O projeto de lei que reestrutura o sistema brasileiro de defesa da concorrência (PL 3.937/04), que tramita há sete anos no Congresso Nacional, enfrenta oposição dos órgãos de defesa do consumidor. Três emendas propostas pelo Senado Federal podem enfraquecer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), abrindo brechas para que a formação de cartéis e monopólios escape ao controle do órgão, prejudicando a livre concorrência e os interesses dos consumidores.
O projeto deveria ter sido votado no dia 15 na Câmara dos Deputados, mas foi retirado da pauta para priorizar a apreciação das regras de licitação para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A proposta aprovada no Senado prevê a redução das multas por formação de cartel que atualmente variam entre 1% e 30% do faturamento total da empresa para o mínimo de 0,1% ao máximo de 20% do faturamento bruto, limitado ao ramo de atuação do grupo em que a infração foi constatada.
A proposta torna flexíveis as regras para punir os chamados "acordos de exclusividade" e aumenta o teto que sujeita fusões e aquisições à análise e autorização do Cade. Hoje, as empresas com faturamento anual a partir de R$ 400 milhões precisam ter operações avaliadas pelo órgão. Pela proposta, esse limite mínimo passaria a ser de R$ 1 bilhão por ano.
Para a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), se essas mudanças forem aprovadas na Câmara, o consumidor poderá ficar refém da concentração de marcas, produtos e serviços nas mãos de poucos grupos econômicos. "A lei em si é benéfica e fortalece o Cade, aumentando a agilidade no julgamento dos processos. Mas esses três pontos não trazem benefícios, muito pelo contrário", avalia a coordenadora Institucional da Pro Teste, Maria Inês Dolci. "A Pro Teste acredita na livre concorrência como instrumento de efetivação dos direitos dos consumidores. Quando existe competição, as empresas baixam os preços, melhoram a qualidade dos produtos e serviços e investem mais em inovação", defende.
O projeto cria ainda o que vem sendo chamado de "Super Cade", a partir da fusão da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça com o conselho, que passaria a ser gerido por um superintendente, com poderes maiores que os do atual presidente do órgão.
Desenvolvimento
O advogado Pierre Moreau, especialista em Direito Concorrencial, critica a estrutura do projeto que, para ele, está muito mais focado na punição do que no desenvolvimento das empresas brasileiras. "O Brasil carece de política pública de desenvolvimento. Hoje os diversos órgãos, cada um dentro de suas competências, acabam muito mais agindo como polícia do que na tentativa de ajudar a aprimorar os mecanismos de controle", avalia. Ele compara a atual estrutura do Cade, e a que está sendo discutida, com a existente em outros países. "Aqui é só punir, enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, é punir e ajudar a desenvolver de forma adequada. O projeto dá poder de fiscalização, mas não de desenvolvimento", afirma.
O advogado relativiza as críticas às emendas do Senado, e avalia que a redução nas multas não é principal questão a ser discutida. "A proposta deveria tentar se adaptar ao atual estágio das empresas brasileiras. A lei atual protege as empresas de monopólios de empresas multinacionais instaladas aqui. Mas hoje as empresas nacionais são globais, estão crescendo. É preciso um olhar diferenciado", avalia.
Custo-benefício
Maria Inês, da Pro Teste, por sua vez, considera a questão o ponto central na defesa da concorrência. "As multas pesadas ajudam a coibir a formação de cartéis. Se forem reduzidas, em alguns casos, o lucro decorrente da concentração e formação de cartel pode ser mais vantajoso que a multa, tornando o descumprimento da lei uma opção economicamente vantajosa", alerta.
Procurado para comentar as mudanças propostas, o Cade informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que considera o assunto "relevante", mas informou que nenhum mombro do conselho poderia se manifestar, pois estariam participando de um evento no Rio de Janeiro.