Em 2008 Bruno Medeiros estava na crista da onda. A imprensa dizia coisas tipo “uma empresa que pode ser chamada de startup” sobre o Compra3, que ele tinha criado dois anos antes. Era um elogio, embora ninguém soubesse muito bem o que era uma startup. O importante é que a plataforma valia R$ 20 milhões, e a poderosa Editora Abril estava com o cheque na mão para comprar o negócio. Bruno já estava de malas feitas para morar em São Paulo. Ele não sabia que tinha surfado cedo demais.
A empolgação tinha sentido. O negócio, algo como um site de compras coletivas em que o usuário não precisava de um coletivo, era totalmente inovador. Além disso, o Compra3 era vinculado às redes sociais (o site foi criado logo depois que os brasileiros invadiram o Orkut). Além da grana, a Abril ia entrar com 17 milhões de usuários. Era o necessário para catapultar o faturamento.
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A crise bateu à porta, e a Abril desistiu do negócio. Bruno, não. Partiu com seu sócio para o Vale do Silício. “Brazilian startup Compra3 launches group buying site”, noticiou um site gringo, que comparou a ideia ao Groupon, nascido em Chicago. Microsoft e IBM se interessaram. Parecia um recomeço. Mas era o fim. A Compra3 foi fechada enquanto era tempo. Deixou R$ 600 mil em dívidas.
Olhando hoje, dá para ver uma sequência de erros que levou a empresa ao cemitério das startups. Começou captando mais do que precisava. Foram R$ 2 milhões, numa espécie de crowdfunding, em troca de pequenas participações. Essa “gordura” liberou a empresa para contratar mais gente do que precisava, com a tranquilidade de poder pagar. E sem a pressão para otimizar os custos.
Quando o dinheiro acabou, a empresa se viu com um produto que rendia pouco, era relativamente caro (a chamada “aquisição do usuário” era muito alta) e só teria rentabilidade quando chegasse na casa dos milhões de cadastrados. E estava longe disso. Por fim, o timing. Várias empresas fazem sucesso hoje com produtos muito parecidos. Elas estavam nascendo na época em que o Compra3 fechou.
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A lista de startups que fecharam é gigantesca. Algumas chegaram a fazer um bom sucesso com os usuários, como a plataforma de músicas Grooveshark e o microblog de vídeos Vine (que chegou a ser vendido para o Twitter por 30 milhões de dólares, antes disso). Muitas morreram antes disso, sem nem chegar a lançar um produto viável no mercado.
Os números mostram que a taxa de mortalidade, entre as startups, é mais feroz do que na média de novas empresas. Não só no Brasil. Um estudo feito na Universidade de Stanford corrobora um velho mito do Vale do Silício: 9 em cada 10 startups fecham. Em média, nos Estados Unidos, metade das novas empresas chega aos cinco anos de idade.
A fórmula do fracasso
Os pesquisadores criaram uma fórmula das empresas que erram. A empresa começa com uma grande campanha de relações públicas, sai na mídia. Aí sim desenvolve o produto (que não é muito bom, já que o empreendedor perdeu tempo com propaganda, e não pesquisou bem o consumidor). Já com fama, a empresa monta uma equipe grande e consegue captar muito dinheiro, mais do que deveria. Para só então perceber que não há um modelo de negócios. E que talvez as pessoas nem queiram consumir aquilo. É questão de tempo até fechar (o que deve acontecer quando acabar o dinheiro).
São negócios que “escalaram cedo demais”. “Ganhar escala” é o Santo Graal das startups, é como elas conseguem ganhar muito dinheiro gastando pouco. A lógica é ter uma equipe enxuta e um produto facilmente replicável, que dê o mesmo tanto de trabalho se for usado por uma pessoa ou por 100 milhões.
Mas startups também fecham porque nem todas as ideias são boas. De alguma forma, isso é uma vantagem. Por serem baratas e ágeis, as startups conseguem se adaptar muito rápido, e isso inclui saber fechar as portas.
“Erre rápido e erre barato”
Ricardo Doria é um entusiasta da falha como processo de aprendizado. Criou até um evento para “louvar o erro” (o Smart Fail já teve duas edições, e nele os empreendedores têm 5 minutos para contar a história dos seus erros). E dá um curso, em que ensina a desenvolver a “confiança criativa”. Há toda uma metodologia para aprender a errar rápido e barato, e assim correr riscos (que é a chave para fazer “coisas incríveis”).
Eu fiz esse curso em Stanford e lá eles têm um problema. Porque recebem os melhores currículos de estudantes do mundo, e geralmente não é o mais inovador. Pelo contrário. Ele tem tanto medo de errar que nunca errou. Sempre teve nota alta, nunca brigou no bar. E como você pega essa pessoa que tem tanto medo de errar e coloca num departamento de inovação do Google, da Nasa, onde 9 em cada 10 projetos dão errado?
Esse modo de pensar tem popularizado as histórias de “fracassos”. No Medium (que é como uma rede social de blogs) há várias publicações, em inglês, do tipo “por quê fechei minha startup (e o que aprendi com isso)”. Há uma thread no Reddit em que os usuários publicam notícias de empresas que fecharam (/r/shutdown) e há alguns com listas de antigas startups.
Um deles, o Startup Graveyard, compila o ramo da indústria da empresa, período de funcionamento, fundadores, quanto de investimento recebeu e ainda traz alguns motivos para o fim. O projeto nasceu como uma tese de mestrado na Universidade de Nova York, do estrategita digital. O grande desafio é encontrar informações precisas.
Inclui encontrar ativos da marca abandonada, informações sobre a empresa de fontes variadas que indiquem claramente quais motivos levaram à queda. O site é uma fonte, mas é muito difícil determinar exatamente o que levou a uma falência. As companhias são complexas, e em geral vão parar no ‘cemitério’ como resultado de uma longa lista de fatores interrelacionados.
No Brasil
Encontrar as startups fantasmas do Brasil é um trabalho bem mais difícil. Apesar de iniciativas como o Smart Fail e o Day1, da Endeavor, as histórias que deram errado ainda são raras. São raras as postagens do tipo, no Medium. Não há quase nada na imprensa, mesmo em veículos especializados. Mesmo durante a apuração desta reportagem, foram poucos os empreendedores que toparam falar. Seja por motivos jurídicos ou por não quererem falar dos seus erros. Para Ricardo Dória, a explicação é simples:
Se você for conhecido como uma pessoa que falhou, vai ter medo de ser conhecido como uma pessoa que falha. E no mundo a gente acredita que não pode errar. Mas esse mundo é idealizado.
Uma exceção foi Adonis Batista Beggi. De uma geração posterior à de Bruno Medeiros, ele lançou a Get Out quando o chamado “ecossistema de startps” já estava mais robusto, no Brasil. Tal qual Mark Zuckerberg, ele abriu a empresa na cozinha da casa da sua mãe. Despontaram depois de entrar para uma aceleradora. Adonis dava entrevistas, palestras, participava de prêmios e vivia saindo em listas de “startups mais inovadoras”.
A Getout era uma plataforma para integrar interessados em praticar atividades (em geral esportes radicais) a um organizador. Uma porcentagem da taxa de inscrição ia para o site. Mas o custo de aquisição era alto, e eles precisavam triplicar o ticket médio, para ter uma rentabilidade decente.
“Pensei muitas vezes. Será que eu não estou desistindo? Não deveria ser mais persistente?”. Era 1.º de abril, dia da mentira, quando ele e seu sócio Lucas Kenji reconheceram que não dava mais. Com uma média de 300 eventos em quatro estados por fim de semana, no auge, eles já estavam ficando loucos resolvendo pepinos dos participantes. Um dos parceiros chegou até a ir para a UTI, após um acidente ocorrido em uma atividade. A empresa nunca ia ganhar escala.
Fecharam antes de captar com investidores, com apenas R$ 15 mil de prejuízo. Metade foi abatido com o próprio patrimônio da empresa. Da Getout, herdaram conhecimentos com marketing digital e com ferramentas avançadas de big data, conhecidas no Vale do Silício, para onde foram participar de fóruns de startups.
Nasceu a Hariken, que nunca ganhou nenhum prêmio, mas já está indo para a terceira rodada de captação financeira. A primeiro foi com um investidor-anjo que Adonis conheceu por meio da Getout. A Hariken é uma plataforma de estratégia de marketing digital que lida com dados. Foram nove meses de estudo e validação para colocar um produto bem ajeitado no mercado. “Faz a mesma coisa que o Adobe [principal concorrente], com a mesma qualidade, mas o pacote deles custa R$ 5 milhões. O nosso parte de R$ 800”.
Recomeço
Os erros da Compra3 viraram o coração do novo negócio de Bruno Madeiros, a Lake Tahoe. É uma empresa de participações, ou seja, seu negócio é impedir que startups com potencial cometam esses mesmos erros. A primeira experiência foi na Beauty Date, em que Bruno entrou como sócio para ajudar na captação financeira. Arrecadaram quase R$ 30 milhões em um ano e meio, além de se unirem ao grupo que é dono da Keune Brasil, o que abriu caminhos nos salões de beleza.
A Fundação Dom Cabral, que trabalha com educação executiva, há alguns anos coloca uma lupa no mundo das startups. O professor Hugo Tadeu, que integra o núcleo de Inovação da instituição, explica que há algumas características bem brasileiras para as startups darem errado. Mas que, mais preocupante do que olhar para como elas morrem, é ver como elas nascem.
O mais chamativo é que há um empreendedorismo por necessidade e por desespero no nosso país. Quanto mais o desemprego aumento, maior a estatística do empreendedorismo. Aí tem uma turma que pega o número de empresas abertas e diz que está melhorando. Mas o crescimento de startups não deveria vinculado a isso, mas relacionado a um ganho de produtividade.
Como se sabe, o Brasil figura nas últimas posições em rankings de produtividade, como o elaborado pela instituição suíça IMD. Há também uma crise de gestão. Mais de 90% das startups morrem porque não têm modelo para gerir o negócio. E 70% não sabem fazer uma leitura de mercado, como converter uma boa ideia em um produto com viabilidade comercial.
É preocupante, diz o professor, que um grande número de startups brasileiras tenha um nível de produtividade médio (que se mede pela proporção de faturamento por empregados ou pela exepctativa de investimento futuro na empresa). Ao passo que as mais produtivas do país são as grandes. Justo as que têm acesso a subsídios muito vantajosos.
“Estas empresas grandes acabam criando uma barreira de mercado, e não deixam o empreendedor entrar. Isso mostra que [há um problema] de modelo de desenvolvimento econômico (...) o que falta é uma política clara, uma visão estratégica de longo prazo para este ambiente prosperar, com coordenação entre o público e o privado. Tem muito a ser discutido.”