O empresário Everson Ceschin se inspirou na Disney para abrir uma loja de sorvetes. Hoje ele conta com uma unidade na Flórida, estado que abriga alguns dos parques temáticos da turma do Mickey. Cleverson Cassel fez o caminho inverso. Ele já morava havia algum tempo nos EUA quando resolveu abrir uma empresa lá, para atender brasileiros. Hoje conta com uma filial brasileira. São alguns casos de empreendedores que têm apostado suas fichas em crescer fora do Brasil.
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Eles não estão sozinhos. Um relatório do Sebrae indica que mais de 12 mil micro e pequenas empresas brasileiras venderam para o exterior em 2015. Embora tenham movimentado pouco mais de 1% do volume em dólares naquele ano, elas são quase dois terços do total de exportadoras.
Ainda assim, o universo de empreendedores que se aventura para além da fronteira é muito pequeno, considerando que existem quase 12 milhões de pequenos negócios no país, também segundo o Sebrae.
Para Joaquim de Almeida Brasileiro, que coordena o curso de Negócios Internacionais da FAE Centro Universitário, uma das principais razões é cultural. “São aquelas lendas urbanas do comércio exterior: ‘ah, exportar dá muito trabalho é problemático’. Mas para cadastrar a empresa para exportação na Receita não custa nada, só demora um pouco.”
Outra questão é o timing. As empresas brasileiras que são símbolo de sucesso em exportação levaram de 20 a 30 anos para atingir um “nível de maturidade”. Ele cita BR Foods, Embraer, Tramontina, Weg e Gerdau como bons exemplos.
Isso porque o termo-chave para uma empresa construir uma operação internacional sólida é planejamento estratégico. Vender para um cliente de fora é o fim de um processo que começa muito antes, e que implica na empresa olhar para si própria e para o mundo à sua volta.
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Cinco décadas de planejamento e adequação ao mercado
A Expresso 3300 é uma empresa recém-criada, mas que vem de uma tradição de se adaptar ao mercado. Tudo começou em 1964, quando João Inglat abriu uma empresa para pintar parabarros de caminhão. Foi crescendo, passou a padronizar frotas, trabalhar com outdoors, EPIs, virou uma empresa de transporte. Até 2009, quando a 3300 enfim nasceu como uma “provedora logística”.
É como uma versão 2.0 do trabalho de estocagem. A empresa cuida da logística interna, armazenagem e transporte rodoviário dos clientes. A 3300 é pequena perto das gigantes do setor, que trabalham na cifra dos bilhões. Mas seus clientes são empresas globais, o que a empurrou para a exportação.
A primeira unidade da empresa no exterior veio mais por necessidade. Fica em Greensboro, na Carolina do Norte (EUA), onde um cliente da operadora tem atuação. A segunda filial já faz parte de uma estratégia de expansão e fica em Dallas, no Texas, polo logístico norte-americano.
A 3300 tem um setor de prospecção voltado aos EUA e estuda adquirir uma empresa local para adquirir know-how, conta Anderson Barth, gerente comercial da empresa. A empresa também participa da Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil/Curitiba).
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Lá e de volta outra vez
Em 2013, o empresário Everson Ceschin trouxe de uma viagem ao exterior a ideia de vender sorvete de nitrogênio. Abriu, há um ano e três meses, a Dr. Freeze, que acaba de inaugurar uma unidade na Flórida, e se prepara para abrir outra na Califórnia, ainda este ano.
Agora, a Dr. Freeze enfrenta o desafio de sobreviver no disputado mercado norte-americano. Que o empresário encara com certo otimismo. Em especial porque, após estudar o mercado, “a gente viu que o nosso modelo de negócios não tem ninguém que faça, lá”, conta o empresário.
Pesa também o fato de que a empresa teve muito tempo para se preparar. Foi um ano para tirar o projeto do papel, entre acertar detalhes do contrato de franquia e resolver toda a burocracia de licenças, contratação de funcionário e tudo o mais. Tempo que caiu como uma luva, e serviu para a doceria adaptar todo o seu modelo de negócios para o paladar e para a cabeça do consumidor norte-americano. As receitas foram adaptadas aos produtos disponíveis lá, e até o destaque do cardápio deve ser outro. A previsão é de que o grande sucesso, por lá, sejam os milk shakes – em especial o John & Mary, feito de morango cremoso, pirulito, balas de goma, marshmallow, algodão-doce e brigadeiro branco.
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Primeiro lá, depois aqui
O empreendedor Cleverson Cassel fez o caminho contrário ao de muita gente. Abriu uma empresa nos Estados Unidos e, recentemente, passou a operar no Brasil. A Câmbio Real faz remessas de dinheiro entre países, em um sistema que funciona pela internet.
Cassel trabalhava na área de tecnologia de uma multinacional quando foi mandado para fora, e percebeu a dificuldade de mandar dinheiro para o Brasil. Abriu a Câmbio Real em 2004, com foco nos brasileiros que moram nos EUA. Três anos depois, chegou à Inglaterra, de onde atende também todos os países da zona do euro.
O diferencial da empresa são os juros, mais baixos que os cobrados por outras instituições financeiras (são cobrados entre zero e $ 3,99, na moeda remetida). Foi só em 2013 que ele abriu uma unidade brasileira – que, ironicamente, foi a que mais deu trabalho em termos de legislação e burocracia.
Etapas do processo de internacionalização
O processo de expansão internacional de uma empresa começa com um planejamento estratégico. Fazer o mapeamento da empresa, focando em forças e fraquezas, quais suas oportunidades e ameaças do mercado.
Em seguida, vem a busca por um mercado. Uma sugestão do professor de negócios internacionais Joaquim de Almeida Brasileiro é começar por mercados próximos – geograficamente, como Chile e Argentina, e culturalmente, como Angola e Portugal, países que também falam português.
Definido o mercado, deve ser feito todo um estudo sobre aquele local. Aspectos políticos, sociais e até antropológicos têm importância. Também é hora de repensar o marketing. Não usar um símbolo que pode ser ofensivo para uma determinada religião, por exemplo. Ou mudar as cores (tons pastéis, que funcionam bem no Brasil, por exemplo, podem não ser uma boa opção em mercados internacionais).
Então é hora de se preocupar com barreiras tarifárias e alfandegárias. “Qual a legislação daquele país? Como ele taxa o produto ou serviço que vou oferecer?” são algumas perguntas a serem feitas.
Num primeiro momento, Brasileiro desaconselha abrir uma sede ou mesmo uma joint venture, unindo-se a uma empresa no exterior. O melhor, para quem quer exportar, é achar um representante comercial. De preferência alguém que conheça bem aquele mercado.
“Isso tudo é internacionalização. Só depois disso que eu vou exportar. Quando a mercadoria já está no porto e eu estou com a Receita Federal me liberando, esse é o último passo”, explica o professor.