Existe um mito no mundo da inovação, de que uma ideia genial vai surgir no ar, de forma mágica, na fila do cafezinho. Talvez vinda de um funcionário inusitado, como o cara que cuida do jardim. É uma noção bonita, até romântica. Mas, no mundo real, a inovação quase sempre vem da “cozinha” da empresa. Afinal, é quem põe a mão na massa todos os dias em uma determinada área ou projeto que tende a ter as melhores ideias. Mas, para isso acontecer, toda a cultura e gestão do negócio devem ser pensados para inovar.
Quem defende é o head de Marketing da 3M do Brasil, Luiz Serafim. A trajetória de inovação, dentro da multinacional, remonta aos anos 1910. Com o desafio de se manter atual ao longo de cem anos, a empresa elaborou uma espécie de cultura inovadora.
Para começar, a inovação não pode ser um departamento. Criar um programa de ideias ou dar um prêmio a um funcionário inventivo não serve de muita coisa, se for um elemento isolado. A inovação depende de uma série de elementos, “que são complementares e interagem entre si”, como em uma receita de bolo. E a principal delas é a cultura da organização.
É como se fosse a personalidade da empresa. E tudo começa com os líderes. Ter um ambiente despojado, por exemplo, não adianta de muita coisa “se os caras dão um exemplo super conservador, que não assume risco, [um ambiente] em que todo mundo depende de pedir a bênção daquele cara, não tem meritocracia. Complica completamente”.
A cultura global de inovação da 3M deve muito a um guru lá do início da empresa. William McKnight ainda era um gestor início de carreira em 1918, quando resolveu mandar sua equipe à campo, para descobrir como produzir lixas melhores.
As conversas com os clientes se mostraram melhores do que a encomenda. Foi aí que McKnight (que depois passou quatro décadas como CEO global da empresa) passou a defender maior autonomia para a sua equipe. E a incentivar que cada um tomasse suas próprias decisões.
Algo que era “subversivo” para a época, conta Luiz Serafim. “Uma empresa inovadora tem que ter ‘intraempreendedores’, que agem como se fossem donos dela mesmo sem ser. O cara que sabe que pode falar, trazer ideia, tem liberdade para propor uma coisa nova.”
É a linha que guia a estratégia de inovação da empresa até hoje. Serafim começa por ele próprio: se esforça em ser um líder inspirador. Na última semana, ele conversou sobre inovação com associados da Câmara Americana de Comércio (Amcham), em Curitiba. Seguindo uma regra de ouro da 3M: não ficar o tempo todo confinado no escritório ou no laboratório.
“Você só sabe o que acontece no mundo, no mercado, se está lá com o cliente”. É aí que entra a importância da “cozinha”. Um profissional da área de tecnologias médicas, por exemplo, vai gastar boa parte do seu tempo em visita a hospitais, clínicas, ouvindo profissionais da área. O que aumenta a chance de ele detectar uma carência (e propor uma solução que desemboque em um novo produto).
A área de pesquisa e desenvolvimento é fundamental para tirar estes novos produtos do papel. Mas ela só produz aquilo que vem como demanda dos setores que estão em contato com o cliente.
É todo um sistema que fomenta o surgimento de novas ideias, pressionado por uma meta mundial: 40% das receitas da empresa devem ser oriundas de produtos novos.
Para novos empreendedores, o recado de Serafim é claro: foco no planejamento. Quem começa uma empresa muitas vezes gasta todo o seu tempo apagando um incêndio atrás do outro, e nunca para para planejar seu futuro. E ter uma ideia de negócio incrível não é suficiente para ser inovador.
Não é inspiracional, do tipo “nossa! O cara que cuida do jardim deu uma ideia incrível”. Isto até pode acontecer, uma vez na vida. “Mas 99% do tempo em uma empresa como a 3M, que é inovadora por 100 anos, que todo ano lança produto, é foco, é ir lá e mergulhar no tema”.