Vender produtos em bicicleta não é exatamente um negócio inovador: funileiros, afiadores de faca, entregadores de leite, água e pães usam o modal há anos para ir e vir com suas mercadorias pelas cidades brasileiras. Nos últimos anos, a magrela tem ganhado espaço na rotina da população nas discussões sobre infraestrutura urbana como alternativa de transporte sustentável ou nos benefícios para a saúde como prática esportiva ou de lazer.
Aos poucos, a bicicleta também inspira empreendimentos sintonizados com as necessidades atuais de mercado. Além de sustentável, a bicicleta pode ser uma forma mais barata de abrir uma empresa. “O investimento é menor para verificar a aceitação de um produto ou modelo inovador”, avalia o professor de empreendedorismo e inovação do Isae, Rafael de Tarso Schoroeder.
A aposta do uso da bicicleta como meio ou finalidade de uma empresa exige cuidados extras na hora de empreender. Um sistema de transporte concebido para o uso da bicicleta, por exemplo, vai precisar de infraestrutura urbana e também o estímulo ao uso do modal. O clima também pode afetar o desempenho da empresa. “É preciso avaliar o mercado com mais critério e ter provisão financeira para momentos de baixa, por causa da sazonalidade que pode haver no negócio”, diz o professor Alexandre Weiler, diretor acadêmico da Esic Business & Marketing School, de Curitiba.
Planejamento e paciência serão fundamentais para a continuidade do negócio. Para Weiler, a bicicleta é uma tendência irreversível, que vai além do modismo. Mas é importante avaliar a demanda do mercado para chegar a resultados positivos. “Tem que ter perseverança. Demorei quatro anos para tirar meu primeiro pró-labore”, conta o fundador da Kuritibike, Gustavo Carvalho.
Kuritibike
A onda mais recente de empreendedorismo ciclístico em Curitiba começou com a iniciativa de Gustavo Carvalho, fundador da Kuritibike. Em 2010, três anos depois de mudar-se para Curitiba, Carvalho resgatou o hábito de andar de magrela e descobriu uma cidade diferente. Assim começaram os biketours (foto) do Kuritibike, com passeios guiados na cidade. Logo no início, a demanda pela locação de bicicleta para lazer abriu outra linha do negócio. Carvalho começou com cinco bicicletas, hoje tem 92 e deve chegar a 250 bikes para locação até o fim de 2016. Os tours oferecem equipamento completo, inclusive de segurança, e podem ser feitos a partir de duas pessoas, com agendamento prévio. Os menores de 12 anos, idade mínima para conduzir o próprio pedal, vão acomodados em acessórios, como cadeirinhas ou caronas. Os passeios custam entre R$ 70 e R$ 90 por pessoa e podem ocorrer inclusive à noite. Mas o grosso do faturamento – 75% – vem da locação das magrelas, que custa R$ 5 a hora, com período mínimo de duas horas. Carvalho está em processo de expansão, quer estabelecer três pontos de retirada de bikes na cidade e dobrar o faturamento mensal até o fim do ano. Até 2014, a empresa faturou R$ 15 mil por mês.
E-leeze
Quatro anos depois de iniciar as atividades de desenvolvimento, produção, venda e aluguel de bicicletas elétricas em Curitiba, a E-leeze se prepara para lançar a franquia da marca, em meados de agosto. A ideia é negociar a licença para lojas de venda, locação e assistência técnica, que deverão funcionar em contêineres, a exemplo da unidade instalada no Parque Barigui (foto). A meta é estar em cinco novas cidades no fim do primeiro semestre do modelo de franchising. Especializada em bikes elétricas premium, que não dispensa a função da pedalada, a empresa já produziu 1,3 mil unidades desde o lançamento. São cinco modelos, que custam entre R$ 4,9 mil e R$ 7,6 mil, com baterias removíveis e recarregáveis na rede elétrica da residência, com autonomia para 50 quilômetros. “O uso da bicicleta como transporte é um processo lento, mas irreversível. As cidades precisam de modelos alternativos de mobilidade e colocá-las na rua é uma forma eficiente de conquistar estrutura urbana para acomodá-las”, observa a sócia fundadora da E-leeze, Ana Claudia Stier.
Babbe Jewish Deli
A ideia foi importada de Nova York, onde a prática de venda de comidinhas e guloseimas em bicicletas está regulamentada e bem desenvolvida. Ao retornar para Curitiba, Guilherme Sell (foto) investiu R$ 25 mil na construção da sua food bike, novo segmento gastronômico sobre rodas que chega ao país. O desenvolvimento do projeto consumiu um ano de planejamento e 70% dos investimentos iniciais. A Babbe Jewish Deli é especializada em alimentação judaica, produzida de acordo com as receitas originais e modo de preparo conforme exige a religião. São sopas, bolos e biscoitos, elaborados em uma cozinha industrial terceirizada, que não custam mais do que R$ 10 para o consumidor. “A Babbe foi concebida para ser um modelo compacto de negócio e a proposta é mantê-la assim, única e exclusiva”, explica Sell. Longe dos pontos de rua, a Babbe participa de eventos particulares, em uma média de quatro por mês, que rendem cerca de R$ 10 mil.
Bicicletaria.net
O fim do compartilhamento de bicicletas em Curitiba, operado pela Bicicletaria.net, não desanimou o empresário Lucas Pereira Nery. Para garantir o equilíbrio financeiro da atividade na capital, a empresa precisava fazer ajustes na operação. Sem conseguir avançar nas negociações com a prefeitura, o serviço foi suspenso e a empresa vai devolver os três bicicletários, explorados desde 2012, quando venceu a licitação. O modelo de negócio, porém, está mantido. A Bicicletaria.net busca outros clientes – condomínios, universidades e mesmo a exploração do serviço em administrações públicas –, a exemplo do que ocorre em Lajeado (RS). A Univates (foto) contratou a Bicicletaria.net para desenvolver e instalar o sistema de 120 bikes compartilhadas no câmpus. Nery observa que ainda há grandes desafios para alavancar a atividade. Investimento em infraestrutura para uso compartilhado dos modais – bicicleta e ônibus –, com acesso a terminais e sistemas de pagamento pelo cartão do usuário é um exemplo de política pública e mudança cultural da sociedade que tem efeito direto no modelo de negócio. “Outra questão é o uso da publicidade nas bicicletas. Essa estratégia perdeu força nos últimos anos e há cidades usando as bikes como alternativa de mobilidade urbana. É uma fase de transição”, avalia.