Socióloga, Rose Bezecry trabalhava há uma década as boas práticas de manejo com ribeirinhos da região de Manaus quando foi para Curitiba passar uns dias, em um congresso científico. Foi quando leu no jornal que a capital paranaense iria inaugurar um setor de orgânicos, em seu Mercado Municipal. E teve uma ideia meio maluca: apostar todas as suas fichas (e todo seu dinheiro) em uma loja de cosméticos orgânicos. Coisa até então inexistente no país.
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Em meados de 2008, já estava tudo pronto para abrir as portas da Cativa Natureza. Menos as obras do mercado, que acabaram demorando um pouco mais do que o previsto. Rose se viu em uma encruzilhada: ou vendia ou perdia todo seu estoque, já que os cosméticos orgânicos têm prazo de validade consideravelmente inferior ao dos convencionais.
“Foi ali a primeira vez que eu vi que tinha este tino empreendedor”, conta Rose, que nunca tinha trabalhado como empresária na vida. Conseguiu com a prefeitura um espaço no meio das verduras para escoar seus produtos. Em quatro dias, vendeu tudo. Tirou duas lições: que na hora do aperto não adianta se desesperar, que é preciso ter coragem e atitude para resolver e defender seu dinheiro; e que tinha muita gente interessada em seu negócio.
Se o começo foi difícil, os seis meses após a inauguração foram piores. “Eram dois fornecedores, e todo mês eu tinha que fazer pedidos de pelo menos R$ 35 mil, R$ 40 mil, para cada um deles”, para vender um produto novo em uma loja de nove metros quadrados.
De novo, a solução foi crescer. A Cativa virou fabricante (hoje tem duas fábricas exclusivas, uma em Curitiba e outra no Rio Grande do Sul), abriu um “food truck” de cosméticos para vender em eventos de orgânicos, inaugurou uma loja em Fortaleza, e passou a distribuir para lojas de produtos naturais. Hoje, 40% das vendas vem das lojas próprias, 45% de revenda e os outros 15% de e-commerce.
Números do mercado
Os números corroboram esta impressão. Não há dados específicos para o Brasil, mas estima-se que, no mundo todo, pelo menos US$ 10 bilhões (cerca de R$ 31 bilhões) foram gastos em produtos orgânicos relacionados ao cuidado pessoal, só em 2015.
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A previsão, do Grand View Research Inc, é de que o valor chegue a US$ 25 bi até 2025. Hoje, os principais mercados estão na América do Norte (35%), seguido da Europa (24%). Mas Brasil, China e Índia são vistos alvos potenciais dos cuidados orgânicos (o que engloba cosméticos, produtos para o cabelo, para a pele e de higiene bucal).
Convergência de nichos explica o fenômeno
O mercado dos cosméticos orgânicos não atinge um, mas vários nichos diferentes. Que, entre si, têm em comum a busca por melhor qualidade de vida. Um segmento que engloba veganos (que não ingerem nenhum produto de origem animal) e vegetarianos. Há também quem tenha algum tipo de restrição, como celíacos, alérgicos e pessoas em tratamentos quimioterápicos.
Mas há um universo ainda mais amplo, de pessoas que apenas buscam evitar o contato excessivo com produtos químicos sintéticos. A Cativa Natureza, por exemplo, tem uma lista de 126 “químicas nocivas” que não estão presentes em seus produtos. Mais do que uma fórmula, é uma informação que funciona como marketing. Isto porque o público-alvo da marca é um consumidor ávido por informação, que sabe ler este dado como algo positivo.
É muita gente disposta a pagar um pouco mais caro por um produto de melhor procedência. O que tem um lado ruim. “São mais caros do que os normais, então fica mais difícil produzir em escala porque você não tem um mercado demandante”, explica Sylvia Wachsner, da OrganicsNet, que produz informação e fomenta trocas comerciais entre empresas do mundo dos orgânicos.
Grandes estão de olho
Da fabricação à distribuição, é um mercado dominado por pequenas e médias empresas. No Brasil, a Surya é uma das marcas mais antigas a investir em cosméticos orgânicos, naturais e veganos. Criada há 20 anos, a empresa têm escritório nos Estados Unidos desde 2001. As alemãs Dr. Hauschka e Weleda tem o mesmo perfil (são empresas grandes, mas ainda restritas ao nicho).
Mas grandes do setor de cosméticos também estão de olho neste público. A brasileira Yamá cosméticos lançou a linha “Less Poo” do seu tradicional Yamasterol, que não é orgânico, mas livre de sal, silicone e parabenos. A gigante francesa L’Oréal comprou em 2013 a The Body Shop, para entrar no mercado “natureba”.
Regulamentação é gargalo
Mas o que são os cosméticos orgânicos, afinal? Difícil responder, pois não há no Brasil ou em outro país uma regulamentação para o tema, como há para os alimentos orgânicos, por exemplo. E este é justamente um dos gargalos para a expansão do setor.
Para chegar aos US$ 25 bilhões até 2025, uma das apostas é que órgãos como o FDA (do governo dos EUA) invistam em normativas para o setor. Por enquanto, as regras ficam a cargo de empresas de certificação. No Brasil, há protocolos de certificação orgânica do IBD e da francesa Ecocert.
Além de certificar seus cosméticos, a Cativa Natureza busca ter o controle de toda a sua cadeia de produção. Para isso fez parcerias. Uma delas, com a Itaipu Binacional, que pagou a certificação de produtores rurais no interior do Paraná, para garantir um produto rastreado. Já o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) fazem análises para identificar a presença de metais pesados na formulação.